O procurador-geral da República, Augusto Aras, pretende colocar em prática uma auditoria interna com a finalidade de passar um pente-fino na gestão da sua antecessora, Raquel Dodge, e abrir a “caixa-preta” da Procuradoria-Geral da República (PGR). A ideia é avaliar contratos, licitações, benefícios pagos aos seus integrantes, verbas extras e materiais adquiridos nos últimos dois anos na instituição.
Além disso, ele recebeu de interlocutores a informação sobre a suposta existência de um esquema ilegal de grampos contra procuradores e servidores do órgão. O esquema teria sido criado na gestão de Rodrigo Janot e permanecido ativo na administração Dodge, que deixou o cargo no mês passado. De acordo com fontes na PGR ouvidas pelo Correio, a permanência do sistema de vigilância, mesmo com a mudança de comando no órgão, acendeu o alerta do novo procurador-geral.
As suposições criaram a primeira turbulência interna na PGR sob a gestão Aras, já que nomes ligados aos mandatos anteriores rebatem as declarações e dizem que não houve nenhum esquema de espionagem dentro da instituição. O assunto foi motivo de denúncias e troca de acusações na corregedoria interna do órgão. Atualmente, pelo menos 19 policiais do Distrito Federal, entre militares e civis, estão lotados na Divisão de Missões Especializadas da PGR, setor que, de acordo com as suspeitas de alguns procuradores, seria responsável pelo esquema montado para vigiar integrantes da carreira e servidores do órgão, além de realizar pequenas diligências internas informais. A intenção é que os policiais sejam exonerados e devolvidos aos órgãos de origem nas próximas semanas.
Tensão
A nomeação do general Roberto Severo como assessor especial para Assuntos Estratégicos, feita por Augusto Aras, gerou tensão entre integrantes das gestões anteriores, motivando até pedidos de exoneração. No entanto, a permanência do general no cargo ainda não está confirmada, já que ele enfrenta alguns problemas pessoais. Severo teve uma breve passagem como secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, quando o órgão era comandado por Floriano Peixoto, entre maio e junho deste ano. Antes disso, foi chefe de gabinete do ex-ministro Eliseu Padilha, na Casa Civil.
Em 2004, o MPF adquiriu o Sistema Guardião, uma série de aparelhos, incluindo hardware e softwares, voltados para a interceptação de dados por meios eletrônicos. O equipamento foi comprado por R$ 734 mil, incluindo contrato de treinamento de pessoal, a pedido da Procuradoria da República no Paraná. No entanto, foi cedido para a Polícia Federal em 2008, tendo a cessão sido renovada nos anos seguintes. A PGR também possui equipamentos antigrampo, que rastreiam mecanismos de escuta ambiental ou de interceptações de conversas telefônicas. Periodicamente, eles são usados nas dependências do órgão para tentar evitar vazamento de informações.
Procurada pela reportagem, por e-mail, a Secretaria de Comunicação do Ministério Público Federal (MPF) informou que “o assunto mencionado” na “demanda é antigo e já foi respondido pela PGR”. Na mensagem enviada à reportagem, a secretaria anexou cópias de decisões judiciais em um processo por danos morais movido por um procurador há dois anos. “O caso já foi, inclusive, objeto de ação judicial com decisão”, completa o texto da mensagem.
Supremo
O livro lançado na semana passada por Janot, em que ele detalha sua convivência com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e revela a intenção de assassinar o ministro Gilmar Mendes, gerou a suspeita de que a mais alta Corte do país também esteve sob vigilância, já que narra fatos que, até então, eram apenas de conhecimento dos envolvidos. Na publicação, e em entrevistas à imprensa, Janot afirma saber que a filha, que é advogada, era alvo de comentários depreciativos do ministro Gilmar Mendes. Esse é o principal fundamento para as desconfianças entre os ministros.
No livro, Janot usa as supostas declarações de Mendes, que nunca foram públicas, para motivar o dia em que ele teria ido armado ao Tribunal para matar o magistrado. O procurador-geral afirma que ficou “transtornado” após saber dos comentários de Gilmar. Entre os ministros, discute-se a possibilidade de melhorar a segurança do Supremo, inclusive com ações de contrainteligência.