A Polícia Federal na Bahia deflagrou na última semana uma operação para investigar um suposto esquema bilionário de desvio recursos públicos e emendas parlamentares. O relatório da investigação, obtido pelo jornal O Globo, mostra indícios de como foram manipuladas licitações e contratos públicos que movimentaram R$ 1,4 bilhão e levou à apreensão de 23 carros de luxo, três iates, seis imóveis, joias e mais de R$ 3 milhões em espécie.
Batizada de Overclean, a operação apura a suspeita de um desvio de recursos em contratos públicos. “Apenas em 2024, [o grupo] celebrou contratos no valor de R$ 825 milhões”, diz nota publicada pela CGU, que informou ter identificado um “superfaturamento parcial” de mais de R$ 8 milhões em contratos do Departamento Nacional De Obras Contra a Seca (DNOCS).
Durante a operação, o empresário Alex Rezende Parente foi flagrado com uma mala com R$ 1,5 milhão quando seguia em um jatinho particular com destino a Brasília. Ao ser questionado, ele afirmou à Polícia Federal que queria comprar maquinário para sua empresa com o dinheiro em espécie.
Segundo a PF, Alex é sócio de “diversas empresas usadas no esquema”, tendo movimentado “grandes quantias utilizando notas fiscais frias para simular serviços inexistentes”. Sua defesa afirmou que ainda que não teve acesso integral aos autos e que vai “esclarecer todos os fatos no curso da investigação e eventual processo”.
Em depoimento prestado após a prisão, Alex disse que o dinheiro apreendido no jatinho era “proveniente de venda de alguns equipamentos pesados”. “Ademais, vem juntando dinheiro há mais de um ano, razão por que tinha esse montante”, diz trecho do depoimento prestado à PF.
O empresário ainda afirmou que sua intenção era deixar o dinheiro guardado em um imóvel em Brasília e que transportou o montante para capital federal “mais porque não queria deixar em Salvador”, além do “maquinário na capital baiana ser mais caro”.
Para a PF, os valores transportados tinham origem ilícita e seriam destinados para pagamento de propina em Brasília, conforme consta na decisão que autorizou a operação. Foi apreendida também uma planilha contendo relação de contratos e valores totalizando mais de R$ 200 milhões em contratos suspeitos no Rio de Janeiro e no Amapá.
Rei do lixo
Outro alvo da PF é José Marcos de Moura, conhecido como “Rei do Lixo”, membro da executiva nacional do partido União Brasil. O empresário foi um dos presos preventivamente pela polícia nesta semana, junto com outras 16 pessoas. Segundo a PF, ele atuou como “articulador político e operador de influência” na organização. A defesa do empresário foi procurada, mas não se manifestou.
“Ele utiliza sua rede de contatos e influência política para interceder junto a autoridades, protegendo os interesses da organização, facilitando o andamento de contratos e o desbloqueio de pagamentos. Moura é uma figura-chave que conecta os líderes da organização com figuras políticas de relevância, garantindo que os esquemas de fraude continuem operando sem interrupções. Denota-se que, inclusive por outras conversas analisadas, que Marco Moura é uma espécie de articulador de relevância para o grupo criminoso e que tem preponderância nas decisões das secretarias e em outras cidades”, afirma a PF no relatório encaminhado ao Judiciário.
A investigação teve início a partir de irregularidades detectadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) em contratos pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional. A beneficiária das negociações era uma empresa que tem como sócios Alex Parente, apontado como o líder da organização e que recorria aos auxílios de Marcos Moura, e seu irmão, Fábio Parente.
Segundo a PF, a empresa era beneficiada pelo então coordenador-regional do Dnocs na Bahia, Lucas Lobão. Os três também foram presos na terça-feira. No último dia 3, Alex e Lobão estavam em um jatinho com R$ 1,5 milhão em espécie que saía de Salvador com destino a Brasília e foi abordado pela PF em uma ação controlada no âmbito da investigação.
A defesa de Alex Parente, Fábio Parente e Lucas Lobão afirma que não teve acesso integral aos autos e que vai “esclarecer todos os fatos no curso da investigação e eventual processo”. “Eles estão com suas famílias empenhados em esclarecer os fatos e fazer justiça, e serão tomadas as medidas legais para a restituição de sua plena liberdade”, informou.
A polícia afirma que o grupo manipulava processos licitatórios, superfaturava contratos, desviava recursos públicos e ocultava a origem ilícita desses fundos por meio de diversas empresas. Os investigados usavam ainda documentos falsos para justificar pagamentos por serviços que não foram executados conforme contratado, de acordo com a PF. Para receber de forma antecipada, aponta a investigação, a empresa do grupo apresentava relatórios fotográficos falsos com o objetivo de comprovar serviços que ainda não tinham sido executados.
Além da atuação no Dnocs, a polícia afirma que Lobão é sócio oculto da empresa e utilizava “sua influência política para facilitar a obtenção de contratos e a liberação de pagamentos”. “Ele faz a ligação entre a organização criminosa e autoridades políticas, ajudando a garantir suporte para as atividades ilícitas e protegendo os interesses da organização, além de ter, diretamente, direcionando os procedimentos licitatórios dentro do Dnocs, quando era responsável por este órgão”, diz a PF.
As apurações foram aprofundadas após o mapeamento das atividades financeiras do suposto grupo criminoso por meio de um Relatório de Inteligência Financeira (RIF), do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), no qual verificou-se movimentações atípicas dos investigados entre fevereiro de 2017 e novembro de 2023, indicativas de lavagem de dinheiro e corrupção.