O PSOL é um partido rachado. Segundo reportagem de Felipe Pereira, do portal Uol, a discussão sobre apoio incondicional ou não ao governo do presidente Lula da Silva (PT) abriu um balaio que armazenava anos de mágoas e ressentimentos.
O que aconteceu
Os deputados se referem aos colegas de bancada por xingamentos. Em entrevistas ao UOL, usaram termos como “mentiroso”, “imaturo” e “palhaço”.
Brigas não são novidade no PSOL —a convenção de 2009 terminou em cadeirada. A diferença é que agora envolve os parlamentares e está se tornando pública, em gestos políticos e em matérias na imprensa.
Quem xinga fala no anonimato —e esses são maioria. Aqueles que se identificam mantêm os bons modos, mas admitem que a bancada de deputados está expondo o partido de forma negativa.
A divergência ganhou força com a entrada de Guilherme Boulos no partido, em 2018. Hoje, o PSOL se divide em duas alas: o grupo mais poderoso possui oito deputados e tem Boulos à frente; o grupo minoritário reúne cinco parlamentares. Antes disso, a maioria parlamentar era de não alinhados a Lula.
A ala majoritária defende apoio ao governo Lula. Seus integrantes reconhecem contradições e defeitos, mas consideram o petista como única alternativa para combater a ascensão de Jair Bolsonaro (PL) e da extrema direita.
O grupo acusa a ala minoritária de ter “atitude de DCE [Diretório Central dos Estudantes]”: fica discutindo teses da esquerda com convertidos em vez de enfrentar o inimigo real.
A minoria acredita que a adesão do PSOL a Lula extrapolou o aceitável. O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) disse que a maioria normalizou a decisão de apoiar posturas liberais.
Em vez de ser decisão pontual, o PSOL se abstém de suas lutas porque está engolido pelo abraço da esquerda com a direita liberal.
Glauber Braga, deputado federal pelo RJ
Ala majoritária
- Célia Xakriabá (MG);
- Erika Hilton (SP);
- Guilherme Boulos (SP);
- Ivan Valente (SP);
- Luciene Cavalcante (SP);
- Pastor Henrique Vieira (RJ);
- Talíria Petrone (RJ);
- Tarcísio Motta (RJ).
Ala minoritária
- Chico Alencar (RJ);
- Fernanda Melchionna (RS);
- Glauber Braga (RJ);
- Luiza Erundina (SP);
- Sâmia Bomfim (SP).
Boulos é alvo
A discussão sobre a relação com Lula descambou em críticas a Boulos. Nome mais expressivo do PSOL, ele é acusado de egoísmo pela ala minoritária. O deputado estaria pressionando o partido a abandonar seus princípios socialistas para crescer na política.
Boulos não se manifestou sobre o assunto. Aliados do deputado refutam as acusações. Acrescentam que a ala minoritária não aceita que sua posição política foi derrotada na convenção do partido.
O apoio a Lula levou a discussões acaloradas nas reuniões da bancada. O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), integrante da ala minoritária, foi descrito como pessoa que perde o controle, grita e dá socos na mesa.
Glauber e seus companheiros foram chamados de “crianças mimadas e birrentas”. A ala minoritária é acusada de procurar a imprensa para expor o partido em vez de aceitar que suas posições carecem de apoio na sigla.
Já Glauber e outros colegas criticam o sufocamento da ala minoritária do PSOL. Apontam que a liderança na Câmara é sempre da ala majoritária e reclamam da aproximação desse grupo com o PT, do afastamento de princípios socialistas, da falta de críticas ao governo Lula e da possibilidade de apoiar medidas de austeridade fiscal.
Defesa da austeridade
A crítica mais dura a Boulos é de que teria defendido voto no arcabouço fiscal de Fernando Haddad. A medida de austeridade vai na contramão do documento de fundação do PSOL.
A afirmação foi feita no anonimato e negada por outros deputados. Mas haveria um fundo de razão. Fernanda Melchionna, membro da ala minoritária, disse que uma pessoa da Executiva Nacional do partido mencionou a possibilidade.
Ela interpreta a sugestão como forma de medir a temperatura da bancada. A avaliação é que, havendo apoio, a proposta poderia ser levada adiante.
Outra reclamação recorrente é de somente a ala majoritária indicar líderes de bancada. Os três anos da atual legislatura têm liderança deste grupo. A perspectiva é de a situação se manter no ano que vem.
Clima esquentou após derrota nas eleições municipais. O PSOL perdeu as cinco prefeituras que tinha conquistado em 2020 —incluindo Belém. No Legislativo, o partido tem 13 deputados federais e nenhum senador.
Pressão por federação
Ala minoritária também reclama de movimentos para forçar uma federação com o PT. A interpretação é de que Boulos tem planos para sair candidato com o apoio de Lula. Seria uma repetição do que aconteceu na eleição para prefeito de São Paulo no ano passado.
A proposta de reformar o programa do partido faria parte deste projeto. A ala minoritária acredita que a ala majoritária quer um programa com viés de centro que torne o PSOL mais “palatável” para ser absorvido.
Descontente, Glauber Braga abriu um calendário para discutir desfiliação. A tendência é de nenhum outro parlamentar apoiar a proposta. Fernanda Melchionna garantiu que fica.
A ala majoritária nega que queira uma federação com o PT. Os argumentos misturam juras de compromisso com o PSOL e xingamentos a membros do grupo minoritário, chamados de espalhadores de fake news.
O grupo da maioria diz que o programa do PSOL está obsoleto. Ressalta que ele foi criado antes de existir Facebook, uberização da mão de obra e quando Bolsonaro era irrelevante.
Boulos não pareceu colocar sua pessoa à frente do partido e nem quer federação com PT. É uma ilação maldosa.
Ivan Valente, deputado por São Paulo
Presidente do PSOL silencia
Enquanto deputados se engalfinham, a presidente do PSOL se cala. Procurada, Paula Coradi preferiu não se manifestar. Sua assessoria justificou que é um assunto interno da bancada de deputados.
A líder do PSOL na Câmara lamenta a situação e declarou que trabalha para unir os parlamentares. Talíria Petrone argumentou que o partido é plural e as discussões são parte de seus processos.
Ela defende que os embates fazem parte do crescimento do partido. Para a deputada, a legenda está apta a oferecer um projeto de país com soluções para a economia, o mercado de trabalho, a educação etc.
Problemas do passado
A troca de ‘tiros’ de hoje é resultado de uma disputa que começou há bastante tempo. A ala minoritária definiu os rumos do partido até 2009 – o PSOL foi fundado em 2004.
Aliados do grupo majoritário lembram que houve cadeirada em seus integrantes em 2009. O motivo foi a vitória na convenção daquele ano e os novos rumos que o partido adotaria com a troca de mãos na direção nacional.
Ressentimentos de 16 anos estão vindo à tona agora. Hoje, tudo vira motivo para colegas de partidos convertidos em adversários se alfinetarem. Nem projetos caros ao trabalhador unem o PSOL.
Glauber Braga, Sâmia Bomfim e Fernanda Melchionna —todos da ala minoritária— faltaram à coletiva do projeto do fim da escala 6×1. Colegas de partido dizem que a ausência do trio foi coincidência. Outros enxergam outro motivo. O evento de semana passada deu visibilidade a Erika Hilton, expoente da ala majoritária.
Os deputados reconhecem que filiados ativos na militância já percebem a briga interna. A expectativa é que, mantida a prática de lavar roupa suja em público, em breve o eleitor que só dá like em posts de rede social saberá que os parlamentares do PSOL não se bicam.