Um helicóptero R66 turbine, de custo estimado em ao menos R$ 3,5 milhões, rasga os céus de Campo Formoso, no norte da Bahia. A aeronave pousa no estádio para desembarque de Elmar Nascimento (União Brasil), ilustre filho da terra.
O deputado federal voltou ao seu berço político após um passo atrás na corrida pela presidência da Câmara, com a entrada do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) na disputa no Congresso. À noite, assistiu a Wesley Safadão em festival organizado pela prefeitura.
Campo Formoso protagoniza segundo reportagem de João Pedro Pitombo e Bruno Santos com colaboração de Flávio Ferreira e Natália Santos, da Folha de S. Paulo São Paulo, uma das mais renhidas disputas por uma prefeitura da Bahia. Impulsionadas por recursos de emendas parlamentares, situação e oposição travam uma corrida por obras e fazem das ruas da cidade palco de uma disputa com rivalidade digna de times de futebol.
Irmão de Elmar Nascimento, o prefeito Elmo Nascimento (União Brasil) concorre à reeleição e enfrenta nas urnas Denise Menezes (PSD), esposa do deputado estadual Adolfo Menezes (PSD), presidente da Assembleia Legislativa e aliado do governador Jerônimo Rodrigues (PT).
A eleição reflete uma disputa entre dois grupos políticos que rivalizam na cidade há ao menos 50 anos: os Boca Branca, atualmente liderados por Elmar, e os Boca Preta, comandados por Menezes.
Neste ano, o embate ganhou um ingrediente extra: é embalado pela farra de emendas parlamentares apadrinhadas por seus principais líderes políticos.
Com 71 mil habitantes e território equivalente a dez vezes o de Salvador, Campo Formoso é a 28ª cidade mais populosa da Bahia, mas foi a quarta que mais conseguiu recursos de emendas, atrás da capital, de Camaçari e de Itabuna. Desde 2021, foram R$ 93 milhões destinados à cidade.
Uma parte relevante das verbas e equipamentos vieram da Codevasf, estatal usada como uma espécie de “loja de políticos” e área de influência de Elmar, que apadrinhou o diretor-presidente Marcelo Moreira.
Em 2024, Campo Formoso foi a cidade que mais recebeu equipamentos da estatal na Bahia. Foram R$ 4 milhões em máquinas e tratores, sendo R$ 3 milhões destinados à prefeitura comandada pelo irmão de Elmar e R$ 1 milhão para associações ligadas a Menezes.
Nos anos anteriores, a prefeitura também recebeu da estatal 1.300 tanques e caixas-d’água. Em setembro de 2023, ao menos 200 reservatórios de água estavam estocados num terreno da prefeitura.
O prefeito Elmo nega favorecimento à sua gestão: “Você está olhando os últimos quatro anos, mas bora olhar os últimos 50 anos. Qual cidade recebeu mais recursos? Havia uma demanda reprimida”.
Ele reconhece que as emendas “não são a forma mais correta” de distribuição dos recursos e defende uma reforma tributária que dê autonomia financeira aos municípios. Diz ainda que a distribuição de equipamentos segue critérios técnicos e não os da política.
Às vésperas das eleições, Campo Formoso é um canteiro de obras, das ruas da zona urbana até as mais distantes regiões rurais. Placas na entrada da cidade indicam os responsáveis pelos recursos —a Codevasf ligada a Elmar e o governo da Bahia, aliado a Menezes.
No bairro Bela Vista, distrito de Poços, o asfalto estalava de novo. As obras foram iniciadas em 31 de agosto, concluídas dois dias depois e devidamente divulgadas nas redes de aliados do prefeito. Nas ruas do bairro, a maioria das casas tinha adesivos da campanha de Elmo nos portões.
O cenário era semelhante nas ruas do entorno da rodoviária, que haviam sido recapeadas na mesma semana. No povoado Lagoa Rasa, máquinas faziam a terraplanagem e operavam a todo vapor em uma obra de asfaltamento de uma estrada vicinal.
Um dos destaques da campanha é a construção de um hospital municipal. A obra foi prometida pelo prefeito na eleição de 2020, os recursos foram garantidos, e a licitação foi concluída em 2023. Em 4 de setembro, quando a reportagem da Folha foi ao local, cinco operários munidos de picaretas trabalhavam em um descampado vazio.
O volume de obras fez com que o grupo político Boca Branca, liderado por Elmar, ganhasse novos adeptos. Com bandeira em punho, Nadja Ferreira da Silva, 39, aguardava a passagem de uma caminhada de Elmo pela sua rua: “Fui Boca Preta a vida inteira, mas agora mudei. O prefeito fez muita obra”.
Além das obras, a prefeitura também apostou em festas como o Festival das Esmeraldas, realizada desde 2022. Neste ano, foi na primeira semana de setembro, com investimento de R$ 3,8 milhões da prefeitura e shows de Wesley Safadão, Leo Santana e Bell Marques.
Na semana anterior à eleição, a dupla Iguinho e Lulinha tocará na praça do povoado de Tuiutiba por um cachê de R$ 280 mil. A prefeitura gastou R$ 10,9 milhões em um contrato de locação de estrutura para eventos, sendo que R$ 6,2 milhões foram para uma empresa da esposa de um primo do prefeito.
Ainda assim, a gestão municipal passa longe da unanimidade. Erisvaldo Ferreira Rocha, 41, percorreu 100 km de ônibus do povoado Lage dos Negros até a sede da cidade para ir a um ato de campanha da oposição.
Ele diz que a prefeitura inaugurou uma obra de pavimentação numa das estradas para a comunidade, mas meses depois a pista já estava cheia de buracos. “O que a gente vê é muita tapeação”, afirma.
A prefeitura também enfrenta uma ação civil pública do Ministério Público por excesso de contratação temporária de pessoal, sem concurso —só em março, foram 731 professores e mediadores nesse regime de trabalho.
A oposição tenta fazer frente com recursos de emendas dos deputados federais aliados, destinadas a associações: “Para a prefeitura a gente não coloca emenda aqui. Nesse momento, não”, afirma o deputado federal Gabriel Nunes (PSD), aliado de Menezes.
Três equipamentos da Codevasf foram doados para entidades, entre elas a Associação de Moradores de Tiquara, liderada pelo agricultor Jonilson Cavalcante, aliado de Menezes e Boca Preta convicto.
Mas a principal fonte de recursos ainda segundo reportagem da Folha, é o governo do estado, comandado pelo aliado Jerônimo Rodrigues (PT), que já inaugurou na cidade uma delegacia, um complexo poliesportivo, estradas e até a cobertura de uma feira.
“Eu não era nem para ter adversário, se fosse outra cidade”, disse Menezes, que afirma ter levado cerca de R$ 500 milhões em obras para a região e é o principal fiador da candidatura da esposa.
Ele estima que os adversários tiveram três vezes mais recursos para aplicar na região. Mesmo assim, prevê uma disputa dura entre os Boca Preta e Boca Branca, tal qual nas eleições anteriores. Do outro lado, Elmo segue otimista na reeleição: “As pessoas comparam e veem uma perspectiva de futuro”.