A criação de uma CPI (comissão parlamentar de inquérito) para investigar a atuação de tribunais superiores, apelidada de “CPI da Lava Toga”, tem dividido os apoiadores do governo de Jair Bolsonaro. Movimentos de direita defendem a iniciativa, mas os filhos do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), têm atuado para barrar seu avanço.
Senadores tentam pela terceira vez neste ano instalar a CPI, que depende do apoio de ao menos 27 parlamentares da Casa, além do aval do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que resiste à ideia.
O objetivo é investigar eventuais irregularidades nos tribunais superiores e o que chamam de “ativismo judicial”, expressão que se refere a uma interferência do Judiciário nos demais Poderes.
No requerimento mais recente, ainda não protocolado, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-ES) restringiu o escopo de investigação. O pedido apresentado em março listava 13 pontos, incluindo a atuação dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes e Dias Toffoli, presidente da Corte, em julgamentos específicos.
Desta vez, o parlamentar apontou como motivo da comissão a instalação de um inquérito pelo STF para apurar ataques à Corte, conhecido como “inquérito das fakes news”.
Por meio de uma portaria, Dias Toffoli, determinou, em março, a abertura de investigações para apurar ataques a integrantes do Supremo. O ministro Alexandre de Moraes foi escolhido como relator. A iniciativa foi criticada no meio Jurídico e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chegou a pedir o arquivamento do inquérito, o que não foi acatado pelo STF.
Foi no âmbito dessa investigação que Moraes determinou que a revista Crusoé e o site O Antagonista retirassem do ar a reportagem O amigo do amigo de meu pai. O título é uma referência ao apelido de Toffoli em documento apresentado pela defesa do empresário Marcelo Odebrecht em um dos processos contra ele na Justiça Federal em Curitiba, segundo a reportagem.
O ministro voltou atrás no episódio classificado com censura por alguns juristas, à época.
No requerimento, Vieira afirma que foram produzidas “diversas ilegalidades” neste inquérito, “como a expedição de mandados de busca e apreensão como meios de intimidação, determinação da retirada de matérias jornalísticas dos ambientes virtuais, afastamento de autores da Receita federal em legítimo exercício da profissão, determinação de remessa de inquérito policial como materiais de hackers que invadiram celulares de autoridades sem amparo legal e desrespeito à determinação da Procuradoria Geral da República de promover seu arquivamento”.
De acordo como o senador, “nos últimos meses, os cidadão brasileiros vêm experimentando, uma vez mais, os graves e danosos efeitos da atuação arbitrária, heterodoxa e absolutamente ilegal e inconstitucional por parte do presidente do STF”.
Apesar de ter conseguido as 27 assinaturas necessárias, após a pressão de parlamentares ligados ao Planalto, alguns senadores recuaram no apoio à comissão. Vieira trabalha para conseguir protocolar o pedido nesta terça-feira (17).
A estimativa é que sejam gastos R$ 30 mil nas atividades do colegiado. Uma CPI tem poderes de investigação equiparados aos das autoridades judiciais, como determinar diligências, ouvir indiciados, inquirir testemunhas, requisitar informações de órgãos e entidades da administração pública, pedir audiências com deputados e ministros de Estado e tomar depoimentos de autoridades federais, estaduais e municipais. Para ser criada, é preciso apontar um fato específico a ser apurado.
PSL dividido
Nos últimos dias, sob orientação do presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PSL-PE), Flávio Bolsonaro pediu para colegas não apoiarem a CPI. Ele foi o único dos quatro senadores do PSL que não assinou a petição pela abertura da comissão.
A divergência levou alguns parlamentares ameaçarem a deixar a legenda, como a senadora Juíza Selma (PSL-MT). O líder da bancada, Major Olímpio (PSL-SP), chegou a defender que Flávio deixasse o partido.
Eduardo Bolsonaro, por sua vez, compartilhou neste domingo (15) vídeo da youtuber Paula Marisa contra a instalação da CPI.
A publicação questiona a motivação de senadores a favor das investigações ao acusá-los de usar a instalação da comissão como moeda de troca em relação a pautas de interesse do governo, como a reforma da Previdência, a indicação de Eduardo para embaixada brasileira em Washington (EUA) e de Augusto Aras para Procuradoria-Geral da República (PGR).
Alguns parlamentares favoráveis à CPI afirmam que a resistência dos Bolsonaro é parte de um “acordão” com o Supremo.
Em julho, o ministro Dias Toffoli suspendeu todas as investigações criminais que usam dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e de outros órgãos de controle, em pedido feito pela defesa de Flávio no caso apura irregularidades do então deputado estadual e de funcionários do seu gabinete à época, como Fabrício Queiroz.
Em resposta ao tweet de Eduardo Bolsonaro, Alessandro Vieira escreveu que “o sistema está usando o rabo preso da sua família para barrar o combate à corrupção”. “Quem quer mamata em embaixada fica com mimimi”, acrescentou.
A indicação do filho do presidente para o cargo em Washington depende da aprovação dos senadores e é prioridade do Planalto. A articulação envolve a negociação de cargos em órgãos que, somados, têm orçamento superior a R$ 2,5 bilhões para este ano.
Olavo de Carvalho: ‘CPI não vai adiantar nada’
Considerado guru dos bolsonaristas, o escritor Olavo de Carvalho disse que a prioridade no momento deve ser o apoio ao presidente. “A coisa mais urgente no Brasil é uma militância bolsonarista organizada”, disse. De acordo com ele, a política não é uma “luta entre ideias, mas entre pessoas”.
No vídeo, Olavo critica a CPI e defende a família presidencial. “Esse negócio da CPI da Lava Toga é uma bobagem sem comum (…) Quantos ministros do STF vocês vão conseguir levar para depor numa CPI? Nenhum. Não vai adiantar nada”, criticou.
Parlamentares e juristas contrários à CPI também sustentam que esse não seria o melhor instrumento para apurar possíveis irregularidades do STF. Esse foi um dos argumentos usado por Alcolumbre para engavetar a tentativa de criar a comissão em março.
No requerimento apresentado à época, Vieira incluía a investigação de casos em que os ministros de cortes superiores deveriam ter se declarado suspeitos para julgar, além de ministros que exercem atividade comercial simultânea à atuação na magistratura e recebem dinheiro por palestras para escritórios de advocacia.
O documento apontava ainda “uso abusivo” de pedidos de vista (mais tempo para analisar um caso), acusações de recebimento de propina e outras atividades irregulares.
O próprio presidente do STF era acusado de julgar processos de um banco no qual teria feito um empréstimo.
O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, era acusado de julgar ações do Bradesco ao mesmo tempo em que o Instituto de Direito Público, do qual é sócio, contraiu empréstimos com o banco, além de atuar em processos em que uma das partes era defendida pelo escritório do advogado Sérgio Bermudes, em que Guiomar Mendes, esposa do magistrado, é sócia.
Também era questionada a atuação do ministro em relação a habeas corpus concedidos ao empresário Jacob Barata Filho, de cuja filha foi padrinho de casamento, e em favor de Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, investigado como operador do PSDB em esquema de corrupção.
Janaína Paschoal: ‘CPI bem feita pode apontar outros crimes’
Para a advogada e deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), o pedido apresentado pelos senadores não é inconstitucional. Ele cobrou esclarecimentos de fatos praticados pela cúpula do Judiciário e também defendeu também o avanço do impeachment do presidente do STF, apresentado também no Senado.
A CPI e o afastamento de Toffoli também são bandeiras das manifestações de movimentos de direita convocadas para 25 de setembro.
Nesta segunda-feira (16), o jurista Modesto Carvalhosa defendeu ambas as iniciativas de fiscalização do Judiciário. “Há mais de dois anos eles têm praticado uma série de ilegalidades visando eliminar a Lava Jato, liquidar todos esforços para que haja uma correção nos costumes políticos do Brasil”, disse.
Em entrevista à Folha de S. Paulo e ao UOL, o ministro Gilmar Mendes disse que a CPI é inconstitucional e seria barrada pelo próprio STF.
Se essa CPI fosse instalada, ela não produziria nenhum resultado. Certamente o próprio Supremo mandaria trancá-la.Gilmar Mendes, ministro do STF
De acordo com o magistrado, os signatários do pedido de investigação sabem de sua irregularidade mas continuam pelo debate e repercussão na mídia.