A rapidez e a agressividade com as quais o presidente americano, Donald Trump, lidou com a negativa da Colômbia em receber voos militares com imigrantes deportados dos Estados Unidos no fim de semana evidenciou, segundo analistas, a fragilidade econômica e política de parte da América Latina diante da nova política migratória do republicano. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, decidiu bater de frente com o republicano em um primeiro momento, mas cedeu, temendo o impacto negativo das tarifas na indústria colombiana, diz Daniel Gateno e Isabel Gomes, em reportagem no jornal O Estado de S. Paulo.
Um levantamento feito nesta reportagem do Estadão, revela que a maioria dos países latino-americanos com um grande número de imigrantes ilegais nos Estados Unidos está sujeita ao mesmo calcanhar de Aquiles que fez Petro ceder no fim de semana. É o caso de países como o México, El Salvador, Guatemala, Honduras e a República Dominicana, que estão entre as dez nacionalidades com mais imigrantes ilegais nos EUA e ao mesmo tempo, tem Washington como seu principal parceiro comercial.
Em alguns casos, como o do México , de longe o país com mais imigrantes ilegais nos EUA (cerca de 4 milhões, segundo o Pew Research Center), os EUA compram mais de 70% da pauta de exportação local. No caso de El Salvador, o segundo da lista, esse volume é de cerca de 40%. A Guatemala, a terceira colocada, exporta 32% de seus produtos para os EUA, e Honduras, o quarto, exporta 51% (mais detalhes no gráfico abaixo).
Além disso, sobretudo no caso dos países centro-americanos, mais pobres e menores que o México, a pauta de exportação é composta por produtos primários, o que tornaria uma punição tarifária como a que Trump ameaçou a Colômbia extremamente danosa.
No caso colombiano, os EUA são o maior parceiro comercial de Bogotá e cerca de 25,8% das exportações vão para os Estados Unidos. As tarifas anunciadas por Trump, que seriam de 25% para todos os produtos colombianos e poderiam ser aumentadas para 50% na semana que vem, fariam a Colômbia perder mercado, principalmente no setor cafeeiro e de flores.
“Petro caiu na armadilha de Trump”, avalia o professor de relações internacionais da ESPM, Leonardo Trevisan. “Ele ofereceu uma oportunidade para que Trump pudesse mostrar força. A Colômbia não pode fazer nada por conta da dependência econômica, apenas ofereceu de graça um espetáculo para o presidente americano”.
Ameaças assimétricas
O presidente americano vem ameaçando países com tarifas desde a campanha presidencial. De acordo com o mantra republicano, tarifas podem ser usadas como forma de retaliação comercial, mas também como tática de pressão, caso os países não façam o que Trump deseja. A América Latina teme que possa ser alvo do republicano por conta da questão migratória.
Para o México, que foi ameaçado com tarifas por razões comerciais e migratórias, a dependência de Washington nas exportações é impossível de ser ignorada. Segundo dados do Observatório de Complexidade Econômica, 76,8% das exportações do país vão para os Estados Unidos. Outros países com grandes populações de imigrantes ilegais também dependem muito dos EUA, como El Salvador, República Dominicana, Guatemala e Honduras.
“As tarifas são uma forma de pressão para Trump contra países em que a relação é mais assimétrica”, avalia Cristina Pecequilo, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), em entrevista ao Estadão. “A questão comercial e a questão migratória são as duas pautas que o governo Trump aposta para manter a popularidade alta no início do governo”.
Na segunda-feira, 27, o Brasil foi citado como possível alvo de tarifas. Trump disse que o País “taxa demais” e colocou o Brasil em uma lista de países que “querem mal” aos Estados Unidos.
Para Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), e ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, a postura do republicano não surpreende. “Na campanha Trump disse que faria tudo isso e agora estamos vendo acontecer”.
Como tarifas prejudicam os países?
A dependência dos países da América Latina em relação aos EUA nas exportações deixa a região mais vulnerável a possíveis tarifas que podem aumentar os preços dos produtos latino-americanos para compradores dos Estados Unidos.
“Quando os EUA aumentam a tarifa de importação para um determinado país, esse país tem dificuldade de vender os seus produtos”, aponta Josilmar Cordenonssi, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “As exportações do país afetado tendem a cair e ocorre uma perda de competitividade. No caso da Colômbia, haveria uma queda na demanda e reduziria a lucratividade das empresas que exportam para os EUA.”
Tarifas específicas para um determinado país também prejudicam a competição em relação a outra nação que possui o mesmo produto. “Outros países que não precisam pagar essa tarifa vão ter mais facilidade para vender aos Estados Unidos porque o preço vai ser menor”, diz Paulo Feldmann, especialista em negócios internacionais da FIA Business School.
Caso o Brasil seja alvo de tarifas, o desafio será aumentar as exportações para a China. O país asiático é o maior parceiro comercial do Brasil e recebe 26,4% das exportações brasileiras. Os EUA estão em segundo, com 10,7%.
“Não é fácil aumentar as nossas vendas para a China, principalmente em um ano em que a previsão é de queda para a economia chinesa”, destaca Feldmann.
Já países da América Central como Honduras, Guatemala e El Salvador são os mais expostos a tarifas americanas. “Estes países têm economias especificamente frágeis, exportam basicamente frutas”, aponta Josilmar Cordenonssi, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
A principal dúvida é sobre possíveis tarifas ao México, um país com uma indústria forte e que conta com empresas americanas operando em seu território. O México exporta principalmente computadores, carros e peças de motor aos Estados Unidos e possui um acordo de livre-comércio com Washington e o Canadá, o USCMA ( o antigo Nafta).
Como lidar com Trump?
A crise entre Bogotá e Washington ligou o sinal de alerta para os países da região sobre o relacionamento com Trump. Petro expressou publicamente um incômodo com a administração do republicano e tentou bater de frente com o presidente americano, mas não tinha estatura para um confronto com Donald Trump.
De acordo com especialistas entrevistados pelo Estadão, é preciso traçar uma estratégia e trabalhar nos bastidores para construir um melhor relacionamento com Trump. É o caso da presidente do México, Claudia Sheinbaum, que ressaltou a necessidade de pragmatismo no relacionamento com o republicano, sem conflitos considerados dispensáveis.
“É preciso moderar na resposta, países como México e Brasil não podem criar uma situação de confronto com Trump. A diplomacia precisa agir de forma silenciosa”, diz Leonardo Trevisan, da ESPM.
China
O risco da retórica trumpista na América Latina é uma maior presença da China na região. A Colômbia, que historicamente possui uma relação próxima com os EUA, sinalizou o interesse de entrar no BRICS e o embaixador da China no país, Zhu Jingyang, afirmou que as relações entre China e Colômbia estão em seu melhor momento desde o estabelecimento de relações diplomáticas, em 1980, em uma publicação na plataforma X.
Segundo dados do Council on Foreign Relations, um think tank com sede em Nova York, o mercado da China representava menos de 2% das exportações da América Latina em 2000, mas cresceu uma taxa média anual de 31% nos oito anos seguintes. Em 2021, o comércio ultrapassou US$ 450 bilhões, de acordo com o governo chinês, e economistas dizem que as cifras podem chegar a US$ 700 bilhões em 2035.
O crescimento fez com que a China se tornasse o segundo maior parceiro comercial da região, apenas atrás dos Estados Unidos.
“Os espaços que os EUA deixarem de ocupar na América Latina vão ser naturalmente preenchidos pela China”, destaca Cristina Pecequilo. Para a especialista, a possibilidade de perder ainda mais espaço para Pequim pode mudar a abordagem dos EUA no futuro. “É possível que Washington reavalie a sua política atual com o intuito de impedir o avanço ainda maior da influência chinesa”.