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domingo 28 de julho de 2019 às 06:48h

Irmão de Celso Daniel planeja disputar Prefeitura de Santo André pelo PSOL

POLÍTICA


A voz pausada lembra a do irmão, assim como o tom professoral e os cabelos grisalhos. As semelhanças devem ajudar Bruno Daniel (PSOL) na campanha para a Prefeitura de Santo André, no ano que vem, em que terá como mote resgatar e aprimorar o legado de Celso Daniel, assassinado há 17 anos.

Após titubear em pleitos passados, Bruno aceitou disputar a cadeira que foi de seu irmão durante três mandatos, o último deles interrompido após ser sequestrado e morto, em janeiro de 2002.

Na época coordenador do programa de governo do então candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Celso era uma estrela ascendente no PT e certamente ocuparia um ministério importante.

Na semana retrasada, uma pesquisa feita pelo instituto regional ABC Dados deu a Bruno 19% em um dos cenários, atrás apenas do prefeito Paulo Serra (PSDB), com 28%.

“Há um legado do Celso extremamente importante que a gente segue o tempo inteiro”, diz Bruno, 66, nascido 1 ano e 8 meses após Celso.

“Esse legado se manifesta em três grandes objetivos: reduzir desigualdades, aprimorar a democracia e contribuir para o desenvolvimento econômico e socioambiental da cidade”, diz.

Fundador do PT como o irmão, Bruno deixou o partido em 2012, rumo ao PSOL. Na prática, já estava rompido com a antiga legenda desde o crime que abalou a cidade do ABC Paulista e o país.

O primeiro choque, diz ele, veio pouco após o crime. “Na semana subsequente à morte do Celso, Gilberto Carvalho chamou a mim e ao meu irmão [João Francisco] e relatou que ele próprio carregou para o José Dirceu R$ 1,2 milhão no Corsinha dele”, afirma.

Carvalho, que seria chefe de gabinete de Lula, na época já era um dos dirigentes mais influentes do partido, enquanto Dirceu presidia o PT.

O crime, acredita Bruno, se deu pelo fato de que seu irmão, embora aceitasse a prática de caixa dois eleitoral, não admitia corrupção para enriquecimento pessoal.

“O Celso era absolutamente contrário ao enriquecimento pessoal. Mas, para participar do jogo eleitoral, precisava de recursos. Tolerava esse tipo de prática, infelizmente”, afirma.

Procurado, Carvalho disse que essa conversa nunca existiu. “O que me espanta é a persistência dele em renovar uma acusação que já foi objeto de uma CPI mista [dos Bingos], onde houve acareação minha com os dois irmãos. E eu não fui sequer indiciado”, afirmou.

De acordo com Carvalho, a conversa com os irmãos foi para ajudá-los a organizar a missa de sétimo dia de Celso e dar força e consolo à família.

Bruno relata que, após começar a fazer campanha pela elucidação do crime, passou a receber ameaças anônimas de morte.

“Chegamos a ter proteção policial. Mas quando as ameaças começaram a recair sobre nossos filhos, a gente falou: não dá mais.” Com a mulher e os três filhos, exilou-se em Paris e arredores durante seis anos, entre 2006 e 2012.

Lá, tinham status de refugiados políticos, e Bruno ganhou bolsa para um pós-doutorado, além de dar aulas. Ao voltar ao Brasil, passou a lecionar economia na PUC-SP. Também é servidor de carreira da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.

Sua trajetória profissional e acadêmica é praticamente uma cópia carbono da do irmão. “Ele fez engenharia civil; eu fiz na mesma escola. Ele fez mestrado em administração pública na FGV, adivinha onde eu fiz o meu? Depois ele passou a dar aula na PUC. Adivinha onde eu fui dar aula? Aprendi um monte de coisas com o Celso. Isso não se apaga”, afirma.

Bruno não acredita na conclusão da Polícia Civil de que o assassinato de seu irmão, após o sequestro na saída de uma churrascaria em São Paulo, tenha sido crime comum. Concorda com a versão do Ministério Público, que apontou existência de crime político.

“Quem matou o Celso foi um corpo constituído por cabeça, tronco e membros”, diz ele. O cabeça, em sua analogia, foi o empresário Sérgio Gomes da Silva, conhecido como Sombra, que morreu de câncer em 2016.

O crime teria sido cometido porque Sombra, que estava no carro com Celso no momento do sequestro, seria beneficiário de um esquema de desvios em contratos da prefeitura com empresas de ônibus, que o então prefeito queria interromper.

A grande questão em aberto, diz Bruno, é estabelecer a possível participação de líderes do PT no crime. “A defesa que a gente sempre fez é de que a participação de membros do PT deve ser investigada. Enquanto essas pessoas estiverem vivas, ainda há chance de descobrir o que aconteceu”, declara.

Sem nunca ter ocupado cargo público ou disputado eleição, Bruno tem trajetória ligada a movimentos sociais, em favelas e na defesa de sindicatos. A força com que surgiu na pesquisa, acredita, se deve à ligação com o irmão e ao fato de se apresentar como “o novo” no município.

“Há um desgaste do PT, uma avaliação não muito boa da administração atual e a busca do novo. E há na memória das pessoas a luta que a gente travou para elucidar o assassinato do Celso, e que nos custou muito caro”, diz.

Impossível de evitar, admite, é o medo de sofrer algo parecido com o ocorrido ao irmão. Questionado sobre o apoio da família na decisão de entrar na política, desconversou.

“O medo existe, embora as circunstâncias agora sejam diferentes daquelas vividas pelo meu irmão. A questão é como a gente enfrenta o medo”, afirma.

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