Mudanças nas regras para aposentadoria dos militares estão entre os ajustes do pacote de cortes de gastos anunciado pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad nesta quinta (27) em rede nacional.
Planejado para equilibrar as contas públicas, o pacote proposto pelo governo prevê uma série de medidas para evitar um aumento das despesas em algumas áreas que correspondem a gastos maiores ou onde há maior desequilíbrio financeiro.
Medidas para evitar um aprofundamento da dívida pública são vistas como necessárias pelo governo, pela oposição, por economistas e pesquisadores e pelo mercado.
Segundo Haddad, a previsão do governo é de economizar R$ 70 bilhões pelos próximos dois anos.
O anúncio era esperado para a semana passada, mas justamente as negociações com os militares para chegar a um acordo atrasaram a divulgação, segundo o jornal Folha de S.Paulo. O governo também articulava a apresentação do pacote ao Congresso e a divulgação pública do anúncio.
Embora o pacote anunciado tenha outras medidas mais importantes pelo tamanho da contenção de gastos, o impacto fiscal das mudanças para o setor militar não é irrelevante, explica o economista Marcus Pestana, um dos diretores da IFI (Instituição Fiscal Independente).
“O nosso sistema previdenciário é desequilibrado como um todo, e nele, o sistema previdenciário militar é o mais desequilibrado, é o que tem maior distância entre gasto e arrecadação (gerando enorme déficit)”, afirma Pestana.
Em 2023, esse desequilíbrio no SPSMFA (Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas) gerou um rombo de R$ 49,7 bilhões nos cofres públicos, segundo um documento da Corte de Contas de junho de 2014.
Segundo o governo, as mudanças anunciadas por Haddad têm o objetivo de diminuir esse déficit.
Para pesquisadores, incluir os militares na contenção fiscal é tão importante do ponto de vista financeiro quanto do ponto de vista político.
“Embora a economia não seja comparável com mudanças em gastos que atingem um grupo maior de pessoas, ajustes (na previdência militar) entram como uma sinalização importante do governo de que está fazendo o ajuste para todos” diz Guilherme Klein, pesquisador do MADE (Centro de pesquisa em macroeconomia das desigualdades), da USP, e professor na Universidade de Leeds, na Inglaterra.
“É a mesma coisa dos super salários. É uma questão de justiça social. São mudanças que, sozinhas, não vão resolver o problema, mas se forem feitas em várias áreas, vão se somando. Se você vai fazer um pente fino nas contas públicas, se vai fazer no BPC (Benefício de Prestação Continuada) porque não fazer em todas as áreas?”, afirma Klein.
Além da importância financeira, existe um simbolismo político na contenção de privilégios previdenciários militares, aponta. Diversas tentativas de fazer alterações no sistema previdenciário militar já foram frustradas por causa da resistência do setor.
“As mudanças nas despesas previdenciárias dos militares parece ter um caráter mais de justiça social, tendo em vista que a categoria ficou de fora da reforma da previdência de 2019”, afirma o economista Alexandre Andrade, que também é diretor da IFI.
Qual o tamanho do déficit com pensões militares?
O valor absoluto do déficit da previdência militar — R$ 49,7 bilhões em 2023 — é menor do que o buraco no RGPS (Regime Geral da Previdência Social, o da maioria dos trabalhadores, administrado pelo INSS) e no RPPS (Regime Próprio da Previdência Social, o dos servidores públicos).
Mas o chamado déficit per capita, ou seja, o quanto cada beneficiário custa para o sistema, é 17 vezes maior na previdência militar.
O déficit per capita no INSS é, em média, de R$ 9,4 mil. Entre os servidores públicos, o déficit pode chegar a R$ 69 mil. Entre os militares, é de R$ 159 mil, segundo um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) de 2024.
“Hoje, você tem militares que servem por 35 anos contribuindo com 20% do salário, se aposentam com 55 e vivem outros 30 anos usufruindo 100% do salário. E depois da morte ainda passam para a viúva e para as filhas”, explica Pestana.
Embora uma mudança em 2001 tenha extinguido a pensão vitalícia para filhas de militares, a alteração não teve efeito para quem já recebia o valor. Além disso, os militares que entraram no serviço até 2000 mantiveram direito ao benefício caso contribuíssem com uma alíquota de 1,5%.
As mudanças propostas pelo governo agora também não passariam a valer imediatamente.
Elas serão encaminhadas ao Congresso e precisam ser aprovadas pelas duas casas para começar a valer.
Além disso, elas não modificam os direitos dos militares que já se aposentaram e devem conter regras de transição para os militares que estão na ativa no momento.
Como cortes propostos pelo governo vão atingir os militares?
Boa parte do anúncio do ministro Fernando Haddad se concentrou na divulgação das outras propostas, como a reforma no imposto de renda — com a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil — e o fim dos salários acima do teto para servidores públicos.
Segundo Alexandre Andrade, do IFI, em linhas gerais, as medidas tentam corrigir a trajetória de alguns grupos de despesas que vinham crescendo acima do arcabouço.
“Isso tende a reduzir o ritmo de crescimento desses gastos”, afirma.
Mas Haddad também citou os cortes para os militares, negociados com o ministério da Defesa.
O governo não divulgou oficialmente o quanto espera economizar com as medidas, mas Haddad afirmou a jornalistas na semana passada que contenção seria “na casa dos R$ 2 bilhões” por ano.
As mudanças anunciadas que afetam os militares foram: