O Business-20, ou simplesmente B20, um fórum empresarial e internacional que dialoga com os líderes de governo do G20, composto pelas principais economias do mundo, foi realizado em São Paulo este ano. Seu papel é discutir e recomendar medidas, estratégias e políticas, que sirvam de pauta para a reunião do G20 e permitam aos países enfrentar os grandes desafios globais.
É um processo que envolve várias etapas, uma tarefa complexa, em que primeiro são definidos os temas, para então seguir a elaboração de propostas, sendo que as definições precisam passar pelo consenso dos participantes. Este ano foi implementado mais um estágio, o de garantir a continuidade, o legado dos trabalhos, independentemente de comandos ou participantes desses grupos.
Balizado pela pauta “Crescimento inclusivo para um desenvolvimento sustentável”, o B20 se debruçou sobre questões da agenda econômica global como segurança alimentar, transição energética, combate à fome, pobreza, desigualdades, diversidade, aumento de produtividade pela inovação e valorização do capital humano.
No Brasil, à frente da coordenação do B20 esteve Constanza Negri, a gerente de Comércio e Integração da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ela relata a saga dos debates do B20 Brasil, desde seu início, em janeiro deste ano.
Confira a entrevista:
O que foi exatamente o B20 deste ano?
Foi um momento de discutir e debater as recomendações elaboradas por 1.200 representantes do setor privado dos países que formam o G20. Por um lado, foi reavaliar essas recomendações, que já tinham sido entregues ao presidente Lula, como presidente do G20, e vinham sendo discutidas com os diferentes ministérios, que coordenam os grupos do G20, além de ampliar as temáticas.
Mas pela primeira vez, apresentamos estratégias que garantam o legado do B20. Existe uma rotatividade nos grupos, a estrutura não é permanente, e o objetivo é garantir a continuidade ao impacto, ao que é discutido e também a essa agenda do setor privado no âmbito do G20.
E o que foi criado para preservar e dar andamento às propostas discutidas ou já implementadas?
Criamos uma estratégia de legado que se organiza em três pilares: o primeiro é do B20 para o B20. A próxima presidência dos fóruns será da África do Sul e de maneira inédita, elaboramos um manual e materiais para eles, além de já estarmos discutindo questões de governança, que não olha o ciclo ano-calendário, mas sim os países que têm a presidência no momento, o que vai receber a presidência e ainda o seguinte. Com isso, temos um olhar mais estratégico de médio prazo para esse trabalho. O segundo pilar é sobre o legado do B20 para a sociedade, e o terceiro pilar é do B20 para o Brasil, em que levamos discussões e recomendações de âmbito global que devem ser mantidas.
E qual o legado do B20 para a sociedade?
Fomos buscar projetos que defendam interesses coletivos, então não é um projeto específico de uma empresa em determinado país, é coletivo do ponto de vista da temática e também do aspecto geográfico, que ele envolva mais de um país. É importante ressaltar que essas iniciativas não estão no papel, elas já existem, não estamos criando promessas de legados, eles já estão vivos e funcionando.
Entre as sete temáticas escolhidas, duas se referem à participação da mulher. Em nossa edição brasileira, conseguimos melhorar bastante em relação a outras edições. Ao mesmo tempo, temos compromisso assinado com a África do Sul para que eles aumentem essa participação, sem recuo. E trabalhamos para que em 2030, ou antes, chegar a 50% de participação das mulheres, na liderança ou de participação nos grupos.
A presença de mulheres em posição de liderança passou de 24% no B20 da Índia para 39% no Brasil. E de um total de 1.200 representantes do setor privado no B20, 43% eram mulheres, com um salto de 14 pontos porcentuais. O outro tem a ver com o aumento da participação da mulher no comércio e da busca de e que o tema entre na pauta do G20 de maneira estrutural.
Além desse legado inclusivo, o que mais foi tratado no B20 Brasil?
Há 2 legados mais conectados com a agenda de sustentabilidade. Construímos 2 plataformas, uma focada em políticas climáticas, e baseada na agenda de mudança climática de sustentabilidade, e outra com foco maior no mercado de carbono, que traz de forma ditática, ao setor empresarial, informações relevantes sobre a questão de mercado de carbono, precificação, e os diferentes aspectos do estabelecimento das metas de emissão de carbono no mundo.
Além de inclusão e sustentabilidade, quais os outros legados?
Temos um na questão de integridade e compliance, em que olhamos as ações coletivas no âmbito público-privado pra combater os problemas ligados à agenda de integridade e compliance. E aqui temos Instituto de Governança de Basel, uma referência nessa área.
Nessa plataforma inserimos exemplos de melhores práticas de ações coletivas nessa agenda, e depois uma premiação com base nos cases apresentados. Temos muitas questões de hubs de inteligência, eu gosto de dizer que essas iniciativas são uma espécie de bem público.
E quais as demais iniciativas?
São mais duas. Uma delas ligada à agenda de transformação digital e Inteligência Artificial, com foco para a educação e o emprego, e questões relacionadas à mulher, à diversidade, e inclusão nos negócios. O tema de inteligência artificial perpassou todos os grupos de trabalhos do B20 Brasil. Não é uma promessa de uma plataforma que vai ser criada, ela já existe e a partir de agora, começamos a dar vazão ecolocar os conteúdos.
A segunda prevê ações para evitar o desperdício de alimentos em parceria com a Câmara Internacional de Comércio. Vamos desenvolver uma competição para identificar os principais desafios e premiar as melhores práticas, para apresentá-las no congresso internacional da FAO.
Com tudo o que relatou, foi uma jornada de muita discussão e definições, mas em termos mais práticos, quais foram as recomendações que serão encaminhadas ao G20?
Essa é a etapa das recomendações. O grupo de transição energética e clima, liderado pelo Ricardo Mussa, CEO da Raízen, contribuiu com três recomendações. Elas estão relacionadas às soluções energéticas sustentáveis, em que a prioridade é garantir o acesso à energia a preço acessível, além de triplicar a capacidade de energia renovável até 2030 e ampliar o portfólio global com diversificação das soluções de biomassa para energia.
Isso deve possibilitar a expansão de outras soluções de emissões líquidas zero. Outra recomendação refere-se a soluções baseadas na natureza, promovendo a economia circular, garantindo o uso eficiente dos recursos e um mercado global para o setor até 2030.
E os recursos para as ações de transição?
O grupo de finanças de infraestrutura é o outro lado moeda. De um lado discutimos preço, transição e de outro, nesse grupo olhamos o que é preciso para viabilizar essa transição. Nesse sentido, houve três recomendações: a primeira está ligada aos instrumentos de financiamento climático, e a questão é como eu alavanco o fluxo de um capital privado, temos a ciência de que sem ele a transição não tem como acontecer.
Ao mesmo tempo, discutimos a revisão do papel do financiamento do setor público para que alcance uma maior eficiência, e também a alocação do capital privado sobretudo com foco nos países emergentes, menos desenvolvidos. A solução passa por reformas regulatórias, práticas das próprias agências classificadoras de risco, para a criação de um ecossistema que garanta e atraia mais a participação do capital privado.
Além dos recursos, como se espera superar outras dificuldades no setor de infraestrutura?
Há muita burocracia envolvendo os processos de aprovação de projetos de infraestrutura. O desafio é saber como acelerar esses processos de licenciamento e investimentos em infraestrutura, reduzindo ou retirando a burocracia.
Você destacou o tema de IA que passou por todos os grupos de discussão. Explique melhor.
Não foi um olhar meramente tecnológico, mas muito mais ligado à sociedade, ao indivíduo, à empresa e economia. A questão é como abordar a inclusão digital de indivíduos e empresas, mas que olhe de maneira responsável para a inteligência artificial, reconhecendo seus desafios e oportunidades, e como fortalecer a colaboração internacional.
A ideia é fomentar a parte de inovação da inteligência artificial, com base na gestão de risco para o desenvolvimento, implementação e a governança responsável. Se falamos do futuro do trabalho, por exemplo, o desafio é aumentar o acesso não só da qualidade da educação básica e da habilidades tradicionais, mas tudo isso diante dessa transformação digital. As recomendações são para governos, mas passam pela própria atuação da empresa para requalificar e melhorar as competências.
Além da IA, qual outro destaque do fórum?
O equilíbrio e um olhar mais balanceado entre a agenda de comércio e sustentabilidade. O comércio internacional, a indústria do setor privado, o B20, todos apóiam e promovem esse equilíbrio e não tem como voltar atrás, é uma prioridade. Ao mesmo tempo, algumas práticas de políticas de países na agenda de comércio e de sustentabilidade vêm com essa designação, mas que criam muitos desafios do ponto de vista da integração dos fluxos de comércio e das economias dos países.
O grupo, pela primeira vez, e de maneira inédita, fez um apelo cuidadoso, chamando a atenção para medidas unilaterais de mecanismos de ajuste de carbono na fronteira, questões de desmatamento, onde essas medidas criam distorções e colocam a perder o alcance dos objetivos. No caso da agenda de descarbonização, alguns países tentaram sozinhos dar suas respostas, o que acaba gerando muitos problemas. Então é preciso ter uma cooperação regulatória do ponto de vista da pegada de carbono do cálculo disso.
Quais o próximos passos?
Vamos começar a trabalhar nesse legado do Brasil e haverá a cúpula do G20 e G20 Social, e vamos elaborar um relatório que mostre completo quanto das nossas recomendações acabaram entrando nas declarações do G20, e dos chefes de Estado, de ministros. Em paralelo, daremos continuidade a esse trabalho com a África do Sul.
Qual seu recado final?
Os objetivos do Brasil de avanço, de crescimento econômico, inclusivo e sustentável, são também as prioridades da indústria brasileira. Então, esse projeto tem sido transformador ao permitir que o Brasil e seu próprio setor privado tenham a liderança, que lhes é própria, em diferentes temáticas nessas discussões globais, ao mesmo tempo que possamos absorver e enriquecer com diversos pontos a nossa agenda doméstica.