● A indústria brasileira se aproxima do melhor ano em quase duas décadas, com retomada da participação na composição do PIB para 23,5%, um ponto percentual acima do ano passado e mais perto do patamar registrado no início do século XXI.
● Os serviços, com o motor do investimento tecnológico aquecido, encostam na marca histórica de 72% da composição das riquezas geradas.
● E tudo isso é balizado pelo consumo das famílias, que deve crescer 4,5% este ano, o que levou ao maior PIB per capita da história, de R$ 52,3 mil.
“Tudo isso enquanto a taxa de juros segue em dois dígitos, a economia global enfrenta desafios e a Reforma Tributária ainda não está em vigor. Imagina onde podemos chegar quando todos os fatores estiverem normalizados?”, ponderou à revista IstoÉ Dinheiro Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
Mas, ainda que a agenda do governo apresente um mar de possibilidades, a vida real é um pouco menos promissora. A estimativa de desaceleração da economia em 2025, sinalizada pelo Banco Central, coloca em xeque o plano do governo que, segundo Alckmin, é crescer mais de 9% em quatro anos.
O mapa de 2025 foi desenhado pela Fundação Dom Cabral, no estudo Cenário Macroeconômico Global e Brasil 2025. Segundo Gilmar Mendes, professor da Fundação Dom Cabral e responsável pelo estudo, um dos pilares do esfriamento da economia ano que vem se dará naturalmente com o impacto das altas taxas da Selic no poder de compra do brasileiro.
“A expectativa é que o ciclo de aumento das taxas comece a ser revertido apenas em meados de 2025, com a redução gradual da taxa Selic, mas isso ainda depende de outros fatores”, disse. Alguns destes fatores, explicou o acadêmico, são as reformas setoriais, pilares que podem destravar investimentos e regular a economia. “Além disso, o País ainda enfrenta o desafio de equilibrar suas contas fiscais e finalizar a regulamentação da Reforma Tributária”, afirmou. Se fizer a lição de casa, avaliou o professor, as projeções do Ministério da Fazenda, de crescer mais que os 2% previstos pelo Banco Central, podem se tornar realidade.
Por meio de nota técnica, o Banco Central estima que, ano que vem, as taxas de variação esperadas para o consumo das famílias, o consumo do governo e a Formação Bruta de Capital Fixo (investimentos) são 2,2%, 2,0% e 2,0%, respectivamente. “A expansão mais moderada dos benefícios sociais e de outros gastos governamentais, em comparação ao observado neste ano e no anterior, deve contribuir para atenuar o crescimento do consumo das famílias e do governo.”
Estímulo em alta
Para azeitar o motor econômico, o governo tem apostado alto na indústria. Tanto que, somando recursos públicos diretos e indiretos, a estimativa é que ao menos R$ 500 bilhões sejam injetados no segmento em 2024, a maior cifra proporcional desde 2013.
Na linha de frente ficou o BNDES que, pela primeira vez em oito anos, liberou mais recursos para a indústria do que para o agronegócio (veja gráfico abaixo). Segundo Cláudio Hamilton Matos dos Santos, coordenador de acompanhamento e estudos da conjuntura na Dimac/Ipea, o crescimento da indústria no segundo trimestre, que apresentou um incremento de 3,9% na comparação anual, foi uma boa surpresa. “Não esperávamos que a economia fosse se mostrar tão aquecida no segundo trimestre, como efetivamente se verificou.”
Quem também se surpreendeu com a resiliência industrial foi o Banco Central, comandado por Roberto Campos Neto, que mudou a projeção de crescimento do setor para o ano de 2,7% para 3,5% “devido a melhorias nos prognósticos para indústria de transformação, construção e eletricidade e gás, água, esgoto e atividades de gestão de resíduos”.
Na nas ondas positivas, o setor de serviços também nada de braçada. Maior empregador do Brasil e produzindo mais de R$ 7,00 a cada R$ 10,00 produzidos no Brasil, os empresários do ramo também têm o que comemorar. Com programas de estímulo à Pesquisa & Desenvolvimento, o governo escoará, só em 2024, R$ 186 bilhões, o maior valor da história.
Nos eventos internacionais, a promoção do Brasil como um polo de inovação também ganhou força este ano. A estimativa do Ministério da Fazenda é de um incremento de 15% em 2024 nos recursos captados no exterior só para tecnologia. Segundo Fernando Haddad, que esteve em outubro em rodadas de negócios nos Estados Unidos, as soluções que envolvem tecnologia e clima são as mais buscadas por empresários ao redor do mundo. “Mostramos que temos capacidade e tecnologia para abarcar inovação, além de biomas para se discutir o futuro do clima no mundo”, disse ele após os encontros.
Demanda interna
Outro pilar do crescimento do PIB em 2024 é o consumo das famílias, que deve crescer 4,5% este ano, motivado pela expansão dos benefícios sociais, melhora nos indicadores de emprego e liberação do crédito após o programa Desenrola. Quem sentiu esse movimento foi Felipe Tavares, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio. Segundo ele, em setembro, a intenção de consumo das famílias subiu 10,4%, embora a prioridade ainda seja quitar dívidas. “Com a redução da inadimplência, podemos concluir que as famílias estão aproveitando o crédito mais barato para ajustar seus orçamentos em vez de fazer novos compromissos”, declarou.
O subindicador do levantamento — que mede a perspectiva de consumo para os próximos três meses — continua na área de satisfação, aos 109,7 pontos. Representa alta de 7,8% na comparação com fevereiro de 2023. “A atenção das famílias brasileiras com o planejamento financeiro vem mostrando resultados no mercado de crédito e, apesar de enfraquecer o consumo, a intenção de compra permanece melhor do que em anos anteriores”, afirmou.
E se o brasileiro parece preocupado com as contas em casa, o governo federal tem caminhado na direção oposta. Enquanto se debate um ajuste fiscal para equilibrar as contas públicas, o que se nota é que o governo tem gastado bem mais. No segundo trimestre, o custo da máquina pública atingiu R$ 533 bilhões, ou 8,2% do PIB. Na comparação com 2023, o resultado ficou um ponto percentual menor. Isso, no entanto, não se deu por redução dos gastos, mas pelo aumento da arrecadação, o que pode não se repetir ano que vem. Segundo dados do Tesouro Nacional, houve aumento de 0,48 p.p. do PIB no investimento líquido do governo geral entre o segundo trimestre de 2024 e o mesmo período de 2023.
Olhar no campo
Apesar de ser a estrela ascendente do PIB nos últimos anos, o campo deve gerar menos riquezas em 2024.
● Pela metodologia do IBGE, o setor de agropecuária engloba apenas o cultivo e manejo de animais e grãos, e exclui os números da indústria na cadeia do agronegócio, desde a aquisição de tratores até os grandes parques fabris de processamento de alimentos e proteína animal, por exemplo.
● Sob essa ótica, o setor, que representou 6,6% do PIB em 2023, deve ver sua participação encolher para algo em torno de 4,4% este ano.
● Os motivos, segundo o Banco Central, envolvem a queda nos preços de algumas culturas, “o que desestimula a expansão da área cultivada e pode reduzir o uso de insumos que aumentam a produtividade da área plantada, limitando o potencial de crescimento da produção”.
Para tentar segurar as pontas, o governo anunciou o maior Plano Safra da história, com valor de R$ 400,59 bilhões, além de outros R$ 76 bilhões em crédito rural. O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, afirmou em entrevista à DINHEIRO RURAL que o ritmo de contratação do crédito está mais acelerado este ano, o que indica “o interesse da cadeia produtiva de todos os portes em inovar e crescer”.
O ministro disse ainda que tem acompanhado os pontos de arrefecimento do agronegócio e trabalhado em soluções conjuntas com o empresariado para mitigar os efeitos nocivos da queda nos preços, quebra de safra e eventos climáticos adversos. “Tudo isso enquanto batalhamos para desbravar novos mercados mundo afora”, acrescentou.
Desde o começo do governo Lula já foram abertos, segundo Fávaro, mais de 180 novas rotas de comércio. Com isso, o ministro de Lula tenta cumprir uma das regrinhas básicas de James A. Robinson para o desenvolvimento de uma nação: a busca por novas oportunidades. Um caminho que, segundo o economista, não pode nunca deixar de ser perseguido, sob o risco de o governo se tornar, dentro da própria gestão, uma peça da anacronia.
Cinco perguntas para Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e chefe do MDIC
“Não tenho dúvidas que a indústria fará a diferença no crescimento econômico deste ano. E o resultado será acima da média do PIB”
Hoje já é possível dizer que a indústria será o destaque no PIB deste ano?
Não tenho dúvidas que a indústria fará a diferença este ano. Há enorme possibilidade de crescimento robusto. Acima da média do PIB em todos os trimestres. Precisamos lembrar que este setor é responsável por boa parte das exportações e geração de empregos no País e agora será o pilar para a recuperação e avanço da economia brasileira nos próximos meses.
E como esse incremento tem se desdobrado no dia a dia dos industriais?
A ONU tem um organismo chamado Unido, é a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial. O Brasil ganhou do ano passado para este ano 30 posições. Nós éramos na ONU o 70º. Baixamos para 40º. Ganhamos 30 posições no crescimento industrial, isso é reflexo direto do trabalho amplo, e árduo, de fomentar a indústria e incentivar o futuro.
E como incentivar este futuro?
Queremos estimular a nova indústria. Uma indústria inovadora. Queremos estimular o desenvolvimento científico, a indústria de alta tecnologia. E um terço da pesquisa científica é na Saúde, ela está na vanguarda da inovação – inovadora, sustentável, descarbonizada e competitiva.
Mas tudo isso com recursos públicos?
Não. Temos em mãos oportunidades atraentes também para o mercado de capitais. Em outubro, lançamos a LCD [Letra de Crédito do Desenvolvimento]. Já tem a LCA [agrícola], a LCI [imobiliário] e, agora, a LCD para o comércio, serviços e indústria. Isso é crédito mais barato, e não é governo, é mercado. E quem comprar o título, pessoa física, não paga imposto sobre o rendimento. Pessoa jurídica tem uma redução de 25% para 15%. E esse benefício é direto para o tomador.
Os serviços serão, outra vez, destaque do PIB. Isso é bom para a indústria?
A tecnologia que tem entrado em massa no Brasil é o vetor que une os setores. Gosto muito de falar de Saúde porque é um exemplo em franca expansão. A indústria da Saúde brasileira reflete diretamente no serviço prestado, e quando ele é feito com mais tecnologia, gera mais riqueza ao País, mais renda ao cidadão, mais postos de trabalho. A inovação, a pesquisa e o desenvolvimento são nosso maior objetivo hoje, e com ele-s nós vamos espantar o fantasma da crise e recolocar a indústria brasileira em um grau de excelência de outros tempos. Isso estimula também o agronegócio e o comércio e tem reflexos diretos na balança comercial.