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sábado 5 de outubro de 2024 às 16:07h

4,4 mil candidatos que se declararam negros voltam a se declarar brancos em 2024, quando verba para negros será menor

ELEIÇÕES 2024, NOTÍCIAS


Quase 10 mil (9.899) candidatos das eleições de 2024 mudaram a raça declarada duas vezes desde 2016, primeira disputa municipal em que essa informação passou a ser divulgada pela Justiça Eleitoral. As informações são de Artur Nicoceli, Matheus Moreira, Judite Cypreste, do g1.

Desse total, 4,4 mil dos que se declararam negros, se declaram brancos agora, quando a verba para negros é menor.

O número de candidatos representa 12% do total de 83 mil pessoas que disputaram as eleições de 2016 e 2020 e vão concorrer em 2024.

A mudança mais comum é de branco, em 2016, para pardo, em 2020, voltando para branco, em 2024. Ao todo, 4.029 candidatos fizeram esse movimento, o que representa 40% do total (veja outros números mais abaixo).

🔎Quem define a raça é o próprio candidato. Eles podem informar que são amarelos, brancos, indígenas, pardos ou pretos, ou não nenhuma raça.

🔎A cor ou raça dos candidatos é usada para definir políticas públicas, como a distribuição do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, dinheiro público que é repassado pelo governo aos partidos;

🔎Em 2020, os partidos tinham a obrigação de repassar no mínimo 50% desses dois fundos para as candidaturas de negros (que são os que se declararam pretos ou pardos). Em 2024, esse percentual caiu para 30% (entenda mais abaixo);

Para especialistas, as mudanças de cor ou raça dos candidatos podem estar relacionadas a alguns fatores:

  • Tentativas de ter acesso a fundo eleitoral (40% das mudanças foram de brancos que se declararam negros em 2016 e, agora, voltaram a se declarar brancos);
  • Dificuldades do próprio candidato em se identificar racialmente;
  • Erros cometidos no registro da candidatura, feito, em geral, pelos partidos.

Veja os números

Em 2020, os 4.029 candidatos que passaram de branco para pardo e agora se declaram brancos estavam aptos a ser beneficiados pela cota de 50% de fundos partidário e eleitoral para negros, assim como os 77 que foram de branco para preto e voltaram para brancos.

Candidatos que se declararam com pardos (2016), depois brancos (2020) e voltaram a pardos (2024) são o segundo maior grupo com 2.614 pessoas (27% do total).

O grupo que foi pardo (2016), passou para preto (2020) e voltou para pardo (2024) vem em seguida, com 1.241 casos. E o que foi de preto para pardo e volto para preto soma 807. Já os que declararam de 3 cores diferentes nas 3 eleições somam 861 casos.

Entenda os motivos dos candidatos trocarem de cor

Acesso a recursos públicos para negros

Para Fernando Moura, especialista em administração pública pela Universidade de Columbia, as mudanças de raça declarada podem estar relacionadas às tentativas de obter recursos das cotas do fundo partidário.

Em 2020, os partidos eram obrigados dividir proporcionalmente entre negros e não negros as verbas dos fundos eleitoral e partidário. Como o percentual de candidaturas de negros naquele ano foi de 50%, isso significou que metade do dinheiro público destinado às campanhas deveria ir para elas.

Naquele ano, cerca de 8,8 mil candidatos que se declaravam bancos em 2016 passaram a se declarar negros (pretos ou pardos).

Em 2024, entretanto, o percentual mínimo de cotas para negros caiu para 30%. A mudança foi feita por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia, que também zerou multas de partidos que descumpriram essas e outras regras em eleições anteriores.

Agora, neste ano, um pouco mais que a metade dos 8 mil candidatos que mudaram de branco para negros em 2020 voltaram a brancos.

Para a professora de Ciência Política da Universidade Federal do Alagoas (UFAL) Joyce Martins, a PEC diminui a vantagem de se declarar como negro na eleição.

“Se há anistia para o não cumprimento das regras que obrigavam partidos a dar dinheiro para candidaturas de pardos e pretos, o estímulo para se declarar assim (como preto ou pardo) diminui”, afirma Joyce.
Medo e dificuldade de identificação racial

Outra razão para as mudanças repetidas, na avaliação de Fernando Moura, é o medo de exposição ou críticas por se identificar como de uma raça e não ser reconhecido socialmente como sendo dela.

Entre as 9.899 mudanças, a segunda mais comum é o de pardos que se declararam brancos e voltaram a se dizer pardos – um termo que teve a sua definição alterada várias vezes nos últimos 80 anos (entenda mais no vídeo abaixo). Ao todo, foram 2.614 candidatos.

“Essa dúvida sobre a mudança no conceito de pardo também é o motivo pelos candidatos alterarem a cor ou raça”, aponta Denis Moura, autor de “Pardos: A visão das pessoas pardas pelo estado brasileiro”.

“[Essa mudança acontece porque], nesses últimos anos, passamos a ter mais acesso a outras culturas em relação ao que existia antigamente, muito por conta das redes sociais, que auxiliou as pessoas a se conectarem e debaterem mais sobre o assunto racial. Enquanto antes ficavam no boca-a-boca; hoje, com a internet, é possível encontrar diversos grupos falando sobre o assunto, o que ajudou a propagar o conceito de racialidade”, afirma Moura.

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