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quarta-feira 19 de março de 2025 às 10:03h

Felicidade vem após 60? Por que idosos são mais felizes do que jovens no Brasil e no mundo, segundo pesquisa

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Felicidade chega ao maior patamar na terceira idade, aponta estudo da Ipsos

Se você ainda não chegou aos 60 anos, uma nova pesquisa que mede o nível de felicidade das pessoas traz duas notícias, uma ruim e uma boa.

A ruim é que há uma estrada de mais insatisfação na sua frente. Mas a boa é que, uma vez nos 60 anos, seu nível de felicidade pode chegar a um patamar que você não vivenciou antes.

A pesquisa inédita Ipsos Happiness Index 2025, que entrevistou quase 24 mil pessoas com até 75 anos em 30 países, aponta os 60 anos como a idade mais provável de se ter uma virada no nível de satisfação com a vida.

Os resultados corroboram com a chamada “curva em U” que costuma aparecer em índices que medem a felicidade da população no mundo. Isso é: começamos a vida adulta mais felizes, ficamos mais insatisfeitos à medida que envelhecemos, mas voltamos a ser mais felizes ao nos tornarmos idosos.

“Você chega aos 60 hoje em dia muito diferente do que você chegava 30 anos atrás”, diz o estatístico Rafael Lindemeyer, diretor de clientes na Ipsos.

“Sua capacidade de levantar da cadeira, de viver a vida aos 60 anos é muito maior do que era. Com isso, você tem ainda uma plenitude para poder viver bem por muito tempo bem.”

A pesquisa mundial considerou, no Brasil e em outros países com nível de renda semelhante, apenas pessoas a partir da classe média. Ou seja, entre os brasileiros, apenas pessoas a partir da classe C, com renda familiar de R$ 3,4 mil ou mais.

As classes A, B e C hoje representam mais da metade (50,1%) da população do Brasil, segundo uma pesquisa recente da Tendências Consultoria.

Como mostra a própria pesquisa Ipsos, a falta de dinheiro é o principal motivo que contribui para a infelicidade das pessoas.

Isso quer dizer, segundo especialistas com quem a BBC News Brasil conversou, que, caso as pessoas mais pobres fossem incluídas, provavelmente os índices de felicidade seriam menores em todas as faixas.

“Para quem não tem as necessidades básicas atendidas, é muito mais difícil falar de felicidade”, avalia a palestrante e consultora Renata Rivetti, que se especializou nos últimos anos em estudos da felicidade.

“A gente tem que falar como incluir uma camada da sociedade que está sendo excluída de algo que deveria ser um direito básico, que é a felicidade.”

No ranking global da Ipsos, os países em que mais pessoas entrevistadas se disseram felizes são: Índia, Países Baixos (Holanda), México, Indonésia e Brasil.

Já os mais infelizes estão na Hungria, Turquia, Coreia do Sul, Japão e Alemanha.

Mas, diante do grupo pesquisado e das pesquisas que já se debruçaram sobre o tema, o que explica essa felicidade “tardia” na vida?

A felicidade depois dos 60

Nos corredores e no palco da Cúpula Mundial da Felicidade (Wohasu), encontro de especialista no assunto que aconteceu neste mês de março, em Miami, nos EUA, os palestrantes insistiram que a felicidade está principalmente relacionada a uma “vida com sentido”, relata Renata Rivetti, após participar do evento.

E esse sentido é mais encontrado em sua plenitude após superada a chamada “crise da meia-idade”, após os 40 anos, diz a especialista.

“É um momento em que a gente conquista muitos sonhos, coisas materiais e, mesmo assim, seguimos na busca, não nos sentimos felizes”, conta Rivetti.

“Quando a gente chega numa maturidade, a gente começa a encontrar o que de fato faz a gente feliz, começa a ter clareza do que a gente é, não quer mais impressionar tanto os outros e cria mais senso de pertencimento e de conexão.”

Na resposta à pergunta “você diz que está: muito feliz, feliz, não muito feliz ou nada feliz?” feita pela Ipsos, 75% dos maiores de 60 responderam que está muito feliz ou feliz, sete pontos percentuais a mais do que as pessoas na faixa dos 50 e três pontos a mais do que os na casa dos 20.

Estudos no Reino Unido com mais de 300 mil pessoas também já apontaram que o grupo acima dos 65 é o mais feliz. Há um declínio nessa satisfação, porém, após os 80.

Entre os “felizes”, os principais motivos para esse estado de humor (e para os bons resultados dos 60+), segundo a Ipsos, foram o “meu relacionamento com a família”, “sentir-se amado” e “estar em controle da própria vida”. Entre os “infelizes”, contam mais, além da situação financeira, a saúde mental e física.

Nessa equação, o economista Daniel Duque, pesquisador no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre) explica que a pressão do mercado de trabalho sobre os maiores de 60 anos costuma diminuir, o que abre espaço para os outros fatores que levam à felicidade.

“Quando você entra na terceira idade e está no fim da fase laboral, o trabalho passa a não ter uma centralidade tão grande na vida”, diz Duque, que pesquisa a área de mercado de trabalho.

Na idade adulta, entretanto, a pressão econômica para “subir na vida” e pagar as contas faz o emprego e suas instabilidades serem muito mais central, levando a uma perda de bem-estar.

Na visão de Rafael Lindemeyer, do Ipsos, essa menor “pressão econômica” sobre os idosos não quer dizer que eles vivem confortavelmente, financeiramente falando. Mas é um fator que tem menos importância.

“A pessoa com mais de 60 anos têm um combo de variáveis de felicidade muito maior. Isso é: apesar de ter uma situação financeira que sempre é uma dificuldade, há outros componentes que têm a ver com os seus relacionamentos”, explica Lindemeyer.

“Além da minha própria felicidade, o que está em torno de mim faz com que eu me sinta feliz. Quando tenho 30 anos, minha felicidade é mais individual do que uma felicidade aos 60 anos.”

Segundo a pesquisa Ipsos, o momento de mais infelicidade é logo após os 50 anos.

Para Lindemeyer, isso indica que essa idade tem sido um momento para se “redescobrir” até atingir o autoconhecimento após os 60.

Aos 50, diz o estatístico, muitas pessoas estão passando por um momento na vida em que levaram uma “porrada”, em que você percebe que não se tornará um bilionário ou presidente da República e em que as relações se estremecem.

No caso do Brasil, por exemplo, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o casamento no país dura hoje em média 13,8 anos. Os homens se divorciam, em média, com 44 anos, e as mulheres, com 41.

Ou seja, aos 60, as relações estão voltando a ficar mais sólidas, e as expectativas sobre o futuro são mais claras.

No Brasil, também há um crescimento significativo dos chamados “casamentos grisalhos” — as uniões celebradas já na terceira idade.

“Essas pessoas provavelmente adquiriram mais autoconhecimento, começaram a focar mais em construir melhores relações, a dedicar menos tempo ao trabalho para conquistar a vida material e a equilibrar melhor a vida, buscando mais qualidade e tempo para seus hobbies”, diz Renata Rivetti, que é pós-graduada em psicologia positiva, área que estuda o que torna a vida das pessoas mais satisfatória.

No entanto, a pesquisa Ipsos mostra ainda que homens e mulheres seguem trajetórias um pouco diferentes até esse ponto.

A felicidade das mulheres permanece mais estável entre os 18 e 59 anos. Já os homens experimentam um período de maior alegria na casa dos 20 anos, mas essa felicidade diminui na meia-idade, até alcançar o mesmo nível de felicidade que as mulheres mais tarde na vida.

Por que jovens estão mais infelizes?

Dados recentes do instituto de pesquisas Gallup, que publica um relatório de felicidade com 143 países, apontaram em 2024 um aumento na diferença entre a satisfação com a vida entre os mais jovens e o mais velhos em grande parte dos países, incluindo o Brasil e os EUA.

O relatório chega a apontar que pessoas com menos de 30 anos estão passando pelo equivalente a uma “crise de meia-idade”, especialmente no mundo Ocidental.

Para Daniel Duque, do FGV Ibre, problemas sociais e econômicos nos países podem estar por trás do pessimismo na juventude.

“O mercado de trabalho tem se tornado mais difícil aos entrantes, porque eles não estão só competindo entre eles, mas até com os idosos que têm prolongado a vida laboral”, diz

Renata Rivetti atribui a insatisfação a uma não descoberta de outras variáveis que contribuem para a felicidade, além dos prazeres momentâneos e individuais.

“A juventude tem focado muito numa busca rápida de dopamina. Então, a gente quer alegria instantânea, a gente quer satisfazer os nossos prazeres”, diz a especialista.

“A gente busca muito a vida através do celular e das redes sociais e vive uma crise mesmo da solidão e de propósito.”

Nos EUA, por exemplo, um relatório sobre a “epidemia de solidão” mostrou que o tempo que os jovens passam com os amigos foi reduzido em 70% nas últimas duas décadas.

Famílias menores vão ter efeito na felicidade?

Se o principal motivo para a felicidade, segundo a pesquisa Ipsos, é o “meu relacionamento com a família”, o que esperar de um futuro com núcleos familiares cada vez menores?

A taxa de natalidade no Brasil vem diminuindo ao longo dos anos, de acordo com o IBGE. Entre 2000 e 2023, seguindo uma tendência mundial, a taxa caiu de 2,32 para 1,57 filho por mulher.

O Brasil também tem visto aumentar a proporção de lares com apenas uma pessoa: em dez anos, saiu de 12,2% para 15,9%, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad),

“Com certeza daqui a 20 anos a gente vai ter uma nova leitura sobre essa felicidade. Porque a vida solitária traz um desafio muito grande que é a socialização, um dos grandes elementos para trazer felicidade”, diz Rafael Lindemeyer, diretor no Ipsos.

“Vai ter que encontrar alguma válvula que seja diferente [de depender de um relacionamento familiar para ser feliz].”

Rivetti acredita que os formatos do que chamamos de “família” podem ser redesenhados: “Acho que a gente vai ter mais amigos, talvez viver mais em comunidade. A crise das relações que a gente vai ver daqui para o futuro não é sobre o padrão de família tradicional, mas é sobre a gente substituir as relações humanas por relações virtuais”.

De fato, pesquisas sugerem consistentemente que as amizades são tão importantes quanto os laços familiares para prever o bem-estar na idade adulta e na velhice.

Em entrevista à BBC, o médico psiquiatra Robert Waldinger, autor do maior estudo já feito sobre felicidade, em Harvard, declarou que não há surpresa na conclusão que “pessoas em relacionamentos mais calorosos são mais felizes”.

“Solidão e isolamento são estressantes. Se algo incômodo, estressante, aconteceu, posso ir para casa e conversar com minha esposa ou ligar para um amigo. Se eles forem bons ouvintes, posso sentir meu nível de estresse diminuir. Mas se não tenho ninguém assim, se estou isolado e sozinho, acreditamos que o corpo permanece em um grau latente de “reação de luta ou fuga”, disse Waldinger à BBC.

“A mensagem é que vale a pena continuar trabalhando nisso porque a qualquer momento da vida você pode criar novas e boas conexões.”

Rivetti diz que, a partir de agora, deveria ser dada mais atenção à “saúde social”: “A gente cuidou da saúde física, começou a falar de saúde mental, mas, se a gente não falar de saúde social, a gente não vai ter nem saúde mental”.

Falta de dinheiro traz infelicidade, mas ter não traz felicidade

Segundo a pesquisa Ipsos, quando se trata do que nos faz infelizes, há um amplo consenso: nossa situação financeira. Não importa a idade, o local; se você está infeliz, é provável que suas finanças pessoais estejam por trás disso.

Isso tem a ver com a famosa hierarquia de necessidades de Maslow, proposta pelo psicólogo americano Abraham H. Maslow, que se baseia na ideia de uma divisão hierárquica em que as necessidades consideradas de nível mais baixo devem ser satisfeitas antes das necessidades de nível mais alto.

No andar mais baixo dessa pirâmide, estão as necessidades fisiológicas, como manter-se vivo, comer, descansar, beber, dormir.

“Não ter dinheiro me faz não ter necessidades básicas atendidas. É muito difícil falar sobre realização, sobre sentido, sobre relações”, diz Rivetti.

Mas ter o dinheiro não me garante subir na pirâmide também.

“Eu tenho as necessidades básicas atendidas, mas de repente eu não tenho boas relações, não trabalho a minha autoestima, o senso de comunidade e pertencimento”, completa Rivetti.

De acordo com pesquisas, ter mais dinheiro faz menos diferença em termos de felicidade na medida em que as pessoas ficam mais ricas.

A relação entre renda maior e mais felicidade é “logarítmica”, explicou à BBC Jean-Emmanuel De Neve, professor de Economia e Ciências Comportamentais da Universidade de Oxford.

Por exemplo, se o seu salário de repente dobrar de R$ 8 mil para R$ 16 mil, você ficará bem feliz.

Mas se você quiser ter o mesmo grau de aumento de felicidade e bem-estar novamente, outro aumento de R$ 8 mil não será suficiente. Você vai ficar mais feliz, mas não tanto.

Isso pode justificar, em parte, por que países como o Brasil, onde as pessoas têm mais problemas financeiros do que em nações desenvolvidas, aparecem na frente de rankings do tipo?

Essa é uma pergunta que Rafael Lindemeyer precisa responder sempre a clientes da Ipsos, em diversos tipos de pesquisas.

Ele costuma responder que, de maneira geral, isso tem a ver com a cultura na América Latina, onde as pessoas costumam ter mais leveza, valorizar as relações pessoais e as “pequenas” alegrias compartilhadas.

“Os países mais otimistas estão aqui”, diz.

Em entrevista ao canal BBC News, o espanhol Alejandro Cencerrado, analista do Instituto da Felicidade de Copenhague, na Dinamarca, explicou que os latino-americanos estão fora do que é estatisticamente normal, considerando a riqueza dos seus países.

“Provavelmente, muitas pessoas tendem a exagerar como a sua vida vai bem. Os latino-americanos têm uma capacidade de se relacionar que não existe em outras partes do mundo. É algo muito, muito próprio”, disse.

Em uma das perguntas feitas pela pesquisa Ipsos, os entrevistados precisavam responder: “Eu espero que minha qualidade de vida esteja muito melhor em cinco anos?”.

Os mais pessimistas com o futuro, segundo o Ipsos, foram os japoneses, os franceses e os belgas.

Já os mais otimistas estão na Colômbia, Índia e Argentina, seguidos por todos os países latinos pesquisados: México, Peru, Chile e Brasil.

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