Após muita especulação, finalmente o Facebook revelou seu plano para lançar uma moeda virtual chamada Libra.
E enquanto todas as atenções recaíram sobre a nova criptomoeda, a maioria das pessoas não percebeu um detalhe de enorme importância: a intenção de usar a Libra para revolucionar a identidade digital.
Segundo consta na parte final do documento destinado a explicar o papel da Associação Libra:
“Um objetivo adicional da associação é desenvolver e promover um padrão de identidade aberto. Acreditamos que a identidade digital descentralizada e portátil é um pré-requisito para a inclusão financeira e a concorrência”.
Imagine se fosse possível sua identidade disponível a qualquer momento, onde terceiros só pudessem acessá-la com o seu consentimento? E é aqui que as coisas começam a ficar interessantes.
O Facebook, contudo, não é o único interessado em uma nova maneira de fornecer uma identidade digital.
Grandes empresas como a IBM e a Microsoft também acreditam que todos têm o direito de possuir sua identidade digital, e vem trabalhando há algum tempo em aplicações de identidade “digital descentralizadas”. Também o governo brasileiro começou a desenvolver em dezembro do ano passado, uma solução de identidade digital chamado BlockIoT, baseada nas tecnologias blockchain e Internet da Coisas, através do CPqD.
O por que precisamos de uma identidade digital, é fácil perceber. Confiar em documentos de identidade “física e abordagens convencionais” em uma era digital não é apenas complicado e tedioso, mas também caro. Quanto mais tempo online passamos, cybercriminosos estão descobrindo novas maneiras de acessar nossos dados financeiros e informações confidenciais.
Isso sem falar nos roubos de identidade.
Mas porque precisamos de uma identidade digital “descentralizada”?
Atualmente, nossa identidade e todas as nossas interações digitais pertencem e são controladas por outras partes, terceiros validadores de confiança, que verificam e cuidam de nossas credenciais de identificação. Ora, uma identidade digital descentralizada, em teoria, fornece uma maneira de evitar a necessidade de se confiar em uma autoridade central.
Soluções baseadas em blockchain, por sua vez, são descentralizadas e não possuem um “Single Point of Failure” (ponto único de falha), o que contribui para proteger nossas informações contra ladrões de identidade e cybercriminosos.
Outro ponto interessante diz respeito à simplificação da verificação de identidade. Ou seja, ao invés de confiar em um terceiro para fornecer nossas credenciais a outros sites, poderíamos nós mesmos adquiri-las e controlá-las. Esse conceito, conhecido por identidade auto-soberana, é tido como o Santo Graal na Economia da Web, de modo que desenvolvedores vêm perseguindo isso há anos.
E o grande interesse por este assunto não é à toa, já que mais de um bilhão de pessoas no mundo não possuem nenhum tipo de identidade, o que impede acesso a serviços financeiros como contas bancárias e empréstimos.
Ademais, imagine que você se mude para um novo país e por conta disso precis se registrar para todos os tipos de serviços: votação, carteira de motorista, serviços bancários, eletricidade e entretenimento. Você terá de se registrar individualmente em cada provedor de serviços e provar sua identidade para abrir uma conta. E toda vez que você quiser acessar essa conta, precisará provar sua identidade novamente, seja por senha ou por outras credenciais.
Ora, uma identidade descentralizada simplifica radicalmente esse processo. E soluções blockchain podem permitir o armazenamento e a verificação da prova de identificadores de identidade (e seus atributos de perfil) de uma maneira descentralizada e razoavelmente segura.
Daí porque, a equipe da Microsoft vem trabalhando já há um ano em uma assinatura e validação de software chave que se baseia em redes públicas distribuídas, como o blockchain Bitcoin ou Ethereum. Ora, se essa iniciativa chegar à frente nesta corrida pelo gerenciamento de identidade digital, poderá afetar toda a indústria de tecnologia, eis que muitas estruturas corporativas usam seus produtos.
De todo modo, ainda não é possível comparar a ferramenta de identidade recém-lançada pelo Facebook com a desenvolvida pela Microsoft.
É difícil dizer o quão descentralizado será o novo sistema de identidade da Libra, ou como os dados de identificação pessoal serão mantidos separados das transações financeiras, já que os detalhes ainda não foram revelados em detalhes pelo Facebook.
Ainda, considerando o histórico de coleta de dados de usuários, bem como sua visível ausência nos debates sobre identidade digital promovidos por toda a indústria de tecnologia, parece improvável que o Facebook se alinhe com a abordagem da Microsoft para identidade digital descentralizada.
O que parece certo, no entanto, é que o desenvolvimento de uma identidade descentralizada, apesar do avanço comprovado pelos vários testes-piloto já realizados, levará alguns anos até possibilitar a adoção de bilhões de pessoas em todo o mundo.
*Tatiana Revoredo, fundadora da Oxford Blockchain Foundation e especialista em blockchain pela Universidade de Oxford e pelo MIT