Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) acata pedido do líder Abdullah Öcalan, anuncia deposição das armas e fim das hostilidades. Proposta pode ter implicações na Síria, Iraque e em todo o Oriente Médio. O Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) anunciou neste sábado (1º) um cessar-fogo com a Turquia, dois dias após seu líder Abdullah Öcalan, preso há mais de 20 anos, ter pedido aos membros do movimento que depusessem as armas e dissolvessem a organização.
O cessar-fogo, válido em caráter imediato, estipula que as forças do PKK devem se abster de ações armadas, a menos que sejam alvos de ataques, informou o portal de notícias ANF, próximo ao grupo.
Segundo a agência, o comitê executivo do PKK declarou a aceitação do apelo de Öcalan pela “paz e por uma sociedade democrática”. “Concordamos com o conteúdo do apelo como ele é e dizemos que o seguiremos e implementaremos”, disse o comitê sediado no norte do Iraque. “Nenhuma de nossas forças tomará ação armada a menos que seja atacada.”
O grupo fez a ressalva de que, para que o acordo seja implementado com sucesso, Öcalan deve ser capaz de “viver e trabalhar em condições livres”. O PKK disse que está preparado para convocar seus membros para um congresso, conforme a solicitação anterior de Öcalan, mas insistiu que ele deve liderar pessoalmente a reunião.
Até o momento, não houve nenhuma reação das autoridades turcas. Nesta sexta-feira, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, disse que o apelo do líder do PKK para que o grupo se desarme e se dissolva marca o início de uma “nova fase”. Agora há uma “oportunidade para um passo histórico”, afirmou.
A última vez que um cessar-fogo foi declarado foi em 2013, mas o processo de paz fracassou no verão de 2015.
O PKK, fundado por Öcalan em 1978, tem liderado um movimento de insurgência na Turquia desde 1984, quando a organização iniciou sua luta por um estado curdo ou uma região autônoma no sudeste da Turquia.
O apelo de Öcalan é considerado uma vitória do governo de Erdogan, que tem interesse político nas negociações. No entanto, o sucesso dessa iniciativa dependerá da resposta da liderança do PKK e das medidas adotadas por Ancara.
Atualmente, o presidente turco não possui maioria no Parlamento para aprovar uma emenda constitucional que lhe permita concorrer a um quarto mandato presidencial em 2028. Um possível acordo de paz com os curdos poderia fortalecer suas alianças e ajudá-lo a consolidar seu poder.
Histórico de atentados
A atuação do PKK é marcada por uma série de ataques, principalmente atentados com carros-bomba e tiroteios dirigidos a alvos militares e de segurança turcos. O conflito resultou na morte de mais de 40 mil pessoas, incluindo rebeldes, militares e civis.
O PKK, que mistura ideais marxistas e nacionalistas, é considerado um grupo terrorista pela Turquia, Estados Unidos e União Europeia, e tem ramificações também nas comunidades curdas na Síria, Iraque e Irã.
Öcalan, que tem 75 anos, está preso numa ilha perto de Istambul desde 1999, em isolamento quase total. Seu comunicado desta quinta marca a primeira tentativa em mais de uma década de retomar negociações de paz entre o grupo e Ancara. O último cessar-fogo aconteceu em 2013, mas fracassou em 2015.
Negociações
A iniciativa de paz partiu inicialmente do partido ultranacionalista MHP, aliado de Erdogan. No final do ano passado, o líder do MHP, Devlet Bahçeli, levantou a hipótese de libertar Öcalan se o PKK depusesse as armas.
Em dezembro, Öcalan foi autorizado a receber visitas de dirigentes do partido pró-curdo Igualdade e Democracia dos Povos (DEM) pela primeira vez após anos de prisão.
Para Ancara, um acordo de paz aliviaria as tensões sociais e a carga sobre suas forças de segurança, além de impulsionar a fraca economia do sudeste turco.
Öcalan afirmou que a luta armada havia “seguido seu curso”, embora também tenha instado a Turquia a demonstrar respeito às minorias étnicas, à liberdade de expressão e ao direito à auto-organização democrática.
O movimento político pró-curdo espera que a declaração abra caminhos para reformas democráticas e ampliação de direitos culturais e linguísticos na Turquia.
Saruhan Oluç, legislador do DEM, classificou a declaração como um “momento histórico”, destacando a necessidade de reformas democráticas por parte do governo turco.
“Estamos ainda mais esperançosos após o apelo histórico de hoje”, disse o legislador do DEM Saruhan à agência alemã DPA.
O governo alemão saudou o pedido como uma “chance histórica”, enfatizando a necessidade de garantir direitos culturais e democráticos aos curdos.
Possíveis consequências na Síria e região
Espera-se que o fim das hostilidades tenha implicações não apenas na Turquia, onde os curdos são um quinto da população, mas em todo o Oriente Médio.
Observadores associam uma possível resolução do conflito a um acordo de paz no norte da Síria, onde as forças curdas controlam um território significativo. O Irã e o Iraque, que também têm população curda, devem sentir os impactos de um acordo de paz.
O conflito entre o PKK e a Turquia se deslocou para o norte do Iraque e da Síria desde 2019, com ofensivas militares turcas contra bases do grupo.
No Curdistão iraquiano, o presidente Nechirvan Barzani manifestou apoio ao apelo de paz e instou o PKK a acatar a decisão.
O comandante das Forças Democráticas da Síria (SDF), Mazloum Abdi, afirmou que, apesar da importância do comunicado de Öcalan, a decisão não afetaria diretamente as Unidades de Proteção Popular (YPG), principal componente das SDF e alvo frequente das ações militares turcas.