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quarta-feira 22 de janeiro de 2025 às 10:59h

ONG que presta contas ao ‘PCC’ se reúne com ministérios do governo Lula

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Conforme reportagem de André Shalders, Gustavo Côrtes e Vinícius Valfré, do jornal O Estado de S. Paulo, uma ONG, que segundo a Polícia de São Paulo presta contas de suas ações ao Primeiro Comando da Capital, o PCC, participou de reuniões com dirigentes dos ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos no governo do presidente Lula da Silva (PT), além de audiência pública no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A última atividade com o MJ foi em dezembro de 2024, e a pasta pagou as passagens aéreas para Brasília.

A ONG Pacto Social & Carcerário S.P foi desmantelada pela operação “Fake Scream” (“Falso grito”), deflagrada pela Polícia Civil de São Paulo (PCSP) e pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP) na semana passada. Segundo a investigação da Polícia Civil, a ONG está ligada à cúpula do PCC desde a fundação e presta contas à facção de todas as suas atividades.

Procurados, os ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos confirmaram as reuniões. Segundo as pastas, a ONG foi chamada para discutir políticas para presidiários e problemas na qualidade da alimentação no presídio federal da Papuda, em Brasília. O CNJ disse que o evento foi “aberto a toda a sociedade”, e em local aberto a “qualquer cidadão” (leia mais abaixo). A ONG também foi procurada, mas não respondeu aos contatos da reportagem.

A ONG "Pacto Social & Carcerário" em evento do CNJ, em abril passado: diretora do Ministério da Justiça estava na mesa. Dirigentes de ONG estão ao lado de Janira Rocha, ex-deputada estadual expulsa do PSOL
A ONG “Pacto Social & Carcerário” em evento do CNJ, em abril passado: diretora do Ministério da Justiça estava na mesa. Dirigentes de ONG estão ao lado de Janira Rocha, ex-deputada estadual expulsa do PSOL – Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

A ONG Pacto Social e Carcerário era sediada em São Bernardo do Campo (SP). Foi criada em 2019. Era presidida pela auxiliar administrativa Luciene Neves Ferreira, de 46 anos, e tinha como vice-presidente o marido dela, Geraldo Sales da Costa, de 55 anos. Ex-presidiário, ele foi condenado por homicídio e corrupção ativa. Criado no começo dos anos 1990, o PCC teve origem em reivindicações de presos por melhores condições no cárcere, depois do massacre do Carandiru, em São Paulo, em 1992.

Janira Rocha (esq.) e Luciene, da ONG Pacto Social (com a camiseta branca da ONG, ao centro), no evento do CNJ: Polícia Civil de SP afirma que ela integra o PCC
Janira Rocha (esq.) e Luciene, da ONG Pacto Social (com a camiseta branca da ONG, ao centro), no evento do CNJ: Polícia Civil de SP afirma que ela integra o PCC Foto: Instagram via @marcioruzon

A ligação da ONG com o PCC começou a ser investigada em setembro de 2021, depois que policiais apreenderam um bilhete com informações sobre os trabalhos da entidade. O texto estava num cartão de memória pertencente à namorada de um faccionado. Ela foi presa ao tentar entrar com o material e com drogas ilícitas na Penitenciária II de Presidente Venceslau (SP). Dirigentes da ONG foram entrevistados num documentário de 2024 chamado “O Grito”, sobre o regime disciplinar diferenciado (o RDD) usado em prisões federais. O nome da operação “Fake Scream” faz alusão ao filme.

Luciene participou de ao menos duas atividades com o Ministério da Justiça. A última foi no dia 16 de dezembro de 2024, quando ela esteve em Brasília para o evento “DICAP em Rede: Participação Social e Enfrentamento ao Estado de Coisas Inconstitucional nas Prisões Brasileiras”. Na ocasião, o MJ apresentou a dirigentes de várias ONGs o plano Pena Justa, uma diretriz elaborada por determinação do STF para enfrentar a “grave violação de direitos fundamentais” nas prisões brasileiras.

O advogado Márcio Ruzon, que se apresenta como porta-voz da ONG Pacto Social & Carcerário de S.P, postou sobre audiência pública na Senappen no fim do ano passado
O advogado Márcio Ruzon, que se apresenta como porta-voz da ONG Pacto Social & Carcerário de S.P, postou sobre audiência pública na Senappen no fim do ano passado Foto: Instagram via @marcioruzon

As ONGs – entre elas a Pacto Social – participaram da elaboração do plano Pena Justa, disse o MJ ao Estadão. A pasta pagou R$ 1.827,93 pelas passagens de ida e volta de Luciene de São Paulo (SP) para Brasília. Antes disso, em 2016, ela já tinha recebido diárias do governo federal para vir a outro evento na capital federal: a 4ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, que contou com a abertura da então presidente da República, Dilma Rousseff (PT).

A primeira reunião de Luciene no MJ foi na tarde de 13 de novembro de 2023, ainda na gestão do ex-ministro da Justiça Flávio Dino, hoje no Supremo Tribunal Federal (STF). O encontro foi online, segundo o Ministério da Justiça. Participaram o ex-titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), Rafael Velasco Brandani; e a diretora da Senappen Mayesse Silva Parizi, que segue trabalhando no MJ. Segundo a pasta, a reunião tratou de “sistema carcerário, educação e trabalho”.

A conversa com o Ministério dos Direitos Humanos também foi virtual, na manhã de 24 de julho de 2024. Luciene representou a Associação Nacional de Familiares de Presos (Anfap) no encontro com Rose Mary Cândido Plans, atual coordenadora-geral de combate à tortura do Ministério. “Na ocasião, os participantes trataram especificamente sobre as condições da alimentação de pessoas privadas de liberdade na Penitenciária Federal de Brasília – Papuda”, disse o MDH. Plans é assistente social e trabalhou durante décadas em ONGs de assistência a presos.

A presidente da ONG Pacto Social & Carcerário (dir.) com o ex-ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida (esq.)
A presidente da ONG Pacto Social & Carcerário (dir.) com o ex-ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida (esq.) Foto: Instagram via @ongpactosocial

No Instagram da ONG – retirado do ar na tarde da última sexta-feira (17) por ordem da Justiça – havia o registro de outras vindas a Brasília. No dia 30 de abril passado, por exemplo, Luciene e outros representantes da ONG participaram de uma audiência pública do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério da Justiça sobre o plano Pena Justa. Também esteve na audiência a advogada e ex-deputada estadual Janira Rocha.

No fim de 2023, Janira foi responsável por abrir as portas do Ministério da Justiça para a ex-ongueira Luciane Barbosa Farias. Como mostrou o Estadão, Janira recebeu R$ 23.654,00 do Comando Vermelho dias antes das reuniões com Luciane no MJ.

A elaboração do plano Pena Justa foi determinada pelo STF no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, apresentada pelo PSOL ainda em 2015, e julgada procedente em 2023. Ao decidir a ação do PSOL, o STF reconheceu a existência de um “estado de coisas inconstitucional” nas cadeias brasileiras, geralmente afetadas por superlotação e más condições de vida e segurança. O Pena Justa visa “enfrentar a situação de calamidade nas prisões brasileiras”, segundo o CNJ.

Há também uma foto de Luciene com o ex-ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, e uma ex-vereadora de São Paulo (SP) pelo PSB, Jussara Basso, em 9 de julho de 2023. A postagem não esclarece se o encontro foi em Brasília ou em outro local. Silvio Almeida foi demitido do cargo em 6 de setembro passado, sob acusações de assédio sexual por parte da ONG Me Too Brasil. Ele nega todas as acusações.

Outras pessoas relacionadas à ONG Pacto Social e Carcerário também exercem influência na política penal no governo Lula. Um dos alvos da operação Fake Scream, o advogado Renan Bortoletto tentou se eleger vereador em Ribeirão Preto (SP) pelo PP em 2020. Ele foi alvo de outra operação do Gaeco/MPE-SP, a Kleptos, pela suspeita de que sua candidatura tenha sido financiada pelo PCC. O nome dele é relacionado como um dos profissionais da “sintonia dos gravatas” nos textos apreendidos pela Polícia Civil.

Polícia Civil: PCC agora tem ‘sintonia’ de ONGs

As investigações que deram origem à operação Fake Scream são detalhadas pela Polícia Civil de São Paulo num relatório ao qual a reportagem do Estadão teve acesso.

Informações sobre a atuação da ONG estavam em um cartão de memória apreendido no dia 12 de setembro de 2021, com Kethelen Camila Sousa Lemos, de 26 anos. Ela tentou entrar na Penitenciária II de Presidente Venceslau (SP) com quatro cartões de memória – dos quais apenas dois puderam ser lidos. Também estava portando um leitor para os cartões, e uma porção da droga conhecida como K4, a “maconha sintética”. Apesar do nome, trata-se de uma droga sintética, sem relação com a cannabis sativa.

Kethelen admitiu que receberia R$ 1 mil para entrar com a droga, os cartões de memória e um leitor de cartões no presídio. Ela era namorada de um dos detentos e integrante do PCC, Ricardo Marques de Oliveira. Ambos foram alvo da operação Fake Scream. Segundo a Polícia Civil, os detentos conseguem acessar as informações dos cartões de memória usando as smart TVs disponíveis nas celas.

Os cartões de memória que deram origem à investigação da operação Fake Scream
Os cartões de memória que deram origem à investigação da operação Fake Scream Foto: Polícia Civil SP / reprodução

Nos cartões de memória, os policiais encontraram as fichas de vários profissionais de saúde – médicos e dentistas – bem como um texto com menção ao trabalho de uma ONG. O texto não cita o nome da Pacto Social & Carcerário de S.P, mas faz referência a um mandado de segurança coletivo contra uma decisão liminar (provisória) obtida pelo Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária de São Paulo (Sindasp). A ação descrita realmente existiu, e foi apresentada pela Pacto Social.

“Comprovou-se a existência de uma ONG, denominada ONG Pacto Social & Carcerário S.P – Associação de Familiares e Amigos de Reclusos que, desde sua criação, esteve diretamente vinculada à cúpula da facção e que, conforme demonstrado pela investigação, presta contas ao PCC de todas as suas atividades”, escreveu a Polícia Civil no relatório.

Trecho do relatório da Polícia Civil de SP que embasou a operação Fake Scream
Trecho do relatório da Polícia Civil de SP que embasou a operação Fake Scream Foto: Polícia Civil SP / reprodução

“Nota-se, portanto, a revelação da maneira de agir da ONG Pacto Social e Carcerário, aderindo a manifestação nacionais, travestidas, em um primeiro momento, como reivindicações legítimas de direitos da população carcerária, mas que na verdade, ocultam aspirações oriundas da cúpula da ORCRIM (PCC)”, diz um trecho.

No relatório, os policiais dizem ainda que Luciene e Geraldo Sales passaram a integrar o PCC desde 2019. “Infere-se que Geraldo e Luciene, desde 2019, de forma contínua, estável e ininterrupta, passaram a integrar a organização criminosa armada, autodenominada Primeiro Comando da Capital – ‘PCC’, com a atuação transnacional, que tem como finalidade a prática de crimes”, diz um trecho.

Ministérios confirmam reuniões; ONG não se manifesta

Ainda conforme a reportagem do Estadão, o MJ disse que a reunião de dezembro de novembro de 2023 se deu de forma virtual, enquanto o evento de dezembro de 2024 foi no auditório de um prédio alugado pela pasta em Brasília – portanto, fora das instalações do MJ na Esplanada.

O Ministério disse ainda que as ações do Pena Justa, que foram apresentadas na reunião do dia 16 de dezembro, servirão para guiar “a atuação do Estado brasileiro no enfrentamento da grave violação de direitos fundamentais em nosso sistema prisional”, diz o texto. “A iniciativa foi coordenada pelo Poder Executivo e pelo Poder Judiciário, em diálogo com 59 instituições. Foram recebidas, ao todo, seis mil contribuições da sociedade civil, por meio de consultas e audiências públicas”. Segundo o MJ, foram convidadas 227 organizações da sociedade civil para o evento de 16 de dezembro.

“Um dos pilares do Pena Justa é a participação da sociedade civil na Política Nacional de Atenção à Pessoa Egressa do Sistema Penal. Nesse contexto, integrantes da Senappen participam de reuniões com organizações da sociedade civil (OSC) para debater políticas públicas voltadas à reintegração social, alternativas penais e fortalecimento de ações para egressos do sistema prisional. Essas reuniões são registradas e seguem todos os trâmites previstos pelas normativas de governança pública”, disse o MJ.

O Ministério da Justiça também disse ter adotado medidas de segurança depois da revelação feita pelo Estadão das reuniões de mulher ligada ao tráfico na sede da pasta, no fim de 2023. “A Senappen implementou novas medidas de segurança após o episódio da “Dama do Tráfico”. O Ministério da Justiça editou uma portaria para endurecer as regras de visitas à sede da pasta, submetendo os nomes dos visitantes a uma análise prévia”, disse o MJ, em nota. “Além disso, a Senappen pauta sua atuação pela integração com as demais forças policiais, a fim de garantir a eficiência na execução de políticas penais e no enfrentamento às organizações criminosas”, disse.

O Ministério dos Direitos Humanos confirmou a reunião, e disse que o encontro tratou de supostos problemas na alimentação dos presos detidos na penitenciária federal da Papuda, em Brasília.

“No dia 24 de julho de 2024, a Coordenação-Geral de Combate a Tortura e Graves Violações de Direitos Humanos (CGCT) do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) se reuniu, de maneira remota, com familiares, advogados e representantes de organizações da sociedade civil representados pela Articulação Nacional de familiares de Presos (Anfap) e membros da instituição “Pacto social”. Na ocasião, os participantes trataram especificamente sobre as condições da alimentação de pessoas privadas de liberdade na Penitenciária Federal de Brasília – Papuda. Após essa data, não houve outra conversa”, disse a pasta, em nota.

O CNJ disse que a audiência pública de 30 de abril passado “seguiu os trâmites ordinários desse tipo de consulta popular, que é aberta à toda a sociedade para apresentar propostas e soluções para determinado tema”.

“A audiência foi organizada pelo CNJ e pelo Ministério da Justiça no contexto da elaboração do plano Pena Justa, como um dos desdobramentos da decisão do Plenário do STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347, que reconheceu o estado de coisa inconstitucional nas prisões brasileiras e determinou a construção de uma solução para o enfrentamento deste cenário”, disse o órgão.

“Realizada nos dias 29 e 30 de abril, a audiência pública contou com mais de 570 pessoas e entidades interessadas em apresentar propostas de melhorias para o sistema prisional brasileiro”, disse o órgão.

“A lista de inscritos para falar durante a audiência foi previamente divulgada e, inclusive, ampliada de 30 para 53 em razão da grande quantidade de pessoas interessadas. Vale ressaltar que a ONG não está na lista de inscritos para falar”, disse o CNJ. Apesar disso, fotos do evento divulgadas pelo próprio CNJ mostram que a ONG estava presente e chegou a estender um cartaz durante o encontro.

A ONG Pacto Social & Carcerário de S.P foi procurada, mas não retornou às tentativas de contato.

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