A ministra do Planejamento, Simone Tebet, não estava escalada para falar na reunião entre as equipes dos presidentes do Brasil, Lula da Silva (PT), e do presidente da China, Xi Jinping, ocorrida na última quarta-feira (20). Ao final, porém, o mandatário chinês pediu a palavra para reforçar o potencial de parcerias em duas áreas: tecnologia, com destaque para Embraer, e a longamente ambicionada ligação ferroviária entre Atlântico e Pacífico passando pelo Centro-Oeste brasileiro.
Lula então pediu a Tebet conforme reportagem de Lu Aiko Otta, do jornal Valor, que falasse sobre o programa Rotas de Integração Sul-Americana, criado no ano passado, cujo objetivo é criar rotas logísticas para o comércio intrarregional e abrir mais alternativas logísticas para o Pacífico.
A ministra disse a Xi que esse programa dispõe de recursos para fazer as ligações rodoviárias e hidroviárias. Porém, precisa de parcerias para construir novas ferrovias. “Quando fizemos as Rotas de Integração, nós não colocamos nada de ferrovia, e foi proposital”, disse Tebet ao Valor. “Se colocássemos as ferrovias, daríamos a percepção de que as Rotas dependem delas quando não dependem; são coisas para daqui a dez anos.”
Reunindo 190 obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) o Rotas contará com R$ 4,5 bilhões em recursos do orçamento no ano que vem, mostra relatório que será publicado hoje pelo Ministério do Planejamento, antecipado ao Valor.
No caso das parcerias com a China, os projetos a serem oferecidos pelo Brasil como objeto de parceria serão definidos em 60 dias, como ficou acertado na reunião. “Nós temos pressa, e os chineses mais ainda”, comentou a ministra.
Do lado chinês, ficou claro que permanece o interesse na ferrovia bioceânica, uma parceria que já esteve em discussão durante o governo de Dilma Rousseff (2011-2016). Porém, o traçado discutido à época não será mantido, porque passa por áreas de preservação e de povos originários no Brasil e no Peru. Isso já está claro, de forma que se avaliam rotas alternativas. A principal delas passa pelo Acre.
A linha será importante para fazer a ligação das áreas produtoras de grãos do Centro-Oeste e Norte do país com o porto de Chancay, no Peru, financiado pela China e inaugurado na semana passada. A partir de março, o empreendimento estará em plena operação, com rotas para o porto de Xangai. O porto precisará de elevados volumes de carga para se justificar, daí o interesse na produção agropecuária do Brasil.
“A ferrovia vai acelerar em muito, mas nós não precisamos dela para já exportar pelo porto de Chancay”, disse Tebet. A Rota 2, chamada de Amazônica, já permite acessar o porto por meio de hidrovias no Amazonas e no Peru.
Outras das cinco rotas estão em andamento. Nos próximos dias, Lula deverá assinar a ordem de serviço para iniciar uma das obras mais emblemáticas do programa, que também está na carteira do PAC: a ponte binacional Brasil-Bolívia, sobre o rio Mamoré, que ligará a cidade de Guajará-Mirim, em Rondônia, a sua irmã Guayaramerín, do lado boliviano, na província de Bêni.
“É uma dívida histórica do Brasil”, ressaltou o secretário de Articulação Institucional do Ministério do Planejamento, João Villaverde, que coordena o programa. A obra está prometida desde 1903, quando o Brasil incorporou o que hoje é o Acre. Faz parte da Rota 3, chamada Quadrante Rondon, que ligará o centro e o Norte do país a portos no Peru e no Chile.
No Brasil, o Rotas conta principalmente com recursos da União e do BNDES. Os países vizinhos recebem recursos dos organismos multilaterais, que oferecem. Tebet quer dialogar com outras instituições, como o Banco do Brics, para buscar mais recursos.
O Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata), por exemplo, financia a construção de uma rodovia no Paraguai que leva à ponte binacional em Porto Murtinho (MS).
Do lado brasileiro, a alça de acesso a ela também está em construção, com previsão de entrega em outubro do mesmo ano. É uma obra do PAC de R$ 472 milhões, para uma extensão de 13 km. “É uma obra de engenharia fenomenal, que não desmata e não atrapalha em nada o Pantanal”, frisou Villaverde.
A ponte binacional integra a rota 4, a Bioceânica de Capricórnio, que ligará os portos brasileiros de Santos (SP), Paranaguá (PR), São Francisco do Sul (SC) e Itajaí (SC) com os portos chilenos de Iquique e Antofagasta, através do Paraguai e da Argentina.
No final de 2026, é esperada a entrega da “única conexão rodoviária do Brasil com a França”, brincou o secretário. Está em pavimentação o trecho da BR 156, no Amapá, que chega a Caiena, na Guiana Francesa. A obra faz parte da Rota 1, a Ilha das Guianas.
O objetivo do Rotas é melhorar o fluxo de mercadorias e pessoas na região. Hoje, o comércio entre países de América Latina e Caribe é da ordem de 14%, bem abaixo dos 60% dos asiáticos e 68% dos europeus. Em 2023, o Brasil exportou perto de US$ 43 bilhões para os países da América do Sul (12,6% do total) e importou pouco mais de US$ 28 bilhões (11,7% do total).
Hoje, é mais barato para a Argentina trazer produtos químicos da Europa do que comprá-los no Brasil, por causa do custo logístico, exemplificou o ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral, sócio do Barral Parente Pinheiro Advogados. Há problemas também como engarrafamento nas pontes da fronteira, alto custo no transporte rodoviário e a ausência de interligação rodoviária viável entre os países da bacia amazônica. “Os projetos são muito interessantes e podem ter impacto muito grande para a exportação brasileira para a região”, comentou ele, a respeito do Rotas.
Embora as atuais discussões sobre integração regional estejam sobre a mesa desde a Constituição de 1988, agora esse projeto ganha novo impulso, avaliou Tebet. “Estamos no lugar certo, na hora certa.”
Desde a Carta, o mercado asiático ganhou peso e importância na balança comercial brasileira. Ao mesmo tempo, a fronteira Oeste do Brasil, com a produção agropecuária, passou a crescer mais do que a média nacional. A busca de rotas para o Pacífico é, mais do que antes, uma tendência natural.