Para a presidente da Associação dos Diplomatas do Brasil (ADB), Maria Celina de Azevedo Rodrigues, é “injusto” o presidente Jair Bolsonaro dizer que os embaixadores do Brasil nos Estados Unidos “não fizeram nada de bom” e a alegada proximidade do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) com a família Trump “pode ser um trunfo, pode não ser”. Ela faz uma advertência: embaixadores “devem ter certa distância, certo equilíbrio, nas relações com a sociedade como um todo, com acesso inclusive à oposição”.
Celina, hoje aposentada, foi embaixadora na Colômbia, cônsul em Paris e chefe da Missão do Brasil junto à Comunidade Europeia, em Bruxelas. Ela opina que o sucesso do filho do presidente nos EUA “vai depender da permeabilidade e da acessibilidade da família Trump no dia a dia”. E lembra: “Trump é muito ocupado…” A seguir, os principais trechos da entrevista:
O presidente Jair Bolsonaro indicou seu filho Eduardo para a embaixada em Washington alegando que ele tem acesso à família Trump. Isso é mais importante do que a alta qualificação dos diplomatas, realçada em nota pela ADB?
Depende da real acessibilidade com a família Trump na vida, no dia a dia. Uma coisa é você ser amigo, outra é você ter acesso no dia a dia, porque o presidente Trump é muito ocupado, tem muito o que fazer. Então, é muito difícil você partir do princípio de que isso aí é “o trunfo”. Pode ser, pode não ser.
Mas não é mesmo importante ter um embaixador com acesso à Casa Branca, se isso for verdade?
Eu insisto: depende da permeabilidade da família Trump. Em se confirmando, pode ser positivo, sim, mas é importante ressaltar que todo embaixador, seja de carreira ou por indicação política, deve ter certa distância, certo equilíbrio, nas relações com a sociedade como um todo. Tem de ouvir a opinião de todos, do mundo político, econômico, acadêmico, da mídia, dos meios diplomáticos de terceiros países, da sociedade civil e dos setores de oposição, para enviar relatos e análises o mais objetivos possíveis, que possam pautar as nossas ações.
E, em tese, o Trump pode não ser reeleito…
Ainda tem esse aspecto. Você não pode se comprometer demais com uma vertente só. Espero que o deputado Eduardo saiba dosar bem isso.
Na nota em que critica a escolha do deputado, a ADB…
Vou fazer uma correção. A associação não criticou a escolha, nem poderia, porque respeita o direito do presidente de indicar quem ele quiser. A nota não criticou a escolha nem entrou na discussão se é nepotismo, se é ética ou não. Não entrou na qualificação de ninguém. O que fizemos questão de ressaltar é que nós temos pessoas mais do que qualificadas para fazer isso, porque a gente carrega uma bagagem enorme que vai acumulando ao longo de anos e anos de experiência.
Então a nota foi para confrontar a qualificação de um diplomata com 35 anos de carreira com a de um deputado de 35 anos de idade que alega já ter fritado hambúrguer nos EUA?
Confrontar, não. Comparar.
Segundo o presidente, o Brasil teve muitos embaixadores nos EUA eles “não fizeram nada de bom”. A sra. concorda?
É injusto. Tenho certeza de que, se ele visse a folha corrida desses embaixadores e fizesse um levantamento do trabalho feito pelos que passaram por lá, iria ver o quanto eles contribuíram. O que ele entende por “nada de bom”? O trabalho do diplomata é quase silencioso, quieto, ele não sai gritando “eu fiz isso”, “eu fechei tal acordo!”. Você vai trabalhando aquilo ao longo de anos para frutificar dez, 15 anos depois. Tivemos muitas vitórias e fechamos muitos acordos assim, como o acordo do algodão na OMC (Organização Mundial do Comércio). Aliás, como o próprio acordo Mercosul-União Europeia, que começou com o embaixador Jorio Dauster há mais de 20 anos. A conclusão desse acordo, como de todos os acordos, é resultado de sucessivos espaços que foram sendo criados e se somando. E ninguém vai sair tomando vinho francês amanhã. Ainda falta muito o que fazer.
O ministro Onyx Lorenzoni disse em entrevista que diplomatas “prestaram desserviço” e “achincalharam o Brasil” durante a campanha eleitoral. Houve isso?
Não vi, não ouvi, não soube nada disso. Se fizeram, a crítica procede, mas o que me entristece é o fato de, ao falar em diplomatas, embora não tenha falado do Itamaraty e da carreira diplomática, o ministro deixe a impressão na opinião pública de que “os” diplomatas fizeram isso. Não é verdade. Nós agimos institucionalmente e a própria defesa do governo tem de ser feita de acordo com instruções. Achincalhar? Isso não compete a diplomatas. Você não pode usar sua posição oficial para fazer críticas ao país a que serve. Não pode acender uma vela a Deus e outra ao diabo. Fiquei profundamente entristecida de que se tenha passado essa imagem para a opinião pública.
O ministro também criticou o uso de dinheiro público para coquetéis, automóveis, uísques. É isso a vida diplomática?
Coquetéis são local de trabalho. A vida diplomática é estabelecer relações e criar vínculos com o país, não permanentes, mas de maneira que você possa entender melhor o país onde você está servindo, para melhor defender o seu próprio país. Você precisa estabelecer uma ampla rede de contatos, com os mais diversos setores, para traçar um quadro mais complexo sobre aquele país. Muitas vezes, depois de um dia de trabalho longo, difícil, você tem de fazer o social, aliás, como qualquer empresário faz, porque aquele social vai te abrir portas que serão muito importantes.
Na questão dos navios iranianos, para onde ia a posição do presidente Bolsonaro, a favor de reabastecer ou de agradar aos EUA?
Eu ainda não entrei no pensamento do presidente da República, mas a resposta para o impasse está na independência entre os Poderes, que dá uma saída honrosa para todo mundo.
Como presidente da ADB, a sra. tem recebido queixas sobre uma caça às bruxas no Itamaraty?
Sinceramente, não. Há uma queixa ou outra, mas é difícil avaliar qual o interesse da pessoa que está magoada, ofendida. Não há nada generalizado e, afinal, toda freada de arrumação precisa ser decantada.
Quem é
Nascida no Rio de Janeiro, Maria Celina Azevedo Alves ingressou na carreira diplomática em 1969. Foi Diretora Geral do Departamento Cultural, embaixadora em Bogotá (2002), chefe da Missão do Brasil junto às Comunidades Europeias (2005) e cônsul-geral do Brasil em Paris (2008).