O procurador-geral da República, Augusto Aras, convocou nesta última segunda-feira (28) uma sessão extraordinária do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) para julgar a acusação de suposto descumprimento de prazos processuais pelo procurador da República Charles Stevan da Mota Pessoa, de Petrópolis (RJ).
Em junho, o juiz federal Alcir Luiz Lopes Coelho, titular da 1ª Vara Federal de Petrópolis, ofereceu representação à então PGR, Raquel Dodge, responsabilizando o procurador pela perda de prazo para oferecer denúncia em crime ambiental.
Embora o julgamento se refira à representação “por inércia ou por excesso de prazo”, várias manifestações nos autos ressaltam a série de desentendimentos entre o magistrado e o MPF (Ministério Público Federal).
O processo -que não está sob sigilo- foi distribuído para o conselheiro Sebastião Caixeta, que ocupa no CNMP a vaga do MPT (Ministério Público do Trabalho). A PGR informou que a sessão foi marcada para que não houvesse prescrição.
O fato gerador da reclamação ocorreu em 2016, quando dois rapazes foram flagrados “pegando pássaros tico-ticos”, crime contra a fauna. Um tico-tico funcionava “como uma isca para atrair outros pássaros” ao alçapão, segundo o relatório policial.
O magistrado assinalou que a ocorrência da prescrição, no caso de um dos investigados, “não pode ser incluída, de nenhuma forma, entre os chamados exemplos de ‘morosidade da justiça'”. Segundo ele, a prescrição “foi provocada pelo total descumprimento dos prazos processuais por parte do procurador da República”.
O juiz acrescentou que “o mesmo procurador procedeu de forma semelhante com relação ao descumprimento dos prazos em outros feitos [processos]”.
Coelho listou nove outros processos, num dos quais o CSMP (Conselho Superior do Ministério Público) decidiu, por maioria, punir o procurador com advertência. O relator pediu cópia desses processos -inclusive para avaliar se algumas das condutas imputadas já foram objeto de sanção.
O procurador considerou “injusta e tendenciosa” a afirmação do juiz de que a prescrição “foi provocada pelo total descumprimento dos prazos processuais”.
“Tangencia a hipocrisia, com a devida vênia, a representação por excesso de prazo elaborada por aquele julgador federal, cuja Vara Federal, por ele titularizada, é notoriamente conhecida pela lentidão na tramitação dos feitos judiciais”, afirmou o procurador.
“Não pode este órgão ministerial se furtar, nesta oportunidade, em apontar o péssimo relacionamento institucional que o juiz federal Alcir Luiz Lopes Coelho trava com todos os membros do Ministério Público Federal”, escreveu.
O procurador de Petrópolis reproduziu trecho de manifestação do procurador regional da República da 2ª Região Rogério Nascimento, ex-conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), para quem o juiz Alcir Luiz Lopes Coelho “em mais de uma oportunidade em diferentes órgãos jurisdicionais, vem sendo ácido crítico da atuação de variados membros do Ministério Público”.
Segundo o procurador Charles Pessoa, desde que chegou à 1ª Vara Federal de Petrópolis, em 2015, o juiz “faz questão de bradar aos servidores da secretaria daquele juízo federal que acabaria com a paz dos membros do MPF”.
“Na verdade, sua péssima fama precedeu à sua chegada à Justiça Federal em Petrópolis, sendo notória a briga pessoal que travou com o procurador da República Paulo Cezar Barata, mediante recíprocas representações no Conselho Nacional de Justiça e no CNMP, culminando, inclusive no ajuizamento de demanda penal em face do juiz federal.”
O procurador cita ainda que “inúmeros órgãos fizeram manifestação conjunta pela saída do juiz da Justiça Federal de Teresópolis. “A mesma senda vem sendo trilhada em Petrópolis”, afirma.
Foram juntadas aos autos reportagens sobre a reação de entidades de direitos humanos à rejeição, pelo juiz Alcir Luiz Lopes Coelho, de denúncia do MPF contra o sargento reformado Antônio Waneir Pinheiro Lima (o “Camarão”).
Identificado como torturador, ele foi acusado de estuprar, em 1971, Inês Etienne Romeu, na Casa da Morte em Petrópolis, como ficou conhecido o centro clandestino utilizado por agentes da ditadura para a prática de diversos crimes.
Em 6 de março de 2017, Coelho rejeitou a denúncia, por falta de justa causa para o exercício da ação penal. Na decisão, o magistrado citou o escritor Olavo de Carvalho, guru da família Bolsonaro, ao afirmar que “ninguém é contra ‘os direitos humanos’, desde que sejam direitos humanos de verdade”. E definiu o Grupo Justiça de Transição, do MPF no Rio de Janeiro, como “um simulacro de tribunal de exceção”.
Na ocasião, o MPF divulgou nota oficial lamentando a decisão do juiz. A coordenadora da Câmara Criminal do MPF, subprocuradora-geral Luiza Frischeisen, afirmou que “nenhuma mulher, ainda que presa ou condenada, merece ser estuprada, torturada ou morta”.
“Tampouco pode o sistema de justiça negar desta maneira a proteção da lei contra ato qualificado no direito internacional como delito de lesa-humanidade”, disse Frischeisen. Em agosto, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região recebeu a denúncia contra o sargento reformado, que responderá por sequestro qualificado e estupro.
Na manifestação enviada ao relator, o procurador informou que regularizou os processos judiciais e mencionou a carga horária de trabalho, “que supera 10 horas diárias”. Argumentou ainda com a substituição cumulativa que faz em outros dois ofícios da Procuradoria da República em Petrópolis.
“Diante de todo o cenário assinalado, confessa este Órgão Ministerial não ter tempo e muito menos vocação para travar um embate pessoal com um membro do Poder Judiciário, situação essa jamais vivida por este procurador da República, desde que iniciou seu ofício no MPF, na distante data de 18 de fevereiro de 2002, ou seja, há exatos 17 anos, 4 meses e 29 dias”, concluiu.