O governo federal recuou nesta semana de uma regra que havia entrado em vigor no dia 1º de janeiro que alterava algumas normas que regem o Pix — o meio de pagamento instantâneo no Brasil.
As novas regras obrigavam diversas instituições financeiras e empresas de pagamentos a informarem a Receita Federal sobre movimentações mensais acima de R$ 5 mil para pessoas físicas e R$ 15 mil para pessoas jurídicas.
O governo ressaltou que esse monitoramento não alterava o sigilo bancário — um direito de todos no Brasil de que suas transações bancárias não são compartilhadas, nem mesmo pelo governo — e que também não haveria nenhuma cobrança de taxas sobre transferências com Pix.
Segundo a Receita Federal, as regras sequer teriam qualquer mudança para usuários do Pix — e se aplicavam apenas às instituições financeiras e empresas de pagamento.
No entanto, uma onda de boatos se espalhou sobre a intenção do governo de taxação do Pix. Diante dos boatos, o governo recuou da medida.
Quais dados são informados à Receita Federal?
O governo federal diz que o monitoramento de transações financeiras via Pix é feito pela Receita Federal para identificar grupos criminosos ou sonegadores.
Segundo o governo, as movimentações de Pix já eram informadas pelas instituições financeiras à Receita Federal. Isso acontece desde 2022, quando foi publicado o Convênio ICMS 166/2022.
E não se trata apenas do Pix. Outras transações mensais com valores superiores a um certo limite também são informadas, como cartões de crédito e transferências por TED (Transferência Eletrônica Disponível).
Esse dados são repassados por bancos desde 2003. Mas nos últimos anos, com o surgimento de novas tecnologias, apareceram novos agentes econômicos que também realizam transações financeiras entre as pessoas e não estavam enquadradas na lei.
Segundo o governo o que a nova norma atualizava é “estender essa obrigação também a instituições financeiras tais como as fintechs e outras soluções de pagamento e transferência, como as carteiras digitais e moedas eletrônicas”.
A medida também mudou os limites de movimentação para monitoramento — de R$ 2 mil para R$ 5 mil no caso de pessoas físicas; e de R$ 6 mil para R$15 mil para pessoas jurídicas.
“Isso é bom para o contribuinte, porque diminui a chance de passar por fiscalização e também é bom para a Receita Federal, porque ela pode focar a sua energia em quem realmente precisa ser fiscalizado”, disse Robinson Barreirinhas, secretário da Receita Federal do Brasil.
As instituições financeiras reportam apenas os valores consolidados de operações, sem a identificação de beneficiários ou natureza das transações. O sigilo bancário não é violado.
O que a receita faz com dados do Pix?
A Receita Federal diz que o monitoramento das transações de Pix é feito como parte do esforço para identificar criminosos e sonegadores.
A forma como a Receita faz isso é através do cruzamento de dados — ou seja, levantando diversas informações sobre pessoas e empresas e buscando entender se elas fazem sentido entre si.
A Receita Federal tem diversas fontes de informação, como as declarações (de imposto de renda de pessoas e empresas, de serviços médicos ou de atividades imobiliárias, por exemplo), alguns dados bancários e de movimentação financeira que não estão sob sigilo bancário e dados de cartório.
Os dados dessas diversas fontes são cruzados na busca de inconsistências.
Por exemplo: se uma empresa ou pessoa declara ter feito uma grande doação a uma instituição de caridade, mas essa instituição não declara ter recebido nenhum grande aporte, isso pode ser um indício de sonegação.
A Receita possui sistemas automáticos que identificam essas inconsistências e colocam declarações em uma “malha fina” — uma análise mais aprofundada dos dados.
Entre as diversas informações que a Receita Federal usa estão os dados de Pix informados pelas instituições financeiras — que virou alvo de boatos ao longo desse mês.
Todos os dados de movimentação superiores aos limites que falamos acima são informados em um sistema informático conhecido como Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), que existe desde 2007.
O conjunto de arquivos que as instituições financeiras passam para a Receita se chama e-Financeira, que foi adotado em 2016. A e-Financeira substituiu outra declaração que já existia antigamente (a Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira, ou DIMOF).
A lista de instituições que precisam fornecer dados de seus clientes na declaração e-Financeira é atualizada de tempos em tempos. Em 2020, foram incluídos na lista planos de saúde, seguradoras, corretoras de valores, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, administradoras de consórcios e entidades de previdência complementar.
As informações são prestadas duas vezes ao ano: no último dia útil de fevereiro e no último dia útil de agosto.
Esses dados também são parte de um esforço internacional para se combater crimes como lavagem de dinheiro. O e-Financeira foi criado depois que o Brasil assinou em 2014 um acordo com os Estados Unidos em que os países compartilham dados que ajudem a identificar potenciais crimes financeiros.
O monitoramento do Pix não viola o sigilo bancário?
A Receita Federal diz que o sigilo bancário — regulado pela Lei Complementar 105/2001— não é violado com o monitoramento de dados do Pix através das declarações e-Financeira. A lei detalha os casos em que o sigilo bancário pode ser quebrado — mas isso sempre envolve a necessidade de decisões judiciais específicas.
No caso do monitoramento de dados através das declarações e-Financeira, o sigilo não está sendo violado porque a Receita não tem acesso a detalhes das transações de Pix, como quantas transações foram feitas, a natureza do dinheiro envolvido e com quem foi feita a transação.
Os dados repassados à Receita são apenas consolidados — e nos casos em que o total mensal das transações são superiores aos estabelecidos pela regra (mais de R$ 5 mil mensais para pessoas físicas ou R$ 15 mil para pessoas jurídicas).
Esses consolidados são usados para checar se não há inconsistências com o que foi declarado por pessoas e empresas em outras declarações, como no caso da declaração do imposto de renda.
Quais os riscos de monitoramento do Pix? Pode haver taxação?
Na quarta-feira (16/1), quando foi feito o anúncio do recuo do governo federal nas novas regras do Pix, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o governo vai editar uma Medida Provisória para reforçar a gratuidade do uso do Pix e todas as cláusulas de sigilo bancário em torno do método.
A Fenacon — federação de empresas de contabilidade — disse na época em que o Pix passou a ser monitorado que “a Receita Federal tem acesso a um volume maior e mais detalhado de dados sobre as transações financeiras das empresas, o que permite uma fiscalização mais rigorosa e eficiente”.
No entanto, a entidade também alertou para riscos que as pequenas empresas sofrem com o cruzamento de dados do Pix. A Fenacon enumerou três problemas:
- Aumento do risco de autuações fiscais: “com base nas informações obtidas pelas transações por Pix, a Receita Federal pode autuar empresas que não estejam cumprindo suas obrigações fiscais, como a emissão de notas fiscais ou o pagamento de impostos”.
- Necessidade de maior controle fiscal: “as empresas precisam ter um controle fiscal mais rigoroso, registrando todas as suas transações de forma correta e documentando-as adequadamente. Isso inclui manter um livro caixa atualizado e emitir notas fiscais para todas as vendas, mesmo para pequenas quantias.”
- Custos com profissionais contábeis especializados: “o aumento da complexidade da gestão fiscal pode levar à necessidade de contratar profissionais contábeis especializados”.