Funcionários públicos deveriam ter seu trabalho avaliado constantemente e ser recompensados de acordo com o desempenho, como em empresas privadas. Essa é a avaliação feita por 91% dos entrevistados na pesquisa “Os brasileiros e a percepção sobre a qualidade do gestor público”, realizada pelo Datafolha e encomendada pela Aliança, formada pela Fundação Lemann, Fundação Brava, Instituto Humanize e República.org.
O mesmo percentual (91%) afirma que os servidores públicos precisam de apoio para se desenvolverem como profissionais e realizarem melhor seu trabalho. Para 88%, é importante demitir aqueles que, constantemente, não têm feito um bom trabalho.
O percentual dos que concordam que esses servidores precisam ter garantia de estabilidade é de 58%. Discordam da afirmação outros 39%.
A pesquisa foi realizada de 8 a 14 de maio de 2019, com 2.086 pessoas em todo território nacional, em todas as regiões do Brasil. A margem de erro é de 2 pontos percentuais.
Questionados se gostariam de trabalhar em cargos de liderança no governo de suas cidades, 43% demonstraram interesse, percentual considerado relevante pela Aliança, responsável por ações com o governo federal, estados e municípios na área de gestão pública. Entre elas estão programas de atração, pré-seleção, avaliação de desempenho e apoio para desenvolvimento.
Para 39% dos entrevistados, as vagas para cargos de confiança no serviço público não são bem divulgadas. Ainda segundo a pesquisa, 72% concordam que pessoas bem preparadas em cargos importantes do governo podem melhorar suas vidas, independente da simpatia dos entrevistados pelas ações do governante.
“Todas as grandes transformações no serviço público ao redor do mundo se deram a partir de você estabelecer um grupo bem preparado de liderança e com capacidade de transformação. A gente queria ver como as pessoas percebiam isso, independentemente das afinidades com o governo. Elas acreditam que avaliação constante é fundamental”, afirma Weber Sutti, diretor de projetos da Fundação Lemann.
“Nosso trabalho está muito focado em cargos de liderança, de livre nomeação. Você tem de ter uma avaliação constante a partir de resultados pactuados, e ela tem de ser feita sempre levando em conta o apoio necessário ao cumprimento desses objetivos”, afirma Weber.
Em geral, cargos de liderança em governos não têm avaliação de desempenho. Ou essa avaliação tem como objetivo apenas a bonificação, sem resultar em perda do cargo.
Weber Sutti dá como exemplo as vagas de livre nomeação no governo federal, como os chamados DAS (Grupo-Direção e Assessoramento Superiores), nas quais os ocupantes têm avaliação 100%, independentemente dos resultados.
“É [necessária] uma avaliação das competências frente aos desafios. Você mede resultado e potencial. Há pessoas que têm muito potencial, mas não conseguem entregar, e também o contrário. A questão das competências não é uma questão de opinião. Você tem índices e critérios que ajudam a medir.”
O sistema de pré-seleção, com elaboração de uma lista que será submetida a um prefeito ou secretário, por exemplo, tem como base sistemas desenvolvidos em países como Austrália, Inglaterra e Chile. No país latino-americano, o modelo foi desenvolvido a partir de 2003, com apoio de partidos de governo e oposição, e mantido mesmo com a alternância de poder.
“O Chile passou o Brasil no ranking de qualidade do serviço público. Uma das transformações foi um sistema de seleção para a alta direção pública, que tem processo seletivo por competência”, diz Weber.
“Essa lógica de que para cargos de confiança você precisa atrair pessoas com mais aptidão é realidade na maior parte dos países, não só da OCDE. No Brasil, há experiências desde o início de 2000 nesse sentindo, mas como iniciativa de governos específicos, não como política pública. A gente está longe de disso.”
SP e Minas testam processo de seleção por competência
Um em cada quatro dirigentes regionais de Educação do estado de São Paulo foram escolhidos a partir da metodologia de seleção por competência desenvolvida pela Aliança.
Em 2019, a Secretaria de Educação do Estado iniciou o processo para selecionar 34 dos 91 profissionais responsáveis por uma rede de mais de 5.000 escolas. 25 já estão trabalhando.
Mais de 1.000 servidores da rede paulista de ensino se candidataram. Para participar do processo é necessário ser profissional concursado da rede.
Após as etapas iniciais, foram selecionados três profissionais por vaga, posteriormente entrevistados pelo secretário e secretários executivos da pasta.
Os responsáveis pela área de recursos humanos da secretaria também receberam treinamento para aplicar a metodologia. Nas novas seleções, a ideia é que a participação dos profissionais da secretaria ganhe espaço, com acompanhamento à distância da Aliança.
Está previsto novo processo seletivo para outras regionais. Supervisores e diretores das escolas também serão escolhidos dessa forma.
“Ter bons líderes é essencial quando a gente pensa em melhorar o resultado. Se fossemos uma empresa, seríamos a maior do Brasil [em funcionários]. São 250 mil. É claro que vou encontrar [entre eles] 91 bons dirigentes, 5.100 bons diretores”, diz Haroldo Corrêa Rocha, secretário-executivo da Educação do governo de São Paulo.
Ele afirma que a educação brasileira necessita de recursos, mas precisa também melhorar a gestão, principalmente nos cargos de alto escalão.
“A gente aposta nessa metodologia de dar oportunidade a todos. Os que chegaram ao final chegaram por mérito, não tiveram de pedir a político nenhum. Os liderados sabem que eles vieram por mérito. Faz uma enorme diferença. É uma turma com alto estima, respeitada pelos colegas.”
Passada a fase de seleção, a secretaria trabalha agora na metodologia para avaliação de desempenho e desenvolvimento dos profissionais. Muitos são professores que, embora tenham demonstrado aptidão para cargos de liderança, não estão acostumados com todas as obrigações burocráticas das novas funções, como a necessidade de realizar compras e executar outras despesas públicas.
A Aliança também trabalha no programa Transforma Minas, que selecionou 165 profissionais, entre 9.000 inscritos, para vagas em várias secretarias e órgãos de governo, incluindo subsecretários.
Entre os selecionados, 80% são servidores de carreira e 20% vieram do setor privado, de acordo com o Secretário de Planejamento e Gestão de Minas, Otto Levy. “Do ponto de vista do funcionário público, isso mostra que estamos reconhecendo o talento.”
O secretário afirma que muitos desses cargos de confiança eram normalmente ocupados por funcionários não-concursados. Diz ainda que, com o sistema consolidado, poderá haver indicações políticas, desde que o indicado consiga passar pelo processo seletivo.
“O objetivo é fazer uma mudança de cultura no serviço público, caminhar para a profissionalização, para que cargos de chefia sejam ocupados baseados na meritocracia. O que a gente espera é uma melhora na gestão do estado e que isso se reflita em melhores resultados e serviços.”
Em novembro, foi iniciada a segunda etapa do programa, de desenvolvimento de habilidades de liderança, aplicada a subsecretários e outros gestores com cargos equivalentes.
Entre os cargos de maior nível hierárquico está o de subsecretário de Planejamento e Orçamento, que passou a ser ocupado por Felipe Magno, 32, funcionário de carreira desde 2010, que irá liderar uma equipe de cerca de 50 servidores.
Ele passou pelo processo de seleção e, posteriormente, definição de metas junto ao secretário e ao governador Participa agora da fase de desenvolvimento de competências e identificação de necessidades de aprimoramento, junto aos demais gestores.
“É um processo que dá oportunidade para que todos possam participar. Na seleção é feita entrevista técnica, análise de currículo, de competência e isso possibilita uma escolha mais alinhada com a vaga”, afirma Magno.
A previsão é que o Transforma Minas preencha 325 vagas até 2022, em processo realizado pela própria secretaria com a metodologia do programa.
Segundo estimativas da Fundação Lemann, há mais de 23 mil cargos de livre nomeação no governo federal e 120 mil em governos estaduais.