Uma semana depois de revelar seu plano para ocupar a Faixa de Gaza e transferir as quase duas milhões de pessoas que vivem do enclave, o presidente dos EUA, Donald Trump, recebe na Casa Branca o rei da Jordânia, Abdullah II, um dos países “escolhidos” pelo republicano para abrigarem os novos refugiados palestinos. O clima não poderia ser mais tenso: Trump ameaçou suspender a ajuda aos jordanianos e ao Egito caso não aceitem a proposta, que também põe em xeque o tenso cessar-fogo em Gaza.
Dentro da ideia de criar uma “Riviera no Oriente Médio” em Gaza, Abdullah II exerce um papel crucial: para Trump, ele precisa concordar em receber os palestinos em seu território, onde seriam alocados em residências prometidas pelo líder americano, em caráter permanente — na segunda-feira, em entrevista à rede Fox News, o presidente afirmou que aqueles que deixassem Gaza não teriam o direito de retornar às suas casas.
— Os palestinos, ou as pessoas que vivem agora em Gaza, viverão lindamente em outro local. Eles viverão com segurança. Eles não serão mortos, assassinados e terão que sair a cada 10 anos — afirmou Trump nesta terça-feira, pouco antes do encontro com o rei jordaniano.
Na Casa Branca, Abdullah usou seu tradicional estilo diplomático para escapar das perguntas mais ácidas dos jornalistas. Ao ser questionado se haveria um local em seu país onde os palestinos de Gaza poderiam ser alocados, afirmou que “precisa fazer o que for melhor para sua nação”.
— É difícil fazer com que isso funcione de uma forma que seja boa para todos — disse, ao lado de Trump.
Radiografia da Jordânia e Egito — Foto: Editoria de Arte
Abdullah II ainda afirmou que os governos árabes, representados pelo Egito, apresentariam uma contraproposta, e pediu paciência até que os detalhes sejam revelados .
— Nós seremos capazes de trabalhar em algo, e eu sei que seremos capazes de trabalhar em algo também com, eu acredito, não, não 100%, mas 99%, vamos trabalhar em algo com o Egito — disse Trump, ao comentar a contraproposta.
De concreto, apenas o anúncio de que a Jordânia receberá duas mil crianças com problemas de saúde de Gaza.
Já o líder americano reiterou que pretende controlar a Faixa de Gaza, destacando que ele não participará de qualquer empreendimento imobiliário — sua família tem investimentos milionários no Oriente Médio, e seu genro, Jared Kushner, já falou no “potencial econômico” do enclave no ano passado.
— Não precisamos comprar [Gaza] — disse Trump. — Não há nada para comprar. Teremos Gaza. É uma área devastada pela guerra. Vamos tomá-la.
Para Abdullah II, no poder desde 1999, o “plano Trump” hoje impossível de aceitar. Ao longo das últimas décadas, a Jordânia absorveu gerações de palestinos, que hoje compõem cerca da metade da população do país — a rainha Rania é a representante mais conhecida da comunidade. Além deles, há cerca de 700 mil refugiados sírios, que escaparam da guerra civil. A chegada de uma nova onda de palestinos poderia ser, na visão de analistas e políticos locais, um golpe mortal no regime.
— O rei Abdullah não pode concordar com isso — disse Paul Salem, vice-presidente de engajamento internacional do Middle East Institute, ao New York Times. — Ele não pode sobreviver à ideia de que está conspirando para a limpeza étnica dos palestinos. É existencial para ele e seu governo.
Muitos jordanianos veem a realocação dos palestinos como um ato de limpeza étnica, uma definição também usada em declarações de funcionários e especialistas das Nações Unidas. Mais do que isso, consideram que a própria unidade do reino estaria por um fio.
— Há uma recusa unânime deste projeto de todos: pessoas e regime, partidos políticos, grupos e correntes em todas as ideologias e inclinações. Esta é a única questão que unifica todos os jordanianos, de todas as descendências, inclinações políticas e até mesmo suas posições dentro ou fora do regime — disse um ativista de oposição ao site do centro de estudos Arab Center, de Washington.
Helicópteros jordanianos decolam com ajuda humanitária destinada à Faixa de Gaza — Foto: Khalil MAZRAAWI / AFP
A Jordânia é uma das principais aliadas dos EUA no Oriente Médio, com quem cultivou profundos laços econômicos, políticos e de segurança. Os americanos podem usar suas bases militares, suas informações de inteligência, também cruciais para Israel, com quem Amã firmou um acordo de paz nos anos 1990, e fornecem uma ajuda anual de US$ 1,5 bilhão (R$ 8,65 bilhões) além de uma verba sigilosa para ações de defesa. Ao contrário de seus vizinhos ricos do Golfo, como a Arábia Saudita, o país não tem recursos naturais abundantes.
Por isso, não surpreendeu quando Trump usou a arma econômica e ameaçou suspender a ajuda à Jordânia e ao Egito, outro “destino” proposto por ele para a população de Gaza, caso ambos se neguem a concordar com o plano para a “Riviera”. Mesmo que isso signifique problemas de segurança para os americanos e para Israel na região.
— Tenho a sensação de que, apesar de eles dizerem não, tenho a sensação de que o rei na Jordânia e o general, presidente , mas o general no Egito abrirão seus corações e nos darão o tipo de terra de que precisamos para fazer isso — afirmou Trump, na semana passada, se referindo ainda ao presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi.
Premier de Israel, Benjamin Netanyahu, durante visita ao Capitólio, em Washington — Foto: Oliver Contreras / AFP
Dentro do Salão Oval, Trump e Abdullah também discutem a manutenção do cada vez mais ameaçado acordo de cessar-fogo em Gaza, apresentado pelo líder americano como um dos grandes feitos de seu governo. Na segunda-feira, o grupo terrorista Hamas suspendeu a libertação de reféns, prevista para sábado, citando violações por parte de Israel, como o atraso na entrada de caminhões de ajuda.
Imediatamente, o líder americano afirmou que “as portas do inferno seriam abertas”, e sugeriu aos israelenses que retomassem os combates se os reféns não forem liberados até meio-dia de sábado — o premier Benjamin Netanyahu pareceu concordar.
— Se o Hamas não devolver nossos reféns até o meio-dia de sábado, o cessar-fogo terminará, e as Forças Armadas retornarão a combates intensos até que o Hamas seja finalmente derrotado — disse Netanyahu nesta terça-feira.
Na véspera, Trump disse que todos os reféns ainda em poder do Hamas deveriam ser liberados no sábado, mas o acordo firmado no mês passado prevê que apenas três retornariam nesta etapa. No pronunciamento, Netanyahu preferiu não citar um número específico de reféns. Ao ser questionado na Casa Branca se acreditava que o Hamas cumpriria sua parte no acerto até o fim de semana, o presidente americano disse que “não”.