“Ter uma tática mais afiada com os novos tempos, ser mais horizontal, investir na formação e na mobilização”. É assim que o ex-deputado José Genoino, 78 anos, descreve em entrevista a Marina Rossi, da BBC News Brasil, os caminhos que, de acordo com ele, deveriam ser seguidos pelo partido que ele ajudou a fundar, o Partido dos Trabalhadores.
Em uma conversa com a BBC News por telefone a poucos dias do segundo turno, Genoino defendeu que o PT volte à esquerda, enfatizou menos os resultados recentes do partido e mais sua resiliência. Também enviou recados.
Defendeu que a sigla faça alianças “pontuais”, ao invés de se abrir mais ao centro e ao centro-direita, como têm defendido nomes como a prefeita petista de Contagem, Marília Campos.
“Sou contra fazer o aliancismo permanente, intocável. As alianças devem ser pontuais, não estratégicas”, disse Genoino.
“Fazer aliança com o centro altera o caráter do PT, e, com a direita, quem sai fortalecida é somente a direita e não o PT”, acrescenta.
Para o ex-presidente do PT e parlamentar por cinco mandatos consecutivos em Brasília, o partido deve abrir um diálogo com a juventude que trabalha em plataformas e deveria até rever algumas das privatizações realizadas nas últimas décadas.
“Acho que não temos força para reestatizar, mas temos força para rever os contratos”, disse ele à reportagem.
“Mas como vamos questionar o modelo neoliberal, as agências reguladoras, os preços das tarifas, [fazendo aliança com a direita]?”
Essa é uma das razões pelas quais Genoino defendeu uma mudança “profunda” no partido, que se prepara para uma troca de comando no próximo ano.
“Eu não quero curar a ferida com band-aid e esparadrapo. Eu defendo uma esquerda que adote cirurgias, mudanças estruturais.”
Às vésperas de completar 45 anos, o PT viveu os quase últimos vinte anos sob turbulências.
Apesar de ter sido a sigla que mais esteve na Presidência da República, é também marcada pelos dois maiores escândalos de corrupção já revelados, além de um impeachment.
Com esse histórico, Genoino acredita que seu partido é um sobrevivente. “O PT é uma experiência vitoriosa. Passou por uma guerra e sobreviveu”, afirmou.
No entanto, ele defende que a sigla precisa “se renovar e se atualizar”, fazendo um “grande debate interno”.
Ex-guerrilheiro no Araguaia durante a ditadura, Genoino enfrentou essa “guerra” do PT na linha de frente. Era presidente do partido quando foi acusado de ter participado do esquema que ficou conhecido como “Mensalão”.
O esquema tornou-se público em 2005, após uma denúncia feita pelo então deputado federal Roberto Jefferson.
Segundo as denúncias, o PT pagava uma mensalidade aos deputados para que eles votassem a favor dos projetos que interessavam ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva entre 2003 e 2004.
O escândalo respingou em muitos políticos, mas colocava o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, como líder do esquema.
O Mensalão só começou a ser julgado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal em 2012, e, até hoje, é o mais longo julgamento da corte, tendo durado um ano e meio.
Genoino, assim como outras 23 pessoas, dentre elas o ex-ministro José Dirceu, foi condenado. Passou um ano e meio no complexo da Papuda, em Brasília, deixando a prisão em 2014, ano em que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) foi reeleita.
No ano seguinte, sua pena – que ainda estava sendo cumprida em casa – foi extinta pelo STF com base em no decreto de indulto assinado por Dilma Rousseff.
O indulto previa perdão aos condenados que cumpriam pena em regime aberto ou prisão domiciliar, mas que já tivessem cumprido ao menos um quarto da pena e faltassem até oito anos para o cumprimento total.
Apesar de livre da pena, Genoino seguiu recluso onde sempre viveu, no bairro do Butantã em São Paulo, e assim permaneceu por anos.
Naquele momento, o PT mergulhava em uma nova crise: a Operação Lava Jato, que revelou esquemas de corrupção envolvendo a Petrobras. O PT quase teve seu registro cassado pelo Supremo, e Lula acabou preso em 2018.
No ano em que o mensalão ganhou as manchetes dos jornais, o então presidente da sigla, Tarso Genro, chegou a defender que o PT fosse refundado, proposta rapidamente rechaçada pelos controladores do partido.
“Você não refunda um partido com 40 anos de vida e muitas vitórias”, disse Genoino. “A última pessoa que falou em refundar o PT deu com os burros n’água.”
Direitos dos entregadores
Genoino chegou no PT por meio do Partido Revolucionário Comunista (PRC), uma organização política marxista que funcionava como uma espécie de um partido autônomo ali dentro. Era uma ala bastante radical, mas que se dissolveu poucos anos após a fundação do PT, em fevereiro de 1980.
Participar de alguma corrente é um direito estatutário do PT. Assim, com o fim do PRC, Genoino foi um dos fundadores da Democracia Radical, tendência que perdura até hoje, mas nem de longe é a ala mais à esquerda do PT.
Ela faz parte do campo majoritário do partido, junto à antiga Articulação Unidade na Luta, hoje chamada Construindo um Novo Brasil (CNB), conhecida por ser mais moderada e abrigar grandes nomes do partido.
Na Câmara dos Deputados, seus mandatos ficaram marcados pela defesa das mulheres e das pessoas LGTBQ+.
Hoje, defende a pauta dos trabalhadores de plataformas de entrega e motoristas de aplicativos.
“Essa classe trabalhadora tem que ter direitos, como previdência e proteção de jornada”, disse.
Ao ser perguntado se o governo Lula está obsoleto em relação a essa classe de trabalhadores, não assentiu. Mas também não negou. “O governo está deixando passar uma oportunidade ao deixar de regularizar [essa categoria]”.
Em março deste ano, Lula assinou um projeto de lei que propõe um pacote de direitos para motoristas de aplicativos, na tentativa de cumprir uma promessa de campanha.
A proposta inclui auxílio-maternidade, contribuição ao INSS, representação por sindicato e pagamento mínimo por hora de trabalho. No entanto, o texto ainda tramita na Câmara dos Deputados em meio a protestos da categoria e resistência do Congresso.
“Quais são os direitos mínimos que essa juventude tem que ter? Temos que discutir isso. Como dialogar com essa juventude que está com a vida precarizada se a gente não defende direito nenhum?”
O debate sobre os trabalhadores plataformizados, categoria impulsionada pela pandemia, começou a entrar na agenda da esquerda somente agora.
Na reta final do segundo turno, Guilherme Boulos (PSOL) escreveu uma “carta ao povo de São Paulo”, em que reconhece que a esquerda deixou de falar com a mulher “que foi abrir seu salão, vender salgados na garagem de casa ou na porta do metrô”.
Na mesma linha, o documento menciona o jovem “que financiou uma moto e foi trabalhar sem parar e sem nenhuma proteção”, e cita também o motorista de aplicativo “que pega um carro e dirige a cidade toda”.
“A Prefeitura de São Paulo vai reconhecer o seu esforço e te oferecer oportunidades”, dizia a carta.
A atitude de Boulos remete a 2002, quando Lula escreveu uma “carta ao povo brasileiro”, se comprometendo com o mercado financeiro a honrar as dívidas e os contratos nacionais e internacionais do Brasil.
Naquele ano, Lula foi eleito para o seu primeiro mandato. Boulos não teve o mesmo caminho, sendo derrotado por Ricardo Nunes (MDB) no domingo (27/10).
“Apoio crítico”
Após muito tempo em silêncio, os últimos anos têm sido de retomada da militância pública por Genoino, e mais à esquerda do que nos anos em que comandou a legenda, no começo dos anos 2000, no primeiro governo Lula.
Nesta eleição, esteve presente em diferentes agendas, desde São Paulo, passando pelo Rio de Janeiro e indo até seu Estado natal, o Ceará.
Longe das redes sociais, diz não ter nem WhatsApp “graças a Deus”. Para ele, a militância na rua é tão importante quanto o debate interno. “O PT tem que estar com um pé na rua e outro na institucionalidade”.
“Estou feliz e entusiasmado”, afirmou ele à reportagem, após contar que vinha de um encontro com alunos da PUC São Paulo em que falou sobre a Constituição de 88, tema de seu novo livro Constituinte – avanços, herança e crises institucionais (Kotter Editorial), escrito com Andrea Caldas.
E citou uma frase, atribuindo a um “filósofo francês”, que tem sido recorrente em suas falas públicas. “A prática da felicidade torna-se subversiva quando ela é coletiva.”
Genoino fez questão de cravar seu “apoio crítico” ao presidente Lula, que, para ele, faz um governo “de centro-esquerda com alianças à direita”.
A própria aliança com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), com quem Genoino disputou o governo de São Paulo em 2002 e perdeu no segundo turno, foi criticada.
Encerrando a conversa, fez questão de dizer que não quer “cargos e nem disputar a eleição”, embora seu tempo de inelegibilidade já tenha terminado.
“O sentido da minha vida é ser revolucionário.”