Apesar do apoio de militares de alta patente e das Forças Especiais, os “kids pretos”, ao plano de golpe de Estado comandado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a trama golpista não foi adiante, entre outros motivos conforme reportagem de Rayanderson Guerra, do Estadão, pela não aderência de dois dos três comandantes das Forças Armadas à empreitada da organização criminosa. De acordo com o relatório apresentado pela Polícia Federal, os então comandantes do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, sofreram tentativas de cooptação, mas se posicionaram contra as medidas propostas pela organização criminosa para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência.
Segundo a PF, Freire Gomes, Baptista Junior e o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, foram convocados para uma reunião no Palácio do Alvorada após integrantes do núcleo jurídico do grupo, entre eles o ex-delegado da Polícia Federal e ex-ministro da Justiça no governo de Bolsonaro Anderson Torres e o ex-assessor da Presidência para Assuntos Internacionais Filipe Martins, finalizarem a minuta do decreto que concretizaria o golpe de Estado. Freire Gomes e Baptista Junior teriam sido contrários, enquanto Garnier teria se colocado à disposição da empreitada criminosa.
“O objetivo naquele momento era obter o apoio dos comandantes, para que as Forças Armadas garantissem a consumação da empreitada criminosa. Os comandantes do Exército e da Aeronáutica se posicionaram contrários a aderir a qualquer plano que impedisse a posse do governo legitimamente eleito. Já o comandante da Marinha, almirante Garnier, colocou-se à disposição para cumprimento das ordens”, diz a PF.
Em depoimento prestado no dia 2 de março deste ano aos investigadores, Freire Gomes afirmou que participou de reuniões no Alvorada após o segundo turno das eleições presidenciais, em que o então presidente da República Jair Bolsonaro “apresentou hipóteses de utilização de institutos jurídicos como GLO, estado de defesa e estado de sítio em relação ao processo eleitoral”.
“Freire Gomes ressaltou que deixou claro ao então presidente da República que o Exército não participaria na implementação desses institutos jurídicos visando reverter o processo eleitoral”, diz a PF.
O comandante do Exército afirmou que foi convocado por Bolsonaro por meio do ministro da Defesa, Paulo Sérgio. Freire Gomes confirmou que foi apresentado um decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem e que Bolsonaro teria dito que o documento estava “em estudo”.
Já o brigadeiro Baptista Junior, em seu termo de depoimento, disse que Bolsonaro estava resignado com o resultado das eleições e que “aparentou ter esperança em reverter o resultado” do pleito. O militar afirmou que alertou o então presidente que o referido estudo não tinha embasamento técnico.
“O então comandante da Aeronáutica relatou que nas reuniões tentava demover o presidente Jair Bolsonaro da ideia de utilizar os referidos institutos jurídicos. Em uma das reuniões, Baptista Junior relatou que deixou claro a Jair Bolsonaro que tais institutos não serviriam para manter o então presidente da República no poder após 1º de janeiro de 2023, deixando o assustado com sua posição”, relata a PF.
Os investigados tentaram “de todas as formas” pressionar e convencer os comandantes do Exército e da Aeronáutica a aderirem ao golpe de Estado em execução. Segundo a PF, o então ministro da Defesa realizou uma reunião, no dia 14 de dezembro, no Ministério com os três comandantes das Forças Armadas para, novamente, apresentar a minuta de decreto.
“Freire Gomes e Baptista Junior rechaçaram qualquer adesão de suas respectivas forças ao intento golpista, reiterando que não concordariam com qualquer ato que impedisse a posso do governo eleito. Já o almirante Almir Garnier ratificou sua adesão aos atos criminosos”, diz o relatório.
Além das reuniões presenciais, os investigados continuavam a investir nos ataques pessoais contra os comandantes do Exército e da Aeronáutica, utilizando as “ferramentas” da “milícia digital, disseminando em alto volume, por multicanais, de forma contínua e repetitiva informações falsas, passando a imagem ao meio militar e aos adeptos do ex-presidente Jair Bolsonaro. Os comandantes seriam “traidores da pátria” e alinhados ao “comunismo”, de acordo com os investigados.
Demóstenes Torres, que defende o almirante Almir Garnier, reiterou a inocência do investigado e disse não ter acessado a íntegra dos autos até o momento.