Casos na maternidade incluem realização de manobra de Kristeller, violência verbal e proibição de acompanhante às parturientes; gestor tem 30 dias para se manifestar
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao superintendente da Maternidade Climério de Oliveira, situada na capital baiana, a adoção imediata de medidas de combate à violência obstétrica. Na Recomendação, publicada na terça-feira 6 de agosto, é determinado o prazo de 30 dias para que o gestor informe sobre o acatamento das medidas.
A partir da instauração de inquérito em 2017, o MPF apurou depoimentos de pacientes sobre condutas de violência obstétrica em atendimentos, consideradas ilegais e rejeitadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como:
– realização de manobra de Kristeller* – “membros da equipe pressionaram minha barriga durante a força que eu estava fazendo”**;
– violência verbal – “a obstetra me censurou dizendo que eu não tinha afeição por meu filho, que eu não tinha amor porque eu não conseguia segurá-lo”**;
– proibição de acompanhante – “fiquei sozinha sem acompanhamento durante 15h com febre, pressão alta e sem tomar banho. Tive que ir, sozinha, tomar banho frio e descalça porque minhas coisas estavam com meu marido e ele foi impedido de entrar”**.
De acordo com o procurador da República Edson Abdon Peixoto Filho, a situação na Maternidade Climério de Oliveira não é um fato isolado. Segundo ele, os casos de violência obstétrica encontram reforço no senso comum de que ao dar à luz em uma maternidade pública brasileira, a parturiente já deve estar preparada para se submeter a diversas formas de violência física e verbal.
Dignidade no atendimento
a Carta dos Direitos dos Usuários do SUS determina que toda pessoa tem direito ao atendimento humanizado, acolhedor, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação, garantindo-se sua integridade física, privacidade, conforto, individualidade, segurança, bem-estar psíquico e emocional, além do respeito aos seus valores éticos, culturais e religiosos. Em relação específica aos direitos da gestante, o Ministério da Saúde (Portarias nº 569/2000 e nº 1.067/05 – Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Resolução nº 36/2008 – Regulamento Técnico para Funcionamento dos Serviços de Atenção Obstétrica e Neonatal), toda mulher grávida e todo recém-nascido têm direito à assistência de forma humanizada e segura, o que inclui:
– ser chamada pelo nome;
– ser tratada com respeito e cordialidade;
– ter suas dúvidas esclarecidas;
– compartilhar as decisões sobre as condutas a serem tomadas;
– ter liberdade de posição e de movimento durante o trabalho de parto;
– ter métodos – farmacológicos ou não – para alívio da dor;
– não ser submetida a episiotomia de forma rotineira;
– permanecer em alojamento conjunto com o bebê desde o nascimento; e
– presença de acompanhante de livre escolha da mulher no acolhimento, trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, dentre outros.
Violência obstétrica
De acordo com o dossiê Violência Obstétrica – Parirás com dor, elaborado em 2012 pela Rede Parto do Princípio para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Contra as Mulheres, consistem em violência obstétrica: ações que incidam sobre o corpo da mulher, que interfiram, causem dor ou dano físico, sem recomendação baseada em evidências científicas; ações verbais ou comportamentais que causem na mulher sentimentos de inferioridade, vulnerabilidade, abandono, instabilidade emocional, medo, acuação, insegurança, dissuasão, ludibriamento, alienação, perda de integridade, dignidade e prestígio; ações impostas à mulher que violem sua intimidade ou pudor, incidindo sobre seu senso de integridade sexual e reprodutiva, podendo ter acesso ou não aos órgãos sexuais e partes íntimas do seu corpo; ações ou formas de organização que dificultem, retardem ou impeçam o acesso da mulher aos seus direitos constituídos, como impedimento do acesso aos serviços de atendimento à saúde, impedimento à amamentação, omissão ou violação dos direitos da mulher durante seu período de gestação, parto e puerpério; dentre outras.
Medidas a serem adotadas
O MPF recomenda que o superintendente da Maternidade Climério de Oliveira adote as providências necessárias a fim de evitar e coibir as práticas de violência obstétrica descritas no documento, garantindo atendimento humanizado às gestantes e parturientes atendidas, em conformidade com legislação citada; afixe cartazes elaborados pelo MPF a título de campanha educativa e de esclarecimento da população sobre violência obstétrica e direitos das gestantes; instaure imediatamente os competentes processos administrativos, sempre que tiver conhecimento de práticas de violência obstétrica no âmbito da maternidade, a fim de apurar os fatos denunciados.
O MPF recomenda, ainda, a ampla publicidade das portarias e da Recomendação junto aos profissionais médicos e enfermeiros que trabalham nas dependências da maternidade, podendo valer-se, ainda, dos textos O que nós profissionais de saúde podemos fazer para promover os direitos humanos das mulheres na gravidez e no parto (cartilha elaborada pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP) e do documento Violência Obstétrica – Parirás com dor.