Após anúncio do longamente negociado pacto de livre comércio, veículos da Alemanha, Áustria, França e Itália consideram vantagens, porém registrando a resistência de governos como francês e polonês, antes da assinatura.Zeit Online (Alemanha) – A luta errada
É bem possível que mais uma vez o acordo não se concretize. Sobretudo na França e na Polônia, os governos resistem, curvando-se à pressão de seus agricultores. Isso já transcorreu assim várias vezes, por fim em dezembro de 2023. No último minuto, exigiram-se, por vontade da União Europeia, emendas ao acordo pronto em questões ambientais e das cadeias de abastecimento – possivelmente uma tática de procrastinação.
Aqui há muito a dizer, no tocante ao equilíbrio entre moral e negócios. Partidários do acordo contrapõem aos agricultores em protesto que ele de modo algum prevê a importação de volumes ilimitados de produtos agrícolas para a Europa. Em relação à carne bovina, por exemplo, vigoram limites estreitos. E há também a contrapartida de que os próprios fazendeiros europeus vão poder exportar muito para a América do Sul: frutas, legumes, óleos, até carne de vaca.
O outro argumento é que nem sempre se deve seguir a vontade dos agricultores. Grandes vantagens do acordo estão em setores economicamente mais importantes, como engenharia mecânica, energia verde, química, exportações tecnológicas da Europa para a Argentina, importação de matérias primas cobiçadas do Brasil para a Europa.
Süddeutsche Zeitung (Alemanha) – Acordo não é perfeito, mas também tem bons efeitos
O temor dos criadores de gado franceses perante a carne da América do Sul é, em si, injustificado: o volume de importações permanece restrito demais. No entanto, são justificadas as apreensões dos ambientalistas: os fazendeiros dos países do Mercosul vão lucrar certamente também às custas da natureza, pois se poderá desmatar ainda mais florestas e usar ainda mais pesticidas, apesar de todas as assertivas em contrário.
No entanto, a aliança comercial é oportuna. Pois também outros têm interesse nos produtos da América do Sul. Nos últimos anos, a China se transformou na mais importante parceira comercial da maioria dos países do Mercosul. Pequim quer soja, ferro, óleo e carne, e considerações ambientais só têm relevância secundária – se tiverem. A UE é bem diferente; o novo acordo comercial pode não ser perfeito, mas pelo menos é uma possibilidade de seguir exercendo influência sobre esses Estados.
Die Presse (Áustria) – Acordo do Mercosul: Alcançado consenso político básico
Quanto à criação de uma zona de livre comércio entre a UE e o Mercosul, na realidade já se havia alcançado um consenso político básico no verão de 2019. Entretanto o pacto voltou a ser questionado por diversos Estados-membros da UE, como França, Polônia ou Áustria, e seguiram-se anos de novas negociações.
A postura contrária da Áustria quanto ao acordo do Mercosul está constitucionalmente congelada desde 2019, por um veto do Conselho Nacional.
[…]O acordo entre a UE e os países do Mercosul criaria uma das maiores zonas de livre comércio do mundo, com mais de 700 milhões de habitantes. Ela visa, acima de tudo, reduzir taxas aduaneiras e assim propelir o comércio.
Políticos do comércio veem no planejado acordo, além disso, uma mensagem ao futuro presidente americano Donald Trump, e um importante passo na luta de concorrência com a China. A ideia é mostrar a Trump que, no longo prazo, acordos de livre comércio em funcionamento são melhores para a economia nacional do que a alienação de mercados com novas tarifas e outras barreiras comerciais.
Le Monde (França) – França: acordo só envolve a Comissão Europeia
Desde o verão se aceleraram as discussões entre a Comissão Europeia, que negocia em nome dos Vinte e Sete [membros da UE] e o Mercosul. Já em dezembro de 2023, Ursula von der Leyen pensava que o acordo estava ao alcance da mão, mas teve que renunciar in extremis. Emmanuel Macron – de que ela ainda precisava para ser reconduzida à liderança da Comissão, após as eleições europeias de 9 de junho – lhe expressara mais uma vez sua oposição categórica. Enquanto isso, em Buenos Aires, o presidente argentino cessante preferiu deixar a decisão para seu sucessor, Javier Milei, recém-eleito mas ainda não empossado.
Faz 25 anos que a Comissão Europeia e o Mercosul negociam. Em 2019, já se alcançara um acordo entre as duas partes, mas a França assumiu a liderança da rebelião, convencendo vários outros Estados europeus, a começar pela Alemanha. O Executivo comunitário, de fato, não tem poder de ratificação: este fica nas mãos dos Estados-membros e Parlamento Europeu, os únicos que podem lavrar em pedra um tratado comercial.
Libero Quotidiano (Itália) – Giorgia Meloni detém Von der Leyen: “Não há condições para assinar”
À oposição da França e da Polônia, soma-se o “alto lá” italiano. O governo – informavam na noite de ontem [05/12] fontes do Palácio Chigi – sustém que não há condições para firmar o atual texto do acordo de associação UE-Mercosul, e que a assinatura só virá havendo condições de tutela adequadas e compensações para eventuais desequilíbrios do setor agrícola.
[…]Em nossas mesas vão chegar bifes e hortaliças com um impacto ambiental bem superior ao dos produzidos no Velho Continente, apesar da guinada “green” feita sobre os ombros dos agricultores e na pele dos consumidores.
Sem contar que, com o previsível boom das exportações de produtos alimentares do Mercosul, teremos transferido as emissões carbônicas para além dos confins da Europa – multiplicando-as, visto que cultivadores e criadores sul-americanos não hão de estar sujeitos às constrições ambientais impostas por Bruxelas.
A reciprocidade invocada pelo governo parte daí – estando-se ciente que, se Bruxelas viesse assinar o tratado mesmo assim, seriam necessárias compensações, para evitar o colapso da agricultura e zootecnia europeias.