O ministro dos Transportes, Renan Filho, avalia em entrevista a Renata Agostini, do O Globo, que o governo errou ao ceder às críticas e à pressão da oposição. Após a revogação da norma da Receita que ampliou o monitoramento sobre transações por Pix, o auxiliar de Lula da Silva (PT) avalia que era preciso partir para a luta política, já que o Executivo tinha o “argumento certo”. Segundo Renan Filho, se o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tivesse entrado numa campanha, seria possível superar a disseminação de “mentiras”.
O governo tomou a decisão correta ao revogar a norma sobre o Pix?
Acho que o governo deveria ter insistido, porque estava do lado da verdade. Recuar significa utilizar uma arma desproporcional para encerrar o debate. É como se não tivesse a necessidade de se comunicar bem. Na política, sempre se tem que perseverar na discussão e convencer as pessoas, sobretudo quando você está com o argumento certo. O vídeo que o Nikolas gravou é mentiroso. Tem que ser combatido por alguém do tamanho do ministro Fernando Haddad.
Uma campanha com Haddad teria efeito?
Se fizesse o combate, teria. Mas, para isso, seria necessário perseverar. As pessoas iam ver que era mentira. Houve a troca na Secom, está no começo. Não sei de onde veio a orientação. Mas sei que, na política, desistir dá essa vitória aí (para a oposição). Quando um cara do outro lado conta uma mentira grosseira, como Nikolas contou, tem que ser um cara que tenha “punch” para dizer: “Tá vendo esse rapaz aqui? É por isso que a política chegou nesse ponto, porque pessoas desse nível topam mentir para disseminar ódio”. E aí o Nikolas não aguenta. Ele corre.
O governo tinha que ter partido pra briga?
Com certeza. O problema é que mentira na rede precisa ser combatida com disponibilidade. Não é que o governo não tenha capacidade. O governo não atua. Enquanto Nikolas dedica dez horas por dia para gravar vídeo, quantas horas Haddad grava? Haddad tem muito mais credibilidade, mas tem que usar a ferramenta adequada, fazer um “react”, que é o que se usa para descredibilizar quem está mentindo. Tem que ser alguém que as pessoas conheçam, com autoridade moral para falar. O vídeo do Lula com a doação ao Corinthians bombou, só que não foi bala de prata. O governo precisa fazer esse combate diariamente, não só na crise. Lula tem muito mais realizações do que Bolsonaro.
Teremos uma segunda metade do governo com juros em alta, incerteza sobre inflação. É um cenário mais difícil.
Por isso, precisamos ancorar novamente as expectativas. Não se pode depositar toda a responsabilidade de conter a inflação na política monetária. Esse ano a meta do arcabouço é déficit zero. Tem que garantir que vai cumprir. Em alguns momentos, ruídos foram gerados em torno disso.
É o momento de abrir mais espaço para partidos aliados?
O presidente Lula é o maior líder de centro do Brasil. Defendo o exercício da Frente Ampla dentro do governo. Entendo que há espaço para que o governo faça uma reforma e ela amplie a sustentação no Congresso. Precisa resolver também o problema das emendas. Isso cria ruído. O movimento mais importante o ministro Haddad já fez ao colocar emenda dentro do arcabouço. Se tiver espaço político para reduzir, bom. Se não tiver, exija-se transparência. O que eu defendo é virar a página. Essa briga com o Congresso deixa o governo sempre em dificuldade.
Um dos argumentos para uma reforma é construir alianças em 2026. Mas partidos como o MDB não estão dispostos a decidir agora. Não seria inócuo?
Não. Ou, quando chegar lá na frente, o cara vai dizer “pô, tu nunca fez nada, vou ficar contra”. É como mandar flores a alguém. O MDB vai decidir qual caminho vai tomar por convenção. Não tem no mundo quem saiba. Mas isso impede o governo de prestigiar o partido? A política toda é feita de gestos. Se houver consonância, fica mais fácil. Se vier acompanhado de aprovação alta do presidente, mais fácil ainda. O MDB não tem identidade com o bolsonarismo raiz. No máximo, estará neutro ou terá candidato próprio. Votar no negacionismo, no golpe, é muito difícil. Por isso, defendo o exercício de conquistar esse MDB.
A conversa sobre a vice de Lula tem de estar nisso?
O presidente vai, no tempo apropriado, discutir isso também. Para a eleição passada, a indicação do vice-presidente Geraldo Alckmin foi uma construção muito boa, porque ampliou a candidatura. Foi uma aliança de adversários históricos demonstrando que, se for para defender a democracia, a gente precisa se unir. Foi um discurso importante para aquela eleição. Qual vai ser o discurso para essa?
Sob essa ótica, seria interessante então considerar o MDB para uma chapa?
O presidente vai fazer uma reflexão com relação a todos os partidos, inclusive o PT. Ele pode decidir por uma chapa “puro sangue” petista. Não tem decisão simples. O presidente tem que olhar o que o ajuda mais eleitoralmente e na sustentação congressual. Valorizar o bom companheiro é importante, mas às vezes a eleição precisa de outro que amplie mais. Lula é franco favorito. Jair Bolsonaro está inelegível e o campo dele está divididíssimo.
O senhor vai ser candidato ao governo de Alagoas?
É uma possibilidade. Vou discutir isso com o nosso grupo político de lá. A preferência hoje no MDB é essa. Isso se não acontecer nenhum fato novo.
Por exemplo, a vice de Lula?
A vice é a circunstância, não está dependendo tanto disso. Mas assim, se não acontecer nenhum fato novo, acho que o MDB local vai querer. É natural que cogitem o meu nome agora, mas também está um pouco longe. Ainda tenho muitas tarefas aqui. O presidente, de vez em quando, me diz para eu não ser candidato.
Por quê?
Não sei também. Fico com vergonha de perguntar. Ele fala que já fui governador, que é importante ter figuras experientes no Senado, na Esplanada. A política está mudando muito, tem um ambiente de mentira que precisa ter gente com densidade para combater.