Com o avanço da Operação Faroeste, que investiga a venda de decisões judiciais de Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), a Polícia Federal descobriu conforme reportagem de Rayssa Motta, do jornal O Estado de S. Paulo, que o esquema de negociação de sentenças era tão amplo que atendia grupos rivais em disputas fundiárias milionárias.
O ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), relator de diferentes processos e inquéritos desmembrados a partir da investigação principal, afirmou o esquema é “grandioso e altamente complexo, contando com diversas organizações criminosas, que ora se enfrentavam, ora atuavam em conjunto”.
As informações estão registradas no voto do ministro, obtido pelo Estadão, que abriu caminho para a deflagração de uma ação penal contra a desembargadora Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo por corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Os ministros da Corte Especial do STJ acompanharam o posicionamento de Og Fernandes por unanimidade.
A investigação que levou à denúncia contra a desembargadora teve uma guinada a partir da delação do advogado Júlio César Cavalcanti Ferreira, que foi assessor do Tribunal de Justiça da Bahia. Ele próprio revelou que intermediou a venda de decisões para grupos distintos de produtores rurais que litigavam entre si. O Ministério Público Federal aponta o advogado como “fio condutor” das negociações.
A PF encontrou 2.255 arquivos de texto no computador do advogado. São minutas de decisões, despachos, relatórios e acórdãos referentes a mandados de segurança, agravos de instrumentos e apelações cíveis que teriam sido redigidos por ele para serem despachados por pelo menos seis desembargadores em troca de propinas.
O advogado foi o pivô do flagrante que é considerado pelos investigadores a “prova de fogo” contra Sandra Inês. Ele participou de uma ação controlada que envolveu a entrega de R$ 250 mil em dinheiro vivo ao filho da desembargadora, advogado Vasco Rusciolelli Azevedo, apontado como operador financeiro da mãe.
O inquérito tomou uma proporção tão grande que todos os investigados, agora réus no processo criminal, fecharam delação premiada antes de o STJ receber a denúncia, incluindo Sandra Inês, a primeira desembargadora do País a assinar um acordo de colaboração. Todos os depoimentos estão gravados.
A delação da desembargadora, no entanto, está sob ameaça. Og Fernandes rescindiu o acordo alegando que as cláusulas foram descumpridas. A defesa prepara um recurso.
Ao votar para abrir a ação contra a magistrada, Og Fernandes afirmou que “há farto material probatório” indicando a autoria e a materialidade da negociação de decisões e do recebimento de propinas.
“Os fatos narrados não indicam uma relação pontual de corrupção de agente público (desembargadora), mas ação coordenada de pessoas para integrar organização criminosa”, escreveu o ministro.
O Ministério Público Federal afirma na denúncia que Sandra Inês aceitou uma proposta de propina de R$ 4 milhões em troca de decisões favoráveis à Bom Jesus Agropecuária em pelo menos três processos. Ela teria recebido efetivamente R$ 2,4 milhões, entre 2018 e 2020.
Dois imóveis de luxo, em Salvador e na Praia do Forte, teriam sido comprados e reformados com o dinheiro de propina, segundo a investigação.
Documentos apreendidos com Júlio César foram periciados e demonstraram que o advogado redigiu decisões posteriormente proferidas pela desembargadora. A análise atestou que os arquivos têm os mesmos erros de ortografia e formatação idêntica.
A defesa da desembargadora, patrocinada pelos advogados Oberdan Costa, Maria Luiza Diniz e Samara de Oliveira Santos Léda, estuda o melhor caminho para recorrer da decisão que abriu a ação penal. Segundo a defesa, diversos questionamentos apresentados antes do julgamento não foram apreciados pelo STJ.