Os projetos de Parcerias Público-Privadas (PPPs) de educação se proliferaram pelos Estados e municípios do país. Hoje, são ao menos nove iniciativas em curso, com potencial de investimento de no mínimo R$ 6,15 bilhões, conforme reportagem de Taís Hirata, do Valor. No setor de infraestrutura, ainda de acordo com o jornal, os projetos têm sido vistos como uma forma de dar mais qualidade ao gasto público e acelerar investimentos nas escolas. Já especialistas de educação têm ressalvas.
Uma das iniciativas mais avançadas é o leilão de dois lotes de novas escolas do governo paulista, que prevê a construção de 30 unidades. Os dois blocos deverão ser licitados separadamente, nos dias 29 de outubro e 1º de novembro. A gestão também já prepara a próxima PPP de escolas, para reforma e manutenção.
Para além de São Paulo, há diversos outros projetos municipais e estaduais em estruturação, em diferentes estágios, no Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Além disso, o governo federal, através da Caixa, acaba de selecionar 53 cidades que receberão apoio para a estruturação de PPPs de educação infantil, e prepara uma nova seleção, para PPPs de consórcios intermunicipais.
“Profissionais da educação estão atolados cuidando de prédios”
— Ramon Ferreira
A ideia das PPPs é delegar a um parceiro privado, em contratos de longo prazo, a gestão da infraestrutura da escola – manutenção dos prédios, os serviços de água e luz, limpeza, segurança, entre outros. A depender da modelagem, os investimentos são direcionados à construção de novas unidades ou à ampliação e reforma de escolas existentes. A parte pedagógica fica fora da concessão. Nos contratos, o Estado entra com pagamentos periódicos para viabilizar a operação, dado que não há cobrança de tarifa.
“É um tipo de projeto comum em países desenvolvidos, que usam a PPP para melhorar a qualidade do gasto governamental. Hoje, no Brasil, há apenas quatro contratos assinados e a principal referência é da prefeitura de Belo Horizonte. Mas é um tipo de iniciativa que sempre teve limitação no país, talvez pelo ciclo político, mas que agora tem avançado”, afirma Guilherme Naves, sócio da consultoria Radar PPP.
Um dos principais argumentos de governos e analistas é que as PPPs ajudam os diretores e professores a focar na parte pedagógica e reduzem a preocupação em torno de problemas de infraestrutura. “Profissionais que deveriam cuidar de educação hoje estão atolados cuidando de operação de prédios, contratos de suporte”, afirma Ramon Ferreira, coordenador do comitê de infraestrutura social da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base).
Além disso, Naves destaca que diversas atividades já são terceirizadas, com vários prestadores, e a PPP é uma forma de reunir as atividades em um só contrato.
No entanto, entre especialistas do setor de educação, as PPPs geram preocupação. Para Magali Reis, professora do programa de pós-graduação em educação da PUC-Minas, o argumento de que os projetos tiram dos professores e diretores o peso de lidar com a estrutura escolar não faz sentido.
“Pelo contrário, os professores têm de participar do projeto de infraestrutura de qualquer unidade escolar. A infraestrutura é um princípio fundamental da pedagogia. O espaço educa, mas não é qualquer espaço que educa da forma que se gostaria. A estrutura pode ser tanto de controle quanto educativa.” Uma preocupação é a pressão por uma arquitetura de vigilância, diz ela.
Para Reis, as PPPs não necessariamente são ruins, mas precisam envolver professores e estudantes nas discussões sobre a construção do espaço. “Tudo depende de como o projeto é construído.”
Para a ONG Todos pela Educação, as PPPs podem trazer benefícios, como acelerar a construção de unidades e unificar contratos de prestação de serviços, mas desde que bem desenhadas e monitoradas pelas secretarias de educação, conforme destacou a organização, em relatório de julho.
Já do ponto de vista do mercado, a grande preocupação é a estrutura de garantias de que os pagamentos previstos pelo poder público serão feitos. “É o maior risco. É preciso ter arranjos de blindagem contra questões políticas e que garantam o recebimento dos fluxos ao longo do contrato. Isso tem avançado”, diz Ferreira. Hoje, o principal instrumento são fundos abastecidos por repasses federais, afirma.
No caso de São Paulo, o leilão dos dois lotes foi reformulado nas últimas semanas, justamente para dar mais robustez à estrutura de garantias, afirma Edgard Benozatti, presidente da Companhia Paulista de Parcerias (CPP). “Republicamos os editais, com ajustes que entendemos que eram necessários”, diz. Após as mudanças, as licitações, que seriam em setembro e outubro, foram adiadas. Nas PPPs, a garantia será alimentada por recursos da quota estadual do salário-educação, repassada pela União.
Segundo ele, o governo tem visto forte interesse pelos projetos. Para além de empresas que já atuam no ramo, como construtoras e prestadores dos serviços prediais, fundos de investimento também estudam as PPPs, diz.
João Giona, diretor da Secretaria de Educação do Paraná, também prevê um aumento dos grupos que atuam no setor. Hoje, o Estado prepara uma PPP para construir 40 escolas. A previsão é que o leilão seja realizado no segundo semestre de 2025. “É um projeto em fase intermediária.”
Hoje, o Paraná tem outro projeto, mais avançado, de parceria com o setor privado, o chamado Parceiro da Escola. Porém, Giona destaca que se trata de um perfil diferente de contrato, que terá um prazo curto e irá abarcar a manutenção da escola, mas também atividades pedagógicas, como contratação de professores. “O diretor permanece lá, é como se fosse fiscal do contrato”, diz. Neste caso, a ideia é atrair empresas do ramo de educação.