A pregação de Josué Valandro Jr., 55 anos, na Igreja Batista Atitude, denominação evangélica que fundou e comanda há duas décadas, deixa uma dúvida no ar: o homem que gesticula vigorosamente sobre o púlpito é líder religioso ou guru motivacional? A resposta segundo reportagem de Ricardo Ferraz e Sofia Cerqueira, da revista Veja é: as duas coisas. Vestido com blazer solto sobre camiseta de cores variadas, o pastor costuma se dirigir a seu rebanho mesclando passagens bíblicas e mensagens de autoajuda, coladas a manuais de marketing e discurso feito sob medida para as redes, onde viceja a retórica fácil dos coaches sobre crescimento individual, quase sempre uma reprise de bordões sem nenhuma ciência.
Na acirrada disputa travada por espaço no mundo evangélico, Valandro Jr. vem fazendo de sua organização uma das mais bem-sucedidas no meio graças a uma capacidade, reconhecida por aliados e desafetos, de cultivar uma teia política que ganhou tração com a proximidade da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Nestes últimos tempos, seu megatemplo, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, vem chamando atenção pelo elevado interesse que desperta nos postulantes a cadeiras no pleito municipal, que incluem a igreja no circuito por saber encontrar ali um palanque capaz de reverberar em significativas fatias do eleitorado. “O motivado vence o inteligente, eis a frase de minha vida”, esclarece Valandro Jr. a revista Veja, em rara entrevista.
Nos quase 4 000 assentos da matriz, costuma-se avistar gente graúda da sociedade carioca e da política nacional. Tamanha influência foi, sabidamente, turbinada após Michelle, de quem foi conselheiro por todo o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, romper com Silas Malafaia, hoje o líder religioso que mais desfruta da intimidade do marido, e se tornar ovelha da congregação. A partir daí, a amizade só fez dar frutos. Em 2018, Valandro Jr. ajudou a articular o apoio de figurões evangélicos ao então aspirante à Presidência e visitou o Alvorada antes mesmo de os novos inquilinos ocuparem o palácio em Brasília. No dia em que o capitão recebeu a faixa, lá estava o amigão, um dos poucos escolhidos para testemunhar os instantes que antecederam a subida da rampa. “Se você me perguntar com quais políticos me relaciono, tenho de falar em umas mil pessoas”, calcula Valandro Jr. Ele se recusa, porém, a atrelar os evidentes e poderosos laços à meteórica escalada.
A multiplicação dos templos tem sido extraordinária: de quinze em 2020, a Batista Atitude saltou para os 63 de agora e deve chegar a 83 até o fim do ano, com unidades espalhadas por Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Portugal. “Eu já era enorme quando conheci Bolsonaro”, desconversa, sem se prender a datas. Apesar da verve bolsonarista e da defesa incondicional à agenda conservadora de costumes, Valandro Jr. se vangloria de promover cultos em que reúne “até cinco deputados federais” de variados matizes, da direita à esquerda. No primeiro domingo de setembro, o prefeito Eduardo Paes (PSD), que tenta a reeleição, bateu ponto na igreja às 8h30. Valandro Jr. desceu então do púlpito e lhe dedicou uma oração. Às 19 horas, foi a vez do adversário do alcaide, Alexandre Ramagem (PL), passar pelo mesmo ritual, ao lado do vereador Carlos Bolsonaro, o filho Zero Dois do clã. O pastor justifica a liturgia lembrando a passagem de Timóteo, no Novo Testamento, que sustenta ser preciso “orar pelas autoridades”.
As influentes palavras de Valandro Jr. também já atraíram o governador Cláudio Castro (PL) e o ex-prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) — proximidade, aliás, que vira e mexe lhe rende um mimo. Na gestão Crivella, um terreno municipal de 5 432 metros quadrados foi cedido por vinte anos à igreja para a construção de uma creche, medida mais tarde regulamentada por Paes. Crivella e Paes, cada qual num momento distinto, foram citados no culto como “instrumentos de Deus”. Era um agradecimento pelo terreno.
Não foi a única graça alcançada pelos elos que o pastor costurou com o poder. Na condição de deputado federal, Ramagem destinou uma emenda parlamentar no valor de 500 000 reais para o Instituto Atitude, o braço social da igreja. O também deputado Helio Lopes (PL) canalizou outros 1,3 milhão de reais para o instituto regido pelo pregador, que já foi alvo de denúncias à Justiça Eleitoral por propaganda irregular — todas arquivadas porque a legislação não é específica em relação a orações e apresentações de candidatos em templos. “No sindicato, se fala abertamente que vão votar no fulano. Na universidade, o STF diz que pode tratar de política. Nos shows, o artista tem toda a liberdade. Em nenhum desses casos é abuso. E eu não posso orar?”, provoca o líder da Atitude. Nas fileiras evangélicas mais progressistas, essa postura é altamente alvejada. “Levar alguém no templo para falar aos fiéis é uma maneira velada de pedir voto, sim”, dispara o pastor Hermes Fernandes, líder da Igreja Reina, também do Rio.
Filho de pastor, casado com uma corretora de imóveis e pai de dois filhos, Valandro Jr. se formou no Seminário Teológico Batista do Sul, na Zona Norte carioca, onde obteve destaque nos estudos bíblicos. “Naquela época, ele jamais se envolvia em política”, lembra Sérgio Dusilek, pastor batista contemporâneo do fundador da Atitude. O plano de ser rico e bem-sucedido, nunca escondeu. Formou-se em análise de sistemas na PUC do Rio e, ao iniciar seus trabalhos na cidade, em 2003, pôs de pé uma engrenagem baseada num sistema de “células”, modelo em que os obreiros batem de porta em porta, promovem reuniões e são estimulados a juntar fiéis em número suficiente que justifique a inauguração de um templo. Aí vão sendo guindados na hierarquia, insuflados por uma versão adaptada da teologia da prosperidade, centrada no avanço pessoal, tão cara a Valandro Jr. Afastado de Michelle, que já não frequenta a igreja da Barra (“ela está em Brasília e viaja muito”, justifica), ele anda às voltas com o tratamento de um câncer nas glândulas suprarrenais, do qual se operou, mas segue firme em sua grande aposta, que de milagrosa não tem nada: a multiplicação de seu império.