Senadores de oposição ao presidente Jair Bolsonaro podem ajudar o Planalto a vencer uma disputa envolvendo R$ 30,1 bilhões do Orçamento, nesta terça-feira (3).
Nesta terça à tarde, uma sessão do Congresso pode decidir a manutenção do veto de Bolsonaro que removeu cerca de R$ 30,1 bilhões do orçamento em emendas parlamentares.
O Palácio do Planalto diz acreditar ter os votos para ganhar a disputa, se a questão for levada à análise dos senadores.
A conta inclui políticos de oposição a Bolsonaro, mas que já disseram publicamente que votarão para manter a verba sob responsabilidade do Executivo.
Na tarde de segunda-feira (2/03), o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou ser favorável à manutenção do veto, “apesar das divergências com o governo de Jair Bolsonaro”. “O orçamento impositivo, lá atrás, foi um avanço. Mas isso que se discute é bem diferente e temerário”, escreveu Calheiros no Twitter.
Apesar das divergências com o governo de @jairbolsonaro, votarei por manter o #Veto52. Sem planejamento ou organicidade, carece de lógica a terceirização para o relator. O orçamento impositivo, lá atrás, foi um avanço. Mas isso que se discute é bem diferente e temerário.
— Renan Calheiros (@renancalheiros) March 2, 2020
Apesar de o MDB se considerar “independente” em relação ao governo, Renan Calheiros tem sido crítico ao Planalto desde o início do mandato de Bolsonaro.
Outra emedebista que votará a favor do veto presidencial é a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
Voto SIM ao #Veto52.
Não é missão constitucional do Parlamento, em todos os níveis, a execução das ações constantes do Orçamento. O Poder Executivo não tem esse nome por mero acaso. pic.twitter.com/cx9olHahJE— Simone Tebet (@SimoneTebetms) March 2, 2020
O próprio líder da oposição no Congresso, Randolfe Rodrigues (DEM-AP), se diz favorável a manter o veto de Bolsonaro — no entanto, ele afirma que trabalhará para adiar a discussão, evitando que o assunto seja discutido já.
“Tem três vetos antes de chegar no veto da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias, relativo aos R$ 30,1 bilhões). Faremos obstrução (tentar impedir a votação) até chegar neste veto. Nossa estratégia será a obstrução”, disse ele ao site especializado Congresso em Foco.
Além da bancada oposicionista, o grupo conhecido como “Muda Senado” — uma articulação informal anticorrupção com cerca de 20 senadores —também é contra destinar os R$ 30,1 bilhões para as emendas formuladas pelo relator do Orçamento, o deputado Domingos Neto (PSD-CE).
Oriovisto Guimarães (Pode-PR) e Fabiano Contarato (Rede-ES), que integram o grupo, disseram à BBC News Brasil serem favoráveis a manter o veto, ecoando declarações de outros congressistas do “Muda Senado” em entrevistas e nas redes sociais.
No caso do dispositivo vetado por Bolsonaro na Lei de Diretrizes Orçamentárias, a análise inicial é feita pelos deputados. Se eles derrubarem o veto, os senadores serão chamados a opinar sobre o assunto.
Acordo ‘improvável’ com o Congresso
Na Casa Alta, pelo menos 41 dos 81 senadores precisam votar para derrubar o veto de Bolsonaro — e neste caso, o Planalto acredita ter a matemática a seu favor.
“A gente tem os votos para manter, no Senado (…). Na Câmara é complicado, mas basta uma Casa para manter o veto. (Para derrubar) tem que aprovar nas duas”, diz à BBC News Brasil um articulador do governo que acompanha o assunto.
Por causa da situação no Senado, ele diz que é improvável que o governo feche um acordo com o Congresso — uma das possibilidades aventadas até então era de que Executivo e Legislativo dividissem os R$ 30,1 bilhões.
“Para o Senado, é muito ruim derrubar este veto. Você vai colocar um relator, um deputado do PSD (Domingos Neto, CE), controlando R$ 30,1 bilhões em emendas de deputados e senadores? Se você tiver uma boa relação com o deputado, tudo bem, mas e se você for de outro grupo (político)? Acho que o Senado estaria se apequenando diante da Câmara. Não são emendas feitas pelo conjunto do Congresso, são modificações apresentadas por um relator”, diz ele.
Jair Bolsonaro recebeu o presidente do Senado para um encontro de cerca de uma hora no começo da tarde desta segunda-feira (02), no Palácio do Planalto. Nenhum dos dois mencionou qualquer acordo entre os poderes.
O analista político e ex-professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol-UnB) Paulo Kramer concorda ser pouco provável um novo acordo para dividir os recursos entre Executivo e Legislativo. Ele destaca, porém, que negociações assim costumam prosseguir até o momento da votação.
Deputados favoráveis à derrubada do veto devem se reunir com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) na manhã desta terça.
Disputa começou em dezembro passado
Embora só tenha se tornado pública pouco antes do Carnaval, a disputa entre o Planalto e parte do Congresso começou bem antes, em dezembro de 2019.
Foi no dia 18 daquele mês que Bolsonaro resolveu vetar um artigo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o 64-A.
Este trecho dava ao relator-geral do Orçamento, Domingos Neto (PSD-CE), o direito de direcionar os R$ 30,1 bilhões em emendas, como havia sido pedido por diferentes partidos e bancadas no Congresso.
O trecho também fixava um prazo de 90 dias aos ministérios para liberar o dinheiro, sob risco de responsabilização dos gestores na Justiça.
Segundo técnicos consultados pela reportagem da BBC News Brasil, a mudança gerou pesadas reclamações na Esplanada dos Ministérios no começo deste ano, o que motivou o veto presidencial.
“Ali (naqueles R$ 30 bilhões) têm de tudo. Tem lugares na Esplanada que só poderão contar com esse dinheiro de emendas de relator”, diz um técnico. “Na verdade, criou-se uma instância de execução (orçamentária) dentro do Legislativo, uma coisa super complicada”, disse o profissional.
“Houve uma reação muito forte na Esplanada, dos militares, de todo mundo. O gestor (de cada ministério) corria risco de ser processado caso não fizesse a execução orçamentária dentro desse prazo de 90 dias”, ressalta ele.
Um acordo entre Congresso e Executivo começou a ser costurado antes do Carnaval, mas naufragou quando o Planalto deixou de mandar um projeto de lei dividindo os R$ 30 bilhões.
Executivo prefere gastar em Defesa; Congresso privilegiou cidades
Na rubrica dos investimentos, o Congresso já manda mais que o próprio Executivo.
Enquanto o Planalto dispõe de pouco mais de R$ 19,3 bilhões para aplicar em investimentos em 2019, as emendas parlamentares do Congresso determinarão o destino de R$ 22,1 bilhões nesta rubrica.
As prioridades de cada Poder também são bastante distintas, na hora de alocar o dinheiro.
No Executivo, as prioridades estão nas áreas de defesa (R$ 6,01 bilhões), transporte (principalmente manutenção de rodovias), com mais R$ 5,8 bilhões, saúde (R$ 1,2 bilhão) e educação (R$ 1,1 bilhão).
Já o Legislativo priorizou urbanismo, habitação e saneamento (R$ 6,6 bilhões), seguidos de investimentos em saúde (R$ 3,1 bilhões), educação (R$ 3 bilhões) e transporte (R$ 2,07 bilhões).
Congresso ocupa cada vez mais espaço no Orçamento
Os R$ 30,1 bilhões reivindicados por Domingos Neto não são o primeiro movimento do Congresso para ocupar mais espaço no Orçamento desde o começo da gestão de Jair Bolsonaro.
Em meados do ano passado, congressistas já tinham aprovado uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que tornou obrigatório o pagamento das emendas de bancada — somando cerca de R$ 15,4 bilhões.
Na época, o governo apoiou a proposta: sem ter como resistir à pressão do Congresso, a gestão Bolsonaro procurou evitar a aparência de uma derrota.
A mudança na Constituição também trouxe algumas regras para o uso do dinheiro das emendas de bancada. Por exemplo: se o dinheiro for aplicado em uma obra ou projeto que dure mais de um ano, a bancada fica obrigada a destinar emendas para esta finalidade até que esteja concluída.
Até então, o pagamento de emendas deste tipo não era obrigatório, e frequentemente o dinheiro acabava não saindo dos cofres públicos.
No ano que vem, o valor destas emendas de bancada voltará a crescer, segundo a PEC aprovada.
Outros dois fatores também fazem com que o Congresso esteja ainda mais forte na relação com o Executivo este ano.
Bolsonaro terá de lidar este ano com as consequências de não ter construído uma base de apoio no Congresso e enfrentar um “ano curto” na política, já que no segundo semestre deputados e senadores concentrarão suas energias na eleição municipal.