De óculos Juliet, o prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga (Republicanos), aparece ao lado de uma churrasqueira em um rio no interior de São Paulo. A cena sugere um dia de lazer em uma lancha, mas, na verdade, trata-se da divulgação de uma obra. Em vez de um barco de passeio, ele está a bordo de uma draga contratada para aprofundar o leito do Rio Sorocaba. O vídeo viralizou, ultrapassando 11 milhões de visualizações no TikTok e quase 9 milhões no Instagram.
Assim como ele, prefeitos de todo o País investem conforme Zeca Ferreira, do jornal O Estado de S. Paulo, em vídeos curtos e bem-humorados para anunciar obras e serviços. O uso das redes sociais por políticos não é novidade, mas ganhou novos contornos nos últimos anos. A propaganda tradicional cede espaço para conteúdos apelativos, como memes e dancinhas, enquanto mandatários adotam o estilo de influenciadores, compartilhando momentos do dia a dia – de um treino na academia a uma pizza com a família.
Essa mudança na comunicação dos políticos acompanha o crescimento do TikTok no Brasil. De acordo com o relatório Digital 2025, da agência We Are Social, a plataforma chinesa possui 98,59 milhões de usuários no País. Estudos também indicam que 41% desse público tem entre 16 e 24 anos. Com isso, o TikTok é a quinta rede social mais utilizada no Brasil, ficando atrás de WhatsApp (169 mi), YouTube (144 mi), Instagram (134,6 mi) e Facebook (111,3 mi).
Especialistas ouvidos pelo Estadão alertam que o “efeito TikTok” na política pode esvaziar o debate público, desviando o foco de temas estruturais, como saúde e educação. Já os prefeitos argumentam que, apesar do tom descontraído, os vídeos sempre têm o objetivo de divulgar ações da gestão municipal.
O professor Paulo Niccoli Ramirez, da Fundação Escola de Sociologia de São Paulo (FESPSP), diz que esse fenômeno reflete a chamada “sociedade do espetáculo”, em que o conteúdo intelectual perde espaço para imagens e aparências. “Isso se reflete no comportamento de alguns políticos, que utilizam a linguagem do entretenimento para atrair eleitores, transformando a relação política em uma relação de consumo”.
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De acordo com o doutor em Ciências Sociais, as redes também contribuíram para a degradação da opinião e da esfera pública. “O que vemos hoje é uma versão 4.0 da política do ‘pão e circo’. Quanto mais os políticos oferecem consumo e entretenimento, menos o debate público se torna viável. A atenção dos eleitores é desviada para imagens pessoais e comportamentos espetacularizados, em vez de temas de interesse coletivo”, argumenta.
Apesar das críticas, a maioria dos prefeitos de médias e grandes cidades já está no TikTok. Levantamento do Estadão mostra que 64 dos 103 prefeitos das cidades com segundo turno possuem conta na plataforma chinesa, popular entre os jovens. Rodrigo Manga lidera em popularidade, com 2,3 milhões de seguidores e 43,1 milhões de curtidas. Em seguida, aparece João Campos (PSB), do Recife, com 916 mil seguidores e 23,5 milhões de curtidas.
Os posts divertidos já renderam a vários gestores o apelido de “prefeito tiktoker”. Além de Manga e Campos, Topázio Neto (PSD), de Florianópolis, está entre os mais populares. O que eles têm em comum é a capacidade de gerar engajamento e capital político. Entre prefeitos das cidades com segundo turno, eles foram os que mais receberam curtidas no TikTok – e conquistaram a reeleição ainda no primeiro turno. Manga e Campos obtiveram mais de 70% dos votos.
Outro traço comum entre os “prefeitos tiktokers” é o uso de acessórios populares entre os jovens, como o óculos Juliet. Tanto Arthur Henrique (MDB), prefeito de Boa Vista, quanto João Henrique Caldas (PL), de Maceió, já publicaram vídeos usando o modelo, além de camisetas estilizadas com montagens de fotos deles próprios com o acessório. Esse tipo de vestuário é geralmente associado a artistas de gêneros como rap, funk e bregafunk.
Já o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), viralizou no TikTok sem sequer ter um perfil oficial na plataforma. Usando um óculos Juliet, ele subiu ao palco da Arena de Verão e tocou teclado. A cena foi registrada por espectadores e compartilhada por usuários na rede social chinesa.
Além dos prefeitos, outros políticos, como o presidente Lula (PT) e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), têm adotado um tom mais descontraído. Após trocar o comando da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), Lula passou a publicar conteúdos mais informais em suas redes, gerando comparações com João Campos. Já Tarcísio começou a usar filtros e montagens em seus vídeos, como em uma publicação em que aparece com um enorme “tatuzão” atrás dele, em referência à máquina usada na construção dos túneis do metrô.
Discurso tradicional é cansativo e ineficaz, diz prefeito de Sorocaba
“Nós não produzimos vídeos apenas para entretenimento ou polêmica. Sempre apresentamos uma entrega, um projeto, uma obra ou uma ação importante para a cidade”, disse Rodrigo Manga ao Estadão. Segundo o prefeito de Sorocaba, a prioridade é garantir que o conteúdo publicado nas redes sociais vá além do entretenimento e tenha relevância para a população.
Manga afirma que sempre adotou um tom mais leve nas redes sociais. Para ele, o discurso político tradicional, muitas vezes técnico e extenso, pode ser cansativo e ineficaz. “Se nem um político tem paciência para assistir a um vídeo longo e formal, imagine a população. Desde o tempo de vereador, acompanhamos as tendências das redes sociais e intensificamos essa estratégia ao assumir a prefeitura.”
Seja no TikTok ou Instagram, os vídeos do prefeito seguem o formato de esquetes de humor. A estratégia, explica ele, é captar a atenção nos primeiros segundos com cenas impactantes ou instigantes, para depois transmitir a mensagem da prefeitura. Em algumas publicações, já entrou em uma caixa térmica com gelo, apanhou de um cano de PVC e até levou uma tijolada na cabeça – protegido por um capacete.
O vídeo mais popular de Manga acumula quase 26 milhões de visualizações no TikTok. Nele, a prefeitura anuncia o passe livre para estudantes em Sorocaba. A gravação começa com uma criança tentando entrar em um ônibus sem pagar, mas sendo impedida de forma agressiva por um homem. Em seguida, o prefeito aparece para explicar a gratuidade. Segundo ele, o garoto que protagoniza a cena é seu sobrinho.
“Trabalho com uma equipe e desenvolvemos as ideias juntos. Muitas vezes, identificamos uma tendência nas redes sociais e buscamos encaixar um projeto nela. Todos os vídeos são gravados com meu próprio celular, de forma simples, durante o horário de almoço ou após o expediente.”
Manga também afirma que sua popularidade no TikTok ultrapassou os limites da cidade, tornando comum ser abordado para fotos durante viagens. “Percebi esse crescimento quando estive em uma reunião no Palácio dos Bandeirantes. Tentei ir ao banheiro e não consegui, porque muitos prefeitos pediam para gravar vídeos para seus filhos”, disse.
Outro prefeito paulista que tem investido no TikTok é Ricardo Silva (PSD), de Ribeirão Preto. Ele chegou a gravar um vídeo para a plataforma com Manga, em um formato semelhante às parcerias comuns entre influenciadores digitais. “Sempre gostei de comunicação e redes sociais. Agora, como prefeito, senti a necessidade de adotar uma abordagem mais informal, transmitindo assuntos sérios e importantes de um jeito mais próximo”, afirmou.
Ricardo Silva explica que seus vídeos são espontâneos, sem uma grande equipe ou produção por trás. “Geralmente, percebo um assunto relevante enquanto despacho com um secretário, como a contratação de médicos. Já pego o celular e gravo ali mesmo, sem uma produção elaborada. É tudo muito simples e direto”, afirma.
Questionado sobre a possível espetacularização da política, o prefeito de Ribeirão Preto considera a preocupação válida. “No meu caso, minha comunicação é totalmente focada no interesse público”, diz, acrescentando que usa essa linguagem próxima para atrair as pessoas a temas sérios.
“Se um prefeito usa as redes sociais para aproximar a população de assuntos importantes, isso representa um avanço para a participação popular. Agora, se for apenas para criar factoides ou gerar engajamento vazio, aí sim é um problema. Cabe ao público ter esse discernimento”.
Para a professora Mayra Goulart, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, os “prefeitos tiktokers” estão entregando o que a população deseja. Segundo ela, não faz sentido idealizar o eleitor como alguém sempre voltado ao interesse público. “O cidadão quer informação em um formato curto, emotivo, visual e, muitas vezes, com elementos da vida privada”, diz, ressaltando que o avanço das novas tecnologias transformou a forma como a informação é consumida.
Ela destaca que são os próprios cidadãos que definirão os limites desse novo modelo de comunicação e sua influência na formação da opinião pública. “Eles decidirão até onde pode ir a atuação de um prefeito influencer, de um prefeito tiktoker, e de que maneira querem receber informações de políticos e formadores de opinião. Acredito que esse processo chegará a um limite, e esse limite será determinado pela própria população”.