Nações árabes, como Egito e Arábia Saudita, articulam um plano de reconstrução de Gaza para fazer frente à proposta de “Riviera” de Donald Trump e de expulsão de quase 2 milhões de palestinos do enclave.Há quem diga que o plano de Donald Trump para a reconstrução de Gaza – em que os Estados Unidos assumem o enclave palestino, expulsam seus habitantes e o transformam numa “Riviera do Oriente Médio” – se trata apenas de uma tática extrema de negociação.
Outros estão preocupados com a perspectiva de o presidente levar ao pé da letra sua proposta. Políticos e líderes militares israelenses já falaram sobre uma agência para “emigração voluntária” de palestinos para fora da Faixa de Gaza.
De acordo com as Nações Unidas, cerca de dois terços dos edifícios de Gaza foram destruídos, e o Ministério da Saúde do território afirma que mais de 48 mil palestinos foram mortos pela campanha militar de Israel. A guerra foi iniciada em retaliação ao ataque do grupo extremista Hamas, com sede em Gaza, em 7 de outubro de 2023, que resultou em cerca de 1.200 mortes.
Com um frágil cessar-fogo atualmente em vigor em Gaza, a reconstrução do enclave está sendo discutida. As nações árabes são totalmente contra o plano de Trump para Gaza. Jordânia e Egito estão particularmente preocupados: a sugestão de Trump é que seriam a destinação de cerca de 2 milhões de palestinos desalojados de Gaza, o que representaria uma crise política, econômica e existencial para todos os envolvidos.
Países árabes se reúnem para discutir Gaza
O Egito, crucial na negociação do cessar-fogo em curso, tem liderado o movimento de apresentar uma alternativa para Gaza. Realizou-se nesta sexta-feira (21/02), em Riad, Arábia Saudita, uma “reunião inoficial fraterna” com a participação de representantes da Jordânia, Catar e Emirados Árabes Unidos, a fim de contrapor os planos de Trump.
Também está prevista para 4 de março, no Cairo, uma cúpula extraordinária da Liga Árabe, na qual se espera a adesão de mais países. De acordo com o secretário de Estado americano, Marco Rubio, os EUA estão abertos a negociações: “Se os países árabes tiverem um plano melhor, isso é ótimo”, disse numa entrevista de rádio em meados de fevereiro.
É provável que a Arábia Saudita desempenhe um papel fundamental na proposta alternativa, já que os sauditas são mais próximos do governo americano, tendo laços financeiros importantes com os empreendimentos da família Trump. Também há relatos de que a proposta árabe será chamada de “Plano Trump”, para garantir a adesão do americano.
O que está na mesa?
O plano provavelmente terá três fases e levará até cinco anos para ser concluído. A primeira envolve ajuda imediata para os palestinos deslocados. Várias “zonas seguras” seriam estabelecidas dentro de Gaza, equipadas com moradias móveis e outros abrigos temporários, acesso imediato a ajuda e serviços essenciais.
Aparentemente, 40 empresas, muitas com sede no Egito, mas algumas internacionais, estariam envolvidas na reconstrução, enquanto os próprios palestinos forneceriam a mão de obra.
Um comitê tecnocrático palestino será selecionado para administrar o enclave. Ainda não se sabe quem vai integrar o grupo, mas é possível a presença de representantes da Autoridade Palestina (AP), que administra a Cisjordânia ocupada, bem como de líderes de grupos tribais locais ou prefeitos de comunidades.
É muito improvável que o comitê inclua representantes do grupo Hamas, que tem sido responsável por Gaza nas últimas duas décadas. Considerado uma organização terrorista pelos EUA, pela União Europeia e por outros países, o Hmas se declarou disposto a ceder, mas aparentemente também quer ajudar a escolher os membros do comitê.
Especula-se ainda que nem o Hamas nem a AP, frequentemente criticada por corrupção e má administração, devem estar envolvidos na nova gestão de Gaza. Portanto, os administradores também podem ser puramente tecnocráticos, com os 10 a 15 membros do comitê sem nenhuma afiliação política.
E quanto à segurança?
A segurança de Gaza poderia ser garantida pela polícia da AP ou por um grupo multinacional, com possível apoio de forças árabes ou mesmo ocidentais. Os Emirados Árabes Unidos sugeriram a criação de uma “missão internacional temporária” para a segurança de Gaza.
Em 2024, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, sugeriu que, embora um comitê de tecnocratas pudesse governar Gaza, Israel ainda deveria ser responsável pela segurança local. Mas os palestinos se voltaram contra a ideia, sob o argumento de que seria apenas uma ocupação israelense contínua.
Quem pagará pela reconstrução?
Uma “Avaliação Interna Rápida de Danos e Necessidades” publicada pelo Banco Mundial em fevereiro indica que serão necessários 53,2 bilhões de dólares (R$ 404,3 bilhões) para a reconstrução de Gaza ao longo de uma década, sendo necessários 20 bilhões de dólares nos próximos três anos.
É bem possível que as nações árabes acabem pagando parte desse valor, pois sua disposição em financiar a reconstrução é vista como um dos fatores que tornarão um plano árabe mais palatável ao governo Trump.
No entanto, um fundo liderado pelo Golfo Pérsico, com financiamento de nações ricas em petróleo, como o Catar e os Emirados Árabes Unidos, também dependerá de um cessar-fogo duradouro em Gaza e de algum tipo de caminho para o fim permanente da violência, como uma solução de dois Estados. Caso contrário, argumentam os países do Golfo, não faz sentido financiar a reconstrução, se a área for bombardeada novamente por Israel.
Para garantir a adesão dos EUA, há especulações de que o projeto pode até ser chamado de “Fundo Trump para a Reconstrução”. Aparentemente o Egito está interessado em organizar uma conferência internacional de doadores, durante a qual as nações ocidentais também serão solicitadas a contribuir. É improvável que Israel pague pela reconstrução de Gaza.
Possíveis obstáculos
A reconstrução obviamente exige que o atual e frágil cessar-fogo se mantenha. A segunda fase da trégua, na qual os reféns restantes tomados em Israel no 7 de Outubro poderiam ser libertados, deve começar no início de março. Mas ainda não está claro como o governo israelense de direita abordará o assunto e como o Hamas reagirá.
Israel segue rejeitando um eventual Estado palestino, enquanto a comunidade internacional insiste na solução de dois Estados. O financiamento de qualquer plano de reconstrução árabe pode estar condicionado a esse tópico.