O Brasil é o terceiro maior país que recebe recursos dos fundos geridos pelo megainvestidor Mark Mobius – perde apenas para a China e para a Índia. Norte-americano radicado no Reino Unido, Mobius foi um dos pioneiros em criar estratégias de investimento dedicadas essencialmente para países emergentes, ainda nos anos 80.
Mobius é um grande otimista sobre a economia do Brasil e a agenda econômica do governo Jair Bolsonaro. Viu com entusiasmo a aprovação da reforma da Previdência, no ano passado, e deposita grandes expectativas sobre os efeitos dos projetos em discussão neste ano, como as reformas tributária, administrativa e a agenda de privatizações.
Ressalta, entretanto, que Bolsonaro está cometendo, hoje, os mesmos erros que Donald Trump cometeu nos primeiros anos de seu mandato: subir o tom contra setores da oposição, criar animosidades e, com isso, criar bolsões de descontentamento grandes o suficiente para atrasar as políticas que deseja. “O ponto, agora, é que Bolsonaro controle seus excessos”, disse, em entrevista a Exame. “Ele talvez seja muito duro, poderia ser mais amigável. Precisamos que ele seja popular, para que as reformas possam continuar.”
Para Mobius, há duas coisas que são essenciais para que o caminho para as reformas siga de maneira mais fluida: o primeiro deles é que o governo modere os ataques, para não alimentar impopularidade, e, o segundo, crescer e gerar empregos. “Empregos, empregos e empregos”, diz. “Empregos abrem caminhos. Aumentam a aprovação do governo.”
Depois de passar quase três décadas comandando as estratégias de investimentos em emergentes da gestora americana Franklin Templeton, Mobius abriu, no ano passado, a sua própria casa de investimentos, a Mobius Capital, também especializada nos países em desenvolvimento. Atualmente tem 180 milhões de dólares investidos em ações de países como China, India, Brasil, Polônia, Turquia e Quênia.
Mobius conversou com a revista Exame nesta terça-feira (18), durante passagem por São Paulo. Veja a seguir os principais trechos:
A Bolsa de Valores brasileira teve um ano forte e cheio de recordes em 2019, mas, ainda assim, perdeu cerca de 40 bilhões de reais de estrangeiros que retiraram seu dinheiro. Em 2020, o capital estrangeiro continua saindo. Como vocês avaliam o Brasil atualmente, como destino de investimentos, visto de fora?
Nosso fundo começou os primeiros investimentos em março do ano passado, e o Brasil é uma das nossas maiores posições. China e Índia são as maiores, com 30% da carteira cada, e o Brasil vem logo na sequência, com 16%. O Brasil é importante basicamente por conta da agenda de reformas. É um mercado que caiu muito e que tem muitas oportunidades. Meu único arrependimento é não ter investido mais. A nossa impressão, hoje, é que a Bolsa já pode ter ido um pouco longe demais, e deve ter um ajuste. Nós tivemos bons lucros e devemos resgatar um pouco desse dinheiro, mas não significa que vamos sair. É só um rebalanceamento, porque nossos investimentos são de longo prazo.
O que sustenta essa aposta de longo prazo para investir no Brasil?
A grande mudança foram as taxas de juros. Claro que se trata de um fenômeno global, mas no Brasil o jogo mudou completamente. Ter juros abaixo de 5% é inacreditável. Outro fator que está mudando o jogo é o câmbio, estão deixando o real enfraquecer e o dólar subir, o que é bom, porque fica uma situação muito mais realista. São duas coisas positivas para o país. O ponto, agora, é que Bolsonaro controle seus excessos e nos traga novas reformas. A reforma da Previdência foi muito boa e terá um impacto fiscal muito importante, mas esse processo tem que continuar.
Como o senhor avalia a velocidade dessas reformas? A tributária e a administrativa andam de forma lenta no Congresso e as privatizações, apesar dos vários anúncios, ainda tiveram pouca coisa concreta.
Para conseguir andar com as privatizações é necessário gerar empregos. O programa de [Donald] Trump, de fortalecer a indústria local, só deu tão certo porque o desemprego caiu, o emprego cresceu, isso abre caminhos. Aumenta a aprovação do governo. Funcionários públicos não querem perder seus empregos – a não ser que haja alternativas. Se há empresas procurando por pessoas para empregar, há uma chance para as reformas.
Trump começou seu mandato com altos níveis de rejeição, bem como Bolsonaro. Essa rejeição, mesmo ao lado de aprovação forte em outras alas da sociedade, é um percalço no andamento da agenda política?
Sem dúvidas, para ambos. Os dois não têm boa relação com a imprensa, fazem declarações polêmicas nas redes sociais. No caso de Trump, isso já começa a melhorar. No começo, ele tinha rejeição até entre os republicanos. Com o tempo, ele conquistou os republicanos e, agora, começa a conquistar também uma parte dos democratas.
E o que ele fez para reverter isso?
A economia. Empregos, empregos, empregos. Ao restringir as importações chinesas, ele atraiu investimentos para o país. Ele foi também eliminando regras e regulações. Tem que tornar o caminho mais fácil para fazer negócios, e é isso o que tem que ser feito aqui também. No Brasil, reduzir impostos e a burocracia são essenciais para que os pequenos negócios, principalmente, possam prosperar e gerar empregos.
O governo Bolsonaro critica muito e recebe muita crítica de determinadas alas da sociedade, ligadas a meio ambiente, cultura ou movimentos sociais. Por outro lado, há quem defenda que o importante é que os conflitos não atinjam a agenda econômica e a recuperação da atividade. Qual o senhor considera ser a maneira correta de olhar para essa divisão?
O fato é que nós gostamos das reformas dele, mas sabemos, também, que caso sua popularidade caia, as reformas ficam ameaçadas. Esse é o perigo, e por isso observamos Bolsonaro com atenção. Ele talvez seja muito duro, poderia ser mais amigável. Precisamos que ele seja popular, para que as reformas possam continuar.
O dólar se valorizou muito frente ao real e segue muito. O senhor acredita que o dólar ainda sobe mais, e como isso afeta suas decisões de investir no Brasil?
Acredito que o dólar ainda deve subir um pouco mais, mas depois deve se estabilizar. Nós investimos em dólar, antes de converter para reais, então, claro, se o real perde valor, é ruim para nós. A boa notícia é que, se o dólar está subindo, as empresas que exportam se beneficiam muito disso. Para o país como um todo, sabemos que o real está mais fraco, mas os juros, do outro lado, está muito baixo. Isso faz com que as pessoas tenham mais dinheiro para gastar, e fortalece o consumo, que é o grande setor em que investimos. Uma coisa, então, compensa a outra.
A Bolsa de Valores braseira perdeu cerca de 40 bilhões de reais no ano passado retirados por investidores estrangeiros. Este ano também começou com fuga de capitais. O que falta para esse dinheiro voltar?
Os juros caíram muito nos Estados Unidos no ano passado. Na Europa, já são negativos. Um retorno de 4% ou 5%, como os juros do Brasil, ainda é muito bom para essas pessoas. Esse é um fato que deve ser muito favorável para o Brasil e para os países emergentes. A renda fixa deles deve ainda crescer muito. Esses investidores não têm mais opção, e estão sedentos por países que paguem retornos maiores, mesmo que com mais riscos. Porque há sempre o medo de um calote; basta olhar para a Argentina.
Um dos pilares da Mobius Capital é ajudar na ampliação da agenda ESG, com políticas sociais, de sustentabilidade e de boa governança, nas empresas de mercados emergentes em que investe. É uma cobrança que já está mais madura nos mercados europeus. E nos emergentes, como está? O que as empresas ganham ao passar a olhar para esses tipos de políticas?
Muitas das empresas que abordamos já estão bastante atentas para isso. É o caso das Lojas Americanas e Fleury, por exemplo, que estão no nosso portfólio no Brasil. Elas podem perder clientes, podem perder exportações e podem, também, perder investidores, o que faz com que percam valor no mercado. As ações de uma empresa que implemente uma agenda ESG crescem dramaticamente, na ordem de 20% a 30%. Foi o que aconteceu, por exemplo, na Turkish Airlines, depois de um forte trabalho de governança que fizemos com eles. Colocamos diretores independentes no conselho, melhoramos os serviços nos voos, e isso apareceu ao fim no preço das ações. É uma coisa para que o mundo inteiro está olhando. Com a internet, a difusão da informação é muito rápida; as gerações mais jovens estão muito antenadas a isso e querem mais democracia e mais transparência.