A reforma da Previdência, o pacote anticrime e a defesa da Lava Jato são o tripé das manifestações convocadas Brasil afora no dia 30 de maio, mas o desagravo ao ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro deve ser o combustível deste domingo, impulsionando apoiadores do ex-juiz da Lava Jato.
“As pessoas estão engajadas. Quando você vê ataques a uma pessoa que representa um ganho real no combate à corrupção, como o Moro, isso nos deixa indignados, e mobiliza mais”, diz Adelaide Oliveira, líder e porta-voz do movimento Vem Pra Rua – que calcula a adesão de 185 cidades e convites feitos a mais de 300 mil pessoas no país.
“Não sei se as manifestações vão ser maiores ou menores que as do mês passado, mas os ataques a Moro jogaram mais pimenta no tempero”, resume Oliveira.
Os atos convocados por movimentos de rua no domingo são os primeiros realizados depois do vazamento de supostas conversas entre o então-juiz Sergio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da Força-Tarefa da Lava Jato em Curitiba. As supostas conversas foram reveladas em uma série de reportagens publicadas pelo portal The Intercept Brasil e cunhada de “Vaza Jato”, e depois por outros veículos.
Se o teor das conversas gerou questionamentos sobre a conduta do juiz e sua isenção ao julgar os casos da Lava Jato na 1ª Instância da Justiça em Curitiba, para lideranças dos grupos, a imagem heroica de Moro continua intacta, e os vazamentos são vistos como uma estratégia deliberada de atacar a Lava Jato, com material obtido, a seu ver, de forma criminosa.
As manifestações de domingo indicarão se o apoio a Moro nas ruas foi estremecido ou se permanece forte entre os movimentos que cresceram junto com a Lava Jato, impulsionados por protestos contra a corrupção.
“Não acho que houve esse estremecimento (do apoio ao ex-juiz)”, diz o cientista político Carlos Pereira, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (Ebape/FGV). Na lógica da polarização, em que as pessoas tendem a reforçar suas percepções iniciais, ele acredita que Moro pode sair até fortalecido entre grupos que desde o primeiro momento o veem como “ator fundamental” no processo de combate à corrupção, e agora se sentem chamados a defendê-lo e a proteger os efeitos da Lava Jato.
Para o analista Lucas de Aragão, da consultoria política Arko Advice, Moro pode ter perdido apoio junto a uma opinião pública mais qualificada. Mas os vazamentos não mudaram a visão do “brasileiro médio” apoiador da Lava Jato, que se sente “anestesiado” por denúncias de corrupção envolvendo cifras milionárias.
“O apoio que o Moro tem na sociedade é emocional. Não é baseado em garantismo (de maior proteção aos direitos dos réus) ou em perfeição constitucional. É ‘apoio ao juiz que colocou bandido da cadeia'”, diz Aragão.
Para ele, não seria de surpreender se as manifestações de domingo contassem com adesão ainda maior que as de 26 de maio.
Na ocasião, houve atos em apoio ao governo de Jair Bolsonaro em quase 160 cidades – uma resposta a protestos contra cortes na educação, realizados em mais de 200 cidades.
“O Moro foi colocado em uma situação de desconforto nos últimos dias por conta de vazamentos a conta-gotas, com ampla cobertura da imprensa, com sua ida ao Congresso. A sociedade pró-Bolsonaro agora pode dar uma resposta”, considera Aragão.
Racha desfeito
As manifestações de domingo foram convocadas pelo Movimento Brasil Livre (MBL), Vem Pra Rua (VPR) e Nas Ruas, grupos que cresceram e se tornaram conhecidos nos protestos pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Os dois primeiros não haviam aderido ao movimento no mês passado, alegando que a pauta de apoio ao presidente Jair Bolsonaro era excessivamente personalista. Os atos de maio foram marcados por esse racha entre os movimentos de direita – agora alinhados novamente.
“Eles (o MBL e o VPR) caíram na real de que o Brasil não precisa do aval deles para ir para a rua”, provoca Ana Claudia Graf, uma das coordenadoras do Ativistas Independentes, um dos grupos menos conhecidos que assumiu o protagonismo dos atos em maio. “O povo quando está indignado sabe o caminho para defender o que quer.”
Enquanto os grupos organizadores faziam convocações para o ato nas redes sociais, desdobramentos políticos ao longo da última semana ajudaram a colocar mais lenha na fogueira para os que se imbuem da missão de defender a Lava Jato e Sergio Moro.
Na terça-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) levou a julgamento dois pedidos de habeas corpus para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acabaram sendo negados. Um deles, que pedia suspeição contra Sergio Moro com base no argumento da defesa de que não fora imparcial e agira politicamente no julgamento de Lula, teve a análise do mérito adiada para depois do recesso da corte, em agosto.
O resultado foi acompanhado com forte expectativa tanto por movimentos de esquerda – adeptos da campanha #LulaLivre – quanto pelos muitos movimentos de rua envolvidos nas manifestações de domingo.
“O HC do Lula deu mais Ibobe que a Copa América”, compara Adelaide Oliveira, do VPR.
No mesmo dia, o jornalista Glenn Greenwald, cofundador do site The Intercept Brasil, participou de uma audiência na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados a convite de deputados da comissão, e falou sobre o processo de publicação das reportagens com base nas conversas entre Sergio Moro e procuradores da Lava Jato.
“O fator Moro só intensificou nossa vontade de voltar para a rua”, diz Ana Claudia Graf, do Ativistas Independentes – que realizou um buzinaço em São Paulo enquanto a segunda turma do STF votava o HC de Lula na terça-feira.
Como outras lideranças dos protestos, ela considera que um hacker foi contratado para invadir a privacidade do celular do ministro, e que o material que está sendo divulgado não teve sua autenticidade confirmada por nenhuma perícia.
Apesar de o Intercept Brasil não ter revelado qualquer informação sobre a fonte das mensagens vazadas, nem ter dito tratar-se de um hacker, ela volta suas armas para o jornalista Glenn Greenwald, que considera “um inimigo da nação”. “Vai ter uma surpresinha para ele na Avenida Paulista”, diz.
Graf resume as pautas defendidas pelo grupo. Em primeiro lugar, a reforma da Previdência, mas não qualquer uma: “Queremos a do Paulo Guedes. A de R$ 1 trilhão”, diz, referindo-se ao valor que o ministro da Economia promete economizar aos cofres públicos em 10 anos. Em segundo, o pacote anticrime apresentado no Congresso pelo juiz Sergio Moro, “para colocar o resto desses canalhas na cadeia”. Em terceiro, o apoio à Lava Jato.
As três pautas são o denominador comum dos movimentos que participam dos protestos. Mas, para além delas, há uma miríade de reivindicações que serão levadas às ruas, com diferenças de um movimento para outro.
O Ativistas Independentes, por exemplo, vai defender que “cidadãos de bem” tenham acesso armas de fogo para exercitar o “direito à legítima defesa”. E mais uma vez fará ataques ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-RJ). Os ataques aos líderes do Congresso “que querem destruir o Brasil” também estão na pauta do movimento Patriotas Lobos Brasil.
Ferramenta de pressão
Às vésperas das manifestações, pesquisa Ibope encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostrou piora nos índices de aprovação de Jair Bolsonaro. Os números indicam que a população se divide em três partes iguais na aprovação ou rejeição do presidente: 32% o consideram ótimo ou bom, 32% regular, 32% ruim ou péssimo.
Para a cientista política Lara Mesquita, pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público (FGV- CEPESP), as manifestações de domingo serão um termômetro importante não apenas para medir a força de Moro, mas para acompanhar a capacidade do governo de sustentar sua base de apoio nas ruas.
“Se governo conseguir a mesma densidade de cidades e de número de pessoas nas manifestações, será uma vitória em termos da capacidade de manter a população mobilizada”, considera Mesquita. “Essa é uma das ferramentas que o governo aparentemente está tentando usar para pressionar o Congresso”, afirma.
Para ela, não se deve considerar que esses atos sejam independentes do governo, já que são organizados por movimentos políticos que atuam em consonância com o governo, e contam com atores ligados ao Executivo direta ou indiretamente impulsionando-os.
Moro juiz, Moro político
Após o vazamento das conversas atribuídas a Sergio Moro, o atual ministro e ex-juiz da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, encarregado de julgar os casos apurados pela Lava Jato, foi voluntariamente ao Senado responder a perguntas sobre as mensagens, que teriam sido trocadas por meio do aplicativo Telegram entre ele e procuradores da Lava Jato.
Na ocasião, Moro disse e repetiu várias vezes que não cometeu irregularidades, e fez uma defesa veemente da Lava Jato. Também fez duras críticas ao Intercept pela divulgação das supostas conversas.
Para Carlos Pereira, os vazamentos obrigaram o ex-juiz Moro a assumir um papel claramente político, algo que vinha fazendo “de forma tímida” desde que deixou a magistratura para assumir o ministério a convite de Bolsonaro.
Não foi por acaso que, dias depois dos vazamentos, Moro apareceu em um jogo do Flamengo ao lado de Bolsonaro, diz o professor da Ebape/FGV.
“Acho que essas revelações o obrigaram a sair da condição de juiz e assumir sua posição política. Ele agora é um político”, diz Pereira, citando a criação de uma conta no Twitter, dois meses antes, como parte desse movimento.
“Ele viu a necessidade de estabelecer conexões diretas com a sociedade, não apenas de forma institucional, mas também na comunicação direta, como faz Bolsonaro. Isso mostra uma mudança clara de postura e de atitudes em relação ao mundo político”, considera Pereira.
“Essas manifestações representam a conexão que ele ainda tem com esses movimentos, que desde o primeiro momento deram apoio incondicional à Lava Jato e a iniciativas de combate a corrupção. Como ministro, ele vai precisar desse apoio político para conseguir enfrentar os desdobramentos das investigações. E os setores que o apoiam estão demonstrando essa vontade explícita.”
A depender da repercussão de novos vazamentos, o impacto pode trazer complicações para a trajetória de Moro no longo prazo – e para os planos já confirmados por Bolsonaro de indicá-lo a uma vaga no STF. Mas isso depende de suas ambições para o futuro, considera a cientista política Lara Mesquita.
“Uma coisa é ele querer ser ministro do Supremo. Outra é querer se candidatar, digamos, a governador. Se tiver interesse em seguir uma carreira política, talvez até tenha uma repercussão boa. E as manifestações vão ser importantes para demonstrar sua popularidade”, diz a pesquisadora.