Os supersalários no serviço público voltaram ao centro das discussões no Congresso Nacional, integrando a agenda econômica do governo federal para 2025. O tema, que envolve segundo reportagem de Gustavo Silva, do jornal Extra, o pagamento de remunerações acima do teto constitucional atualmente fixado em R$ 46.366,19, mobiliza diferentes setores e levanta questionamentos sobre a classificação de benefícios e auxílios pagos a servidores.
Um estudo jurídico encomendado pelo Movimento Pessoas à Frente, elaborado pelo escritório Horta Bachur Advogados, apontou que a regulamentação dos supersalários passa pela correta classificação das verbas remuneratórias e indenizatórias.
Segundo o levantamento publicado pelo jornal Extra, o Projeto de Lei nº 2.721/21, que tramita no Congresso e tem como objetivo combater esses vencimentos acima do teto, pode acabar institucionalizando os chamados “penduricalhos” e mantendo brechas que favorecem ganhos elevados.
– O Brasil não pode postergar o combate aos supersalários. São despesas com privilégios incompatíveis com a qualidade dos serviços públicos entregues à população e que comprometem os cofres públicos. É essencial que se construa uma estrutura remuneratória condizente com um Estado preocupado em combater desigualdades, e isso começa pela própria política salarial do serviço público, além de uma conceituação clara em relação ao que é, de fato, indenizatório – diz Jessika Moreira, diretora executiva do Movimento Pessoas à Frente.
Quase metade de exceções são remuneratórias
O estudo analisou as 32 exceções ao teto salarial previstas no PL 2.721/21 e concluiu que pelo menos 14 delas deveriam ser classificadas como remuneratórias, ou seja, deveriam ser incluídas no cálculo do limite constitucional.
Entre os auxílios que, segundo a análise, deveriam compor o teto estão o auxílio-alimentação, o ressarcimento de plano de saúde e gratificações por exercício cumulativo de ofícios. A proposta legislativa, da forma como está estruturada, não prevê regras de transparência sobre a divulgação dessas informações, o que dificultaria o controle social sobre os pagamentos.
Penduricalhos
Outro estudo, conduzido pelo doutor em Economia Bruno Carazza, apontou que os penduricalhos custaram mais de R$ 11,1 bilhões aos cofres públicos em 2023. Além disso, apenas quatro exceções previstas no PL 2.721/21 podem gerar um impacto de R$ 3,4 bilhões no Judiciário e no Ministério Público em 2025.
A lista inclui o pagamento dobrado do adicional de um terço de férias, a gratificação por exercício cumulativo, o auxílio-alimentação e o ressarcimento de despesas com plano de saúde.
Mais ricos
A questão dos supersalários é particularmente sensível nos altos escalões do funcionalismo. Dados do Movimento Pessoas à Frente mostram que, em 2023, 93% dos magistrados e 91,5% dos membros do Ministério Público receberam vencimentos acima do teto constitucional, alguns chegando a quase quatro vezes esse valor.
Apenas 0,2% dos servidores ativos do Executivo federal recebem igual ou acima do teto constitucional de R$ 46,3 mil, valor correspondente ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal. A maioria dos servidores do Executivo tem remuneração entre R$ 3 mil e R$ 9 mil, segundo dados do governo.
Apesar da regra constitucional que limita os salários do funcionalismo, as exceções têm ampliado as desigualdades, permitindo o pagamento dos chamados supersalários.
Regulamentação
Diante desse cenário, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou que uma de suas prioridades será propor um projeto de lei para estabelecer limites mais rígidos aos supersalários, buscando reduzir disparidades e garantir maior transparência na gestão dos recursos públicos.
Lista dos mais privilegiados
No livro “O país dos privilégios – Volume 1: Os novos e velhos donos do poder”, lançado pela Companhia das Letras, Bruno Carazza aponta os oito grupos mais privilegiados do funcionalismo público federal. Confira:
1. Magistrados – Têm autonomia administrativa e definem seus próprios benefícios, como auxílios e bonificações que elevam os salários acima do teto constitucional. Juízes recebem férias de 60 dias e podem convertê-las em dinheiro. Em 2023, mais de 1.000 magistrados ganharam mais de R$ 1 milhão no ano.
2. Membros do Ministério Público – Competem com o Judiciário para obter os maiores benefícios, com auxílios e indenizações que turbinam os contracheques. Além disso, a transparência dos seus rendimentos é limitada, dificultando o controle público. Em 2023, 92% dos membros do MP ganhavam acima do teto.
3. Carreiras Típicas de Estado – Incluem diplomatas, auditores, procuradores e policiais federais. Essas carreiras articuladas politicamente conseguem altos salários iniciais e ascensão rápida, se aproximando do teto constitucional em poucos anos, ao contrário de outras áreas do Executivo.
4. Advogados Públicos – Desde 2015, recebem honorários de sucumbência, que antes iam para os cofres públicos. Esse valor extra eleva os rendimentos mensais de advogados da União, procuradores da Fazenda e do Banco Central para o teto constitucional, apesar do limite imposto ao Executivo.
5. Fiscais da Receita – Conseguiram um bônus de eficiência vinculado às multas tributárias e apreensões, que será progressivamente elevado até 2026. Esse valor extra, somado ao salário básico já alto, faz com que praticamente todos os fiscais da Receita recebam o teto do funcionalismo.
6. Militares – Beneficiados por um sistema previdenciário diferenciado, que gera um alto déficit para um número reduzido de beneficiários. Também contam com a Justiça Militar, que protege os próprios membros e custa muito mais que outros tribunais, apesar do baixo volume de processos.
7. Políticos – Dispõem de uma série de regalias, como cotas parlamentares, verbas partidárias, emendas orçamentárias e proteção judicial via foro privilegiado. Esses privilégios garantem vantagens eleitorais e tornam a reeleição mais fácil.
8. Cartórios – Embora sejam concessões públicas, geram lucros privados altíssimos, com donos de cartórios recebendo remunerações milionárias. Não há limite de ganhos, a concorrência é restrita e os serviços são caros e burocráticos para a população.