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segunda-feira 20 de janeiro de 2025 às 12:57h

Nova variante do vírus da dengue deixa autoridades em alerta

NOTÍCIAS, SAÚDE


Doença transmitida pelo ‘aedes aegypti’ matou mais do que covid-19 em 2024. Sorotipo 3 do vírus prevalece em algumas regiões, ampliando população suscetível a novo contágio mais agressivo. Acompanhar o pai e o tio quase morrerem de complicações de dengue há alguns anos não assustou Lia Salomão tanto quanto a epidemia de 2024, quando ela e parte da família passaram sufoco com a doença que matou mais do que a covid-19.

“Hoje posso dizer que estou neurótica, e essa neurose é uma onda de 2025, acho que ela não existia 2024, porque não tínhamos essa noção de que era tão fácil pegar dengue”, comenta a moradora de São Paulo. “Parecia que se eu estivesse passando um repelente e não deixando água no pratinho do vaso de plantas, estava bom, mas na realidade não é bem assim.”

Além da fadiga e desgaste físicos sentidos por mais de uma semana, Salomão conta ter sofrido com disfunção cognitiva pós-viral, como é conhecida a falta de concentração após a cura de uma doença como a dengue, além da perda de cabelo – outro efeito colateral comum. “Ambos foram sensações muito ruins, mas a terrível foi com a minha avó, de 91 anos, que já bebia pouca água e passou a beber ainda menos, por conta do gosto ruim que fica com qualquer líquido; pensei que ia perdê-la a qualquer momento.”

A população acima dos 60 anos é a mais vulnerável à dengue, constituindo a maior parte das 6.068 mortes causadas por ela em 2024. Esse ano presenciou a pior epidemia já registrada no Brasil, quando mais de 6,6 milhões contraíram a doença transmitida pelo mosquito aedes aegypti. O triste recorde anterior cabia aos anos de 2015 e 2023, quando mais de 1,649 milhão adoeceram.

Os números deste começo de 2025, no entanto, preocupam não apenas cidadãos como Lia e sua família, que incluíram o uso intenso de repelentes e inseticidas na rotina diária matinal, mas autoridades e epidemiologistas. Especialistas concordam que o susto vivido em 2024 deixou as instituições mais preparadas para o pior, porém alertam que o ano corrente deve ser o pior ano da história. Até porque o complexo pacote de medidas contra o mosquito e o vírus que transmite só deverá estar totalmente operacional em 2026.

Números alarmantes em SP

Em meados de janeiro, o governo paulista anunciou a criação de uma sala de emergência para o monitoramento dos casos de dengue no estado, que nas duas primeiras semanas de 2025 apresentou números piores do que no anterior. Segundo o painel de arboviroses do governo de São Paulo, até o sábado (18/01) o total de casos até era 43.817, contra 29.042 no começo de 2024: um aumento de 51% que preocupa as autoridades.

“O nível de alerta é muito alto, pois tivemos não só uma mudança de quadro epidêmico, mas também um novo sorotipo circulando. Durante todo 2024, a predominância foi do vírus da dengue 1 e 2, e já no final do ano houve a introdução do dengue 3, o que é muito preocupante”, adverte a epidemiologista Regiane de Paula, à frente da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria Estadual de Saúde de SP.

Ela explica que, ao contrair a doença com um determinado tipo do vírus, o paciente fica mais imune a este tipo, mas ainda suscetível aos demais tipos de vírus da dengue. O retorno do tipo 3 ao Brasil, após 17 anos erradicado, representa, desta forma, uma chance 33% maior de se contrair a doença novamente. O fenômeno aciona o alarme entre as autoridades.

“Quando você tem uma cocirculação, vai ter mais indivíduos suscetíveis a serem infectados, e para quem já teve dengue, isso cria o risco de um quadro mais grave, que deve ser grande este ano de novo”, comenta. A dengue grave, conhecida popularmente como dengue hemorrágica, é aproximadamente cinco vezes mais letal que a dengue normal.

Segundo o Ministério da Saúde, em dezembro de 2024 40,8% dos casos da doença foram provocados pelo sorotipo 3. Para não perder esse controle de vista, o governo paulista estabeleceu 71 unidades de verificação genômica do vírus. Segundo o programa sentinela, o tipo 3 circula atualmente sobretudo no noroeste do estado. Entre Araçatuba e São José do Rio Preto, em média 255 a cada 100 mil habitantes já adoeceu nas duas primeiras semanas de 2025 –17% a mais do que nas duas cidades mais afetadas no ano anterior.

Na última semana, Araçatuba, a cidade com situação mais grave, se tornou mais uma das dezenas de cidades paulistas em estado de emergência devido à dengue, um problema que a vacina só deve minimizar em 2026.

Pacote agressivo

A contingência da dengue nos últimos anos é afetada pela baixa oferta da vacina. A única disponível no sistema público atualmente é a japonesa Qdenga, produzida pelo laboratório Takeda. No entanto, o volume de produção está longe do suficiente para atender a população brasileira.

O Ministério da Saúde informou ter adquirido toda a produção da vacina para 2025 que o laboratório forneceu, 9,5 milhões de doses. Com a aplicação de duas doses por pessoa, aproximadamente 4,25 milhões de brasileiros receberão o imunizante. “Claro que é um passo adiante, mas ainda é muito pouco para o tamanho da população do Brasil. Não vamos ter ilusão que a vacina vá bloquear a circulação do vírus em 2025” reconhece Rivaldo da Cunha, secretário adjunto do Ministério da Saúde para Vigilância em Saúde e Ambiente.

O mesmo vale para a vacina do Butantã com os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. Apesar da vantagem de ser aplicada em dose única, ela ainda está em processo de aprovação na Anvisa. Cunha não tem dúvida de que será aprovada, “no entanto, até termos um volume grande de vacina disponível para a sociedade, provavelmente estaremos em fevereiro ou março de 2026”.

O epidemiologista da Fiocruz Amazonas Jesem Orellana também relativiza o esforço de imunização: “O que o Ministério da Saúde fez em 2024 foi positivo de um lado, porque introduz uma vacina importante e de forma inédita na saúde pública, no mundo, mas limitada ao mesmo tempo, porque protege quem não precisa tanto ser protegido. Desses 6 mil óbitos, quantos tinham entre 10 a 14 anos?”

Até o momento o laboratório Takeda não obteve resultados consistentes em testes clínicos para o uso da Qdenga na população mais vulnerável, acima dos 60 anos de idade. Além disso, o percentual de cobertura foi menor para o tipo 3 do vírus, enquanto não há análises para o tipo 4, ausente no Brasil.

Combate ao mosquito vetor da dengue

Enquanto a imunização em massa da população não é possível, as instituições de Estados e da União investem no combate ao mosquito vetor da doença. Drones passaram a ser usados como complementos das ações de prevenção já realizadas pelos agentes de combate a endemias, que nesta época do ano atuam com maior intensidade.

Quando um paciente está com sintomas e procura atendimento numa unidade de saúde, esta tem obrigação de notificar o caso à vigilância sanitária dentro de 24 horas. Confirmado o caso, a unidade de vigilância sanitária responsável deve encaminhar uma equipe que percorre um raio de 150 metros em torno da residência do paciente, buscando orientar os vizinhos e retirar qualquer criadouro onde haja acúmulo de água.

“Cada vez que aparece um caso positivo, a gente tem que desencadear essa ação de bloqueio de criadouros e de nebulização. Porém os casos são mais concentrados no período de chuvas e no período de calor – que vem se estendendo com as mudanças climáticas”, explica a bióloga Thais Cobelli, em meio a uma ação no bairro do Capão Redondo, zona sul de São Paulo.

Apesar de todas as medidas, há na região aproximadamente dez novos pacientes por dia, quando o número esperado seria cerca de três. Cobelli aponta para a quantidade de tonéis, baldes e caixas d’água no bairro, ilustrando um problema de infraestrutura que Rivaldo da Cunha classifica como crucial na falha no combate ao mosquito.

“O abastecimento de água no Brasil foi universalizado, mas é rara a semana em que numa região metropolitana não falte água em algum bairro. Qual é o problema do fornecimento intermitente da água? Sabendo que ficará sem, no dia em que há água na torneira, a população vai armazená-la em todos os objetos possíveis, que muitas vezes se transformam em focos do aedes”, aponta o médico especialista em doenças tropicais. “Nós temos que resolver esse problema estrutural da sociedade.”

Biotecnologia em ação

Diante da dificuldade de combater os focos do aedes aegypti casa-a-casa, pesquisadores brasileiros buscam alternativas: se é impossível erradicar no curto prazo o mosquito, presente no país desde o começo do século 20, a estratégia é impedir que ele transmita o vírus da dengue.

Um dos projetos mais promissores neste sentido, o Wolbachia, é desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, e faz parte do World Mosquito Program, criado na Austrália. A bactéria wolbachia está presente naturalmente em 60% dos insetos, incluindo mosquitos. No aedes aegypti, ela impede que os vírus da dengue, zika, chikungunya e febre amarela se desenvolvam, evitando a contaminação.

Nos laboratórios da Fiocruz são cultivados ovos de aedes contaminados com wolbachia, e os mosquitos são então soltos no ambiente, misturando-se à população nativa e a contaminando. Até 2025, o projeto foi aplicado em Niterói (RJ), Campo Grande (MS) e Petrolina (PE), com resultados positivos.

“Em Niterói, pudemos comparar uma área com intervenção versus uma sem, e vimos uma redução de dengue em aproximadamente 70%. Já no No Rio de Janeiro, a gente atuou na Ilha do Governador e na área da Maré, do Complexo do Alemão, e aí tivemos uma redução média dos casos de dengue de 40%”, afirma Diogo Chalegre, líder de oprações do World Mosquito Program Brasil.

Atualmente o projeto produz de 15 a 20 milhões de ovos por semana na sede da Fiocruz no Rio de Janeiro. Ao longo do ano, serão inauguradas dois laboratórios do gênero, em Curitiba e no Ceará, que ampliarão a produção semanal para 150 milhões. Com isso, o Ministério da Saúde planeja implantar o programa em 45 cidades, beneficiando até 12 milhões de habitantes.

“Em dez anos de programa cobrimos 5 milhões de pessoas, ao finalizar este ano serão mais mais 7 milhões, mais que dobrando a capacidade”, celebra Chalegre. “Isso é compreensível, porque o projeto nasceu como uma pesquisa e só agora foi incorporado como tecnologia para o controle da dengue.”

Além do wolbachia, há projetos de implantação de armadilhas que contaminam mosquitos com larvicida, que por sua vez espalham o veneno para outras populações, além de outras iniciativas custando ao Ministério da Saúde R$ 1,5 bilhão. Além disso, o secretário Rivaldo da Cunha conta com eventuais incrementos dessa verba, ao longo do ano.

“Quando há um problema dessa magnitude, não vai existir divergência político-partidária no parlamento. Eu não tenho a menor dúvida de que o Congresso aprovaria uma medida provisória para colocar aporte extraordinário no sistema de saúde, se necessário”, antecipa, otimista. Seu otimismo ressoa com colegas que se recusam a aceitar que seja normal ter até 6 milhões de casos de uma doença “absolutamente evitável”, como o dengue.

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