Numa casa de 1.800 metros quadrados, com piscina, bosque e jardim, numa região nobre de Brasília, o Lago Sul, funciona um dos escritórios de lobby mais movimentados da capital federal atualmente. É desse local, descrito como “suntuoso” por políticos, que o ex-senador Romero Jucá (MDB-RR) exerce sua nova função de abrir as portas do poder à iniciativa privada. E ele não é o único. O Estado identificou pelo menos quatro ex-senadores e seis ex-deputados federais que trocaram a política pela atividade de lobista. Todos aproveitam a influência para acessar gabinetes e ministérios em defesa de interesses privados.
Não é à toa que o nome da consultoria de Jucá é Blue Solution Goverment Inteligence, uma referência à cor azul do carpete do Senado, onde ele exerceu mandatos por 24 anos, quando foi líder dos governos Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. Em 2018, Jucá perdeu a eleição na onda de renovação política que varreu o País.
No seu portfólio, a consultoria do ex-senador informa que “busca soluções para questões de alta complexidade nas esferas política e econômica”. O Estado apurou que Jucá atende setores da indústria, do comércio e dos bancos. Pelas estimativas do mercado, “superlobistas” como ele recebem entre R$ 70 mil a R$ 150 mil por mês de seus clientes, mas o maior valor vem de taxa de sucesso.
Os contratos costumam vir com a seguinte cláusula: “fica ajustado que nos casos em que o trabalho resultar em benefício econômico direto ou indireto para o contratante será devido honorário de êxito”. Jucá não fala sobre seus clientes ou valores “por questões de confidencialidade”.
Como lobista, Jucá participou de reunião no gabinete do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, exclusiva para líderes. Nessas ocasiões, são discutidas a pauta, uma informação essencial para empresas definirem os rumos de muitos negócios. Ele também chegou a ocupar, em 11 de setembro, uma das cadeiras reservadas aos senadores durante sabatina de embaixadores na Comissão de Relações Exteriores. Deu encrenca.
“Lamento que na vaga de senador esteja um lobista, ex-senador, um cara envolvido em corrupção. Me retiro”, disse o senador Telmário Mota (PROS-RR), inimigo político de Jucá. “Você é um palhaço”, rebateu o emedebista, abrindo um bate-boca que fez a sabatina ser suspensa. O caso foi parar no Conselho de Ética. “Ele estava buscando interferir no processo. Que faça o lobby, mas fora da sala dos senadores”, disse Telmário ao Estado.
‘Superlobistas’
Jucá não é o único “superlobista” entre seus ex-colegas de Senado. O ex-senador e ex-governador petista Jorge Viana (AC) tem levado clientes à residência oficial do presidente do Senado e a gabinetes do governo Bolsonaro. Na semana passada, ele abriu as portas da casa de Alcolumbre e dos gabinetes do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, e da subsecretária de Relações Financeiras, Pricilla Santana, para representantes da Riza Capital (empresa do mercado financeiro). As firmas podem até conseguir as agendas sem intermediários, mas a ajuda encurta esse prazo.
O Estado apurou que Viana também atende clientes do setor de telecomunicações. Ele nega a atividade como lobista. “Estou tentando ver se sobrevivo a esses tempos de dificuldades. Se aparecer um trabalhinho ou outro, vou fazer. Mas não é consultoria. Não quero virar lobista”, afirmou. A Riza confirmou que seus integrantes foram acompanhados por Viana em encontros no governo e que ele “apresentou oportunidades de negócios, que não se concretizaram”.
O ex-senador tucano Cássio Cunha Lima (PB) montou a Advice Brasil após perder a eleição. Mesmo nova, sua firma fisgou a conta da Philip Morris. “A vida é muito curta para fazer uma coisa só”, disse. Lima confirmou trabalhar para a fabricante de cigarros. A reportagem não conseguiu contato com a empresa.
Transição
Quem já fez a transição de vez para o mercado do lobby foi o ex-deputado federal Marcus Pestana (PSDB-MG). Primeiro suplente, ele foi chamado para assumir o mandato em agosto, mas recusou. “O resultado eleitoral de 2018 teve sabor de derrota geracional. Redirecionei minha vida para a iniciativa privada”, relatou.
O ex-parlamentar decidiu mudar de ramo depois de 36 anos de vida pública, “desiludido” sobre o que considerava política rasa. Ele abriu neste ano a Lýseon, que defende companhias de saúde suplementar e da indústria farmacêutica.
Silvio Costa (Avante-PE), ex-líder do governo Dilma na Câmara, também virou lobista após a derrota nas urnas e hoje representa entidades ligadas a bancos. Apesar de ser um árduo defensor da petista, não encontrou as portas fechadas no governo Bolsonaro. Em 12 de março, conseguiu uma reunião com Paulo Guedes (Economia).
Outro que tem as portas abertas no governo Bolsonaro é o ex-deputado Evandro Gussi (PV-SP), que migrou por vontade própria para o mercado privado. Após ser indicado por um caça talentos (headhunter, no jargão de empreendedores) e passar em processo seletivo, passou a comandar a União das Indústrias da Cana de Açúcar (Unica). “Fui um deputado realizado, mas senti que esse ciclo se encerrou”, contou Gussi.
Na legislatura passada, ele foi autor da lei do Renovabio, considerada um marco para o setor no qual atua agora. No dia 5 de julho, Mussi teve agenda com o ministro Paulo Guedes para discutir o setor. Na pauta: impactos tributários da alteração do sistema de venda de etanol hidratado e Renovabio.
A regulamentação do lobby é assunto recorrente na pauta do Congresso. A ex-deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) foi relatora de um projeto que regulamenta a profissão, mas encerrou o mandato sem ver o texto aprovado. Também derrotada nas urnas, agora circula pelo Congresso defendendo uma legislação sobre a cannabis medicinal.
Atividade não é regulamentada
O Brasil não possui um marco legal sobre o lobby. A discussão sobre a regulamentação da atividade se arrasta há quatro décadas no Congresso Nacional, com a apresentação de mais de 30 projetos – sem que nenhum deles tivesse sua tramitação concluída até hoje.
O projeto mais avançado no Congresso é de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
Apresentado em 2007, estabelece que qualquer pessoa pode exercer a atividade de lobista. O texto defende que a representação de interesses nos processos de decisão política é atividade legítima que visa a contribuir para o equilíbrio do ambiente normativo e regulatório do País. Os lobistas terão de se cadastrar nos órgãos em que atuarão e portar crachás.
Nos Estados Unidos, país que tem regulação de lobby restritiva, ex-congressistas podem atuar como lobistas depois de passarem por um período de quarentena e com algumas restrições. Um ex-senador, por exemplo, tem que esperar dois anos após o fim do seu mandato para exercer a atividade e não pode trabalhar como lobista no Senado. As informações são do Estadão.