quarta-feira 5 de fevereiro de 2025
Sessão plenária do Supremo Tribunal Federal - Foto: Divulgação/STF
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quarta-feira 5 de fevereiro de 2025 às 08:15h

‘Coalizões’ entre ministros no STF devem influenciar julgamentos; veja casos no radar

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A atual composição do Supremo Tribunal Federal (STF) se organiza em coalizões progressistas, conservadoras e centristas, a depender do tema julgado. É o que aponta o levantamento do pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Shandor Torok, que indica na reportagem de Hugo Henud, do jornal O Estado de S. Paulo, que as decisões dos ministros são influenciadas tanto por suas orientações ideológicas quanto por fatores externos, como as partes envolvidas no processo, a repercussão do caso, entre outros. Embora essa dinâmica possa impactar a legitimidade da Corte, o levantamento permite identificar tendências de posicionamento dos ministros em julgamentos previstos para 2025, como a discussão sobre a Lei da Anistia, o uso de emendas parlamentares, o inquérito que investiga a tentativa de golpe de Estado — que tem entre os indiciados o ex-presidente Jair Bolsonaro — e as ações relacionadas aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.

O estudo empregou uma metodologia quantitativa originalmente aplicada na análise das decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos e adaptada ao contexto brasileiro. Foram avaliados cerca de 1.500 processos julgados no plenário do STF em que houve divergências de votos entre dois ou mais ministros. Com base nesses resultados, foi desenvolvido um modelo replicável capaz de mapear a ideologia de qualquer magistrado da Corte, identificando padrões de posicionamento e coalizões que variam conforme o tema em julgamento, como penal, econômico, trabalhista, direitos sociais e ambientais.

Para determinar a direção ideológica das decisões e as coalizões formadas, a pesquisa identificou o tema que motivou a divergência entre os votos dos magistrados e, na sequência, classificou como progressistas quando o posicionamento favorecia o lado mais vulnerável da disputa, e como conservadores quando beneficia a parte mais forte. Dessa forma, decisões favoráveis a trabalhadores em ações contra empregadores, comunidades quilombolas em disputas fundiárias, questões ambientais ou que reforçam garantias individuais, como a limitação do uso da prisão preventiva, foram classificadas como progressistas.

Por outro lado, posicionamentos que favorecem o setor empresarial, flexibilizam regulações ambientais ou endurecem a legislação penal foram considerados conservadores. Casos em que a posição do juiz não alterava o resultado ou não se encaixava nessas duas categorias foram considerados neutros.

Foram identificadas três tendências gerais de coalizões na composição do Supremo: o grupo conservador, composto por Kassio Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Dias Toffoli; o grupo centrista, representado por Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Cristiano Zanin; e a ala progressista, formada por Flávio Dino e Edson Fachin.

O pesquisador ressalta que essa divisão é dinâmica e complexa, podendo mudar conforme o contexto do julgamento e as particularidades de cada caso, refletindo diferentes estratégicas dos ministros. “A ideia não é rotular os ministros, mas observar padrões históricos em seus processos decisórios. A ideologia é um fator relevante, mas não o único. Questões como pressão da opinião pública, conjuntura política influenciam as decisões, o que faz com que essas classificações variem ao longo do tempo”, afirma Torok, que também é procurador do Estado de Mato Grosso do Sul.

Como os ministros se posicionam em diferentes temas

No tema da segurança pública, foram identificadas coalizões progressistas, com ministros como Fachin, Cármen Lúcia e Dino adotando posicionamentos mais restritivos quanto ao uso da força e ao armamento de agentes de segurança, além de defenderem uma fiscalização mais rigorosa da atuação policial. Já ministros como Fux, Toffoli, Gilmar Mendes, Moraes, André Mendonça, Zanin e Nunes Marques costumam apoiar medidas que ampliam o poder das forças de segurança e endurecem a legislação penal.

Um exemplo dessa divisão ocorreu no julgamento em que Fachin e Cármen Lúcia foram votos vencidos na decisão do Supremo que autorizou o porte de armas de fogo para todos os integrantes das guardas municipais, independentemente do tamanho da população do município. Na ocasião, os ministros da ala conservadora argumentaram que a medida fortaleceria a segurança pública e garantiria maior autonomia para os municípios.

Neste ano, a Corte marcou o julgamento da “ADPF das Favelas”, apresentada em 2019 por partidos e entidades de direitos humanos. O tribunal já determinou medidas para reduzir a letalidade policial, como o uso obrigatório de câmeras corporais e restrições a operações em comunidades. Agora, os ministros devem analisar o mérito da ação e decidir se a política de segurança do Estado do Rio de Janeiro viola princípios constitucionais, estabelecendo um precedente para todo o País.

Na esfera penal, o pesquisador destaca que esse é o tema em que os ministros mais alternam entre as coalizões, dependendo do contexto dos julgamentos. Enquanto alguns adotam posições garantistas de forma sistemática, alinhando-se à ala progressista, outros assumem essa abordagem de maneira seletiva. Há também aqueles que mantêm um viés punitivista constante, aproximando-se da coalizão conservadora.

Corte é mais homogênea nos debates de ‘crimes contra a democracia’

A dinâmica observada em outras discussões se altera quando se trata de crimes contra os valores democráticos, como nos casos envolvendo ataques às instituições. Nesses julgamentos, a atuação do STF tem se mostrado homogênea, com um endurecimento das posições punitivistas, independentemente das inclinações habituais dos ministros. Nestes processos, a oscilação vista em outros temas penais dá lugar a uma rara convergência no Tribunal, resultando em posicionamentos mais rígidos, como em decisões relacionadas às condenações dos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro e a anulação do decreto de indulto individual concedido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao ex-deputado Daniel Silveira.

Silveira havia sido condenado a oito anos e nove meses de reclusão por manifestações contra o Estado Democrático de Direito. Nesses casos, a coalizão conservadora se forma a partir de uma postura mais tolerante com réus acusados de atentar contra a democracia, sendo representada pelos ministros Nunes Marques e André Mendonça, que foram votos vencidos ao defenderem a absolvição dos primeiros envolvidos nos ataques às sedes dos Três Poderes e a manutenção do indulto concedido por Bolsonaro.

Já os ministros Gilmar Mendes e Moraes, que frequentemente adotam posições conservadoras em temas como segurança pública, nesses casos se alinharam à coalizão progressista, votando contra os réus e anulando o decreto presidencial.

Um dos casos no radar do STF é o inquérito que investiga a tentativa de golpe de Estado em 2022, no qual o ex-presidente Jair Bolsonaro está entre os indiciados, junto a mais de 39 pessoas, incluindo militares e ex-assessores de seu governo. O caso está sob análise da Procuradoria-Geral da República (PGR), que examina o relatório final da Polícia Federal e deverá decidir entre arquivar o inquérito, solicitar novas diligências ou apresentar denúncia – cenário mais provável. Em qualquer uma dessas hipóteses, o processo será encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito. Caso a PGR apresente denúncia, o julgamento caberá à Primeira Turma do STF, composta por Moraes, Cármen Lúcia, Zanin, Dino e Fux.

“Essa composição tende a se mostrar dura por se tratar de crimes contra a democracia, sendo interessante que ministros mais conservadores como Moraes e Mendes se perfilam ao lado de sua defesa. Assim como no sistema político em geral, uma parte da direita tem compromisso democrático”, diz o pesquisador.

Outras investigações sobre ações antidemocráticas podem avançar em 2025 e chegar ao Supremo, incluindo o inquérito das milícias digitais, que originou essa apuração sobre a tentativa de golpe de Estado, e seus desdobramentos, como a investigação do plano para assassinar autoridades – entre elas o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes. Seguem em andamento as apurações sobre os ataques de 8 de janeiro, que também podem ter novos desdobramentos analisados pela Corte.

O Supremo deve ainda retomar a discussão sobre a Lei da Anistia, analisando se o perdão concedido a crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985) pode ser aplicado a condutas cujos efeitos ainda se prolongam no presente, como desaparecimentos forçados, tortura e execuções políticas.

No campo econômico e trabalhista, Barroso tende a se alinhar à coalizão conservadora, ao lado de Gilmar Mendes, Luiz Fux, Nunes Marques, Mendonça e Dias Toffolli, que adotam uma visão mais liberal, priorizando segurança jurídica, responsabilidade fiscal e previsibilidade econômica – postura que se reflete em votos favoráveis a empresas em disputas tributárias e trabalhistas, como na decisão em que Barroso, Fux e Mendes votaram para que direitos e benefícios previstos em acordos e convenções coletivas não se mantivessem automaticamente após o fim da vigência. Da mesma forma, a coalizão apoiou a autonomia do Banco Central, reforçando a separação entre política monetária e governo.

Por outro lado, Fachin e Flávio Dino integram a ala progressista, com votos favoráveis a trabalhadores, aposentados e consumidores, frequentemente se opondo a medidas que possam comprometer a distribuição de recursos públicos e a efetividade das políticas públicas. Não por acaso, Dino, que herdou a relatoria dos processos sobre as emendas parlamentares, tem adotado uma postura mais rigorosa em relação à transparência e ao controle no uso dos recursos federais. O ministro vem defendendo restrições mais rígidas para evitar distorções na destinação das verbas do Orçamento – tema que seguirá em discussão no Supremo nos próximos meses.

Já Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia adotam um perfil centrista e pragmático, variando conforme o impacto fiscal e o contexto do julgamento – ora alinhando-se à coalizão progressista em temas previdenciários e trabalhistas, ora à conservadora em decisões tributárias e de regulação do mercado.

Fatores externos moldam decisões no STF e podem afetar sua legitimidade

Apesar de a ideologia ser um dos principais fatores que influenciam os posicionamentos dos ministros, há uma série de variáveis que impactam suas decisões em julgamentos. Entre elas, a repercussão do caso, as partes envolvidas, a cobertura da imprensa e a própria reputação dos magistrados, conforme explica Luiz Gomes Esteves, professor do Insper e pesquisador da USP.

“O processo decisório é muito complexo e envolve variáveis informais, como a pressão da opinião pública, a atuação de advogados renomados e a própria dinâmica interna do tribunal. Esses fatores influenciam quais casos são priorizados na pauta e a forma de decidir dos ministros”, explica Esteves.

Para Esteves, a mudança no entendimento do STF sobre a prisão após condenação em segunda instância ilustra a influência de fatores externos nas decisões da Corte. Em 2016, no auge da Operação Lava Jato, o Tribunal autorizou a execução provisória da pena, o que levou à prisão de Lula em 2018. O petista, que era investigado no âmbito da Lava Jato, foi condenado em segunda instância no caso do triplex do Guarujá. No entanto, em 2019, em um cenário político diferente, o STF revisitou o tema e, por 6 votos a 5, decidiu que a prisão só poderia ocorrer após o trânsito em julgado, decisão que resultou na soltura de Lula.

O cientista político e pesquisador Mateus Araújo, da Washington University, EUA, ressalta que fatores externos influenciam as decisões dos ministros do Supremo devido à complexidade dos temas tratados e às mudanças nos valores do contexto político e social – aspectos que a legislação nem sempre é capaz de contemplar.

Araújo ressalta, no entanto, que, embora seja esperado que esses fatores exerçam influência, a percepção negativa de parte da população decorre do histórico de atuação dos magistrados da Corte, frequentemente marcado por comportamentos alinhados à conjuntura política, falta de transparência e excesso de individualismo – elementos que somados à ideia de que as decisões são influenciadas por crenças pessoais, comprometem a reputação do Supremo e afetam a percepção de imparcialidade e legitimidade da instituição.“Os ministros não podem, por exemplo, participar de eventos patrocinados por empresas que possuem processos no tribunal. Esse tipo de conduta enfraquece a credibilidade da Corte e reforça a ideia de que as decisões podem ser influenciadas por interesses externos”, afirma.

Em sua avaliação, como a legitimidade do STF está ancorada na imparcialidade técnica, os ministros devem adotar uma postura também mais técnica, mantendo distância do varejo político e dos interesses que caracterizam outros atores. Para isso, ressalta que devem exercer suas prerrogativas constitucionais de forma mais contida e restritiva por meio de atuações colegiadas – um comportamento essencial para evitar o aumento da desconfiança pública na instituição. “Eles também deveriam aparecer menos, ser mais discretos”, completa.

A jurista e coordenadora do Observatório da Justiça no Brasil e na América Latina, Marjorie Marona, que também colaborou com o mapeamento dos votos, avalia que a postura dos ministros do STF ao minimizar a influência de fatores externos no processo decisório e reafirmar o parâmetro legal como vetor central de suas atuações está diretamente ligada à preocupação com a imagem pública da Corte. Segundo Marona, essa retórica tem o objetivo de afastar a percepção de que a atuação do tribunal estaria atrelada a disputas político-partidárias.

“Dizer que o STF é um órgão político não implica em dizer que está à disposição das disputas político-partidárias. É isso que se quer, com razão, negar”, resume.

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