Juan Barreto foi testemunha e, até certo ponto, um dos protagonistas da história política da Venezuela ao longo dos últimos 25 anos.
Em 1998, ele foi diretor de relações com a imprensa da campanha presidencial de Hugo Chávez (1954-2013). E, depois da vitória nas eleições, Barreto passou a ser vice-ministro de Comunicações e participou da criação do conhecido programa de rádio e TV de Chávez, chamado Alô, Presidente.
Do governo, Juan Barreto foi para o Parlamento. Foi deputado da Assembleia Nacional Venezuelana e prefeito metropolitano da capital, Caracas, pelo extinto partido Movimento Quinta República (MVR). O partido foi antecessor do atual PSUV, Partido Socialista Unido da Venezuela, também criado por Chávez e hoje liderado pelo presidente Nicolás Maduro.
Em 2012, ele se desligou do PSUV para criar o partido Redes, ainda na órbita do chavismo. No ano seguinte, Barreto apoiou a candidatura presidencial de Nicolás Maduro, mas se afastou do governo em 2015, por considerá-lo “o pior da história republicana da Venezuela”.
Nas eleições presidenciais venezuelanas de 28 de julho, Barreto apoiou o candidato do partido Centrados, Enrique Márquez — um político reconhecido que se separou da Plataforma Unitária de oposição há alguns anos.
Sua candidatura era considerada uma alternativa para a oposição, caso as autoridades eleitorais bloqueassem de última hora, por qualquer motivo, a chapa de Edmundo González Urrutia.
Depois das eleições, o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE) declarou Maduro vencedor, mas não publicou até hoje os resultados detalhados e auditáveis do pleito.
Por isso, Márquez e Barreto vêm questionando, publicamente e pela via institucional, a atuação das autoridades eleitorais e a petição de processo no Supremo Tribunal de Justiça (TSJ, na sigla em espanhol), realizada a pedido de Maduro e que o declarou vencedor.
Na segunda-feira (26/8), as acusações contra a lisura do processo eleitoral venezuelano ganharam mais peso com as declarações de Juan Carlos Delpino, que foi um dos cinco diretores do CNE, representando a oposição. Desde o pleito, ele está escondido.
Delpino publicou um comunicado em suas redes sociais em que diz que os representantes da oposição foram retirados da sala no momento da contabilização dos resultados das mesas por supostos temores envolvendo hackers.
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Em entrevista para a BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC), o ex-parlamentar Juan Barreto alertou sobre a gravidade da crise atual antes do recente pronunciamento do TSJ confirmando a eleição de Maduro.
Barreto declarou que o que está em jogo é a forma republicana de governo no país.
Ele convoca o governo e a oposição a negociar, tratando de suas diferenças pela via constitucional que, segundo ele, foi abandonada quando o CNE deixou de apresentar os resultados auditáveis das eleições.
Confira abaixo a entrevista.
BBC News Mundo – O sr. apoiava Nicolás Maduro quando ele chegou à presidência, em 2013. Quando o sr. se desligou do governo e por quê?
Juan Barreto – Eu me desliguei em 2015.
As separações na política são como o divórcio. Existe um processo gradual de deterioração.
Nós observávamos com muitas críticas o próprio governo de Chávez. Não concordei com a criação do PSUV e, por isso, decidi formar outra agremiação, que foi o Redes.
Quando Chávez lançou a reforma constitucional, não estivemos de acordo, ao contrário da grande maioria das pessoas. E Chávez acabou derrotado naquela oportunidade.
Estávamos distanciados de Chávez, mas a sua doença nos fez amenizar as críticas. Acreditamos que aquele não era o momento, pois era preciso ter consciência da difícil situação que ele estava atravessando como ser humano.
Chávez deixou um testamento político. Seu último desejo foi que acompanhássemos a candidatura de Maduro. E, sob fortes críticas, decidimos apoiar este último desejo e o apoiamos.
Nós esperávamos que, em sua condição de civil e com sete anos e meio no Ministério das Relações Exteriores, Maduro faria um governo mais flexível e democrático, levando adiante as reformas que Chávez não havia tentado fazer.
Mas começamos a enfrentar diferenças com Maduro. A principal ocorreu quando, em uma marcha de trabalhadores até o Palácio de Miraflores [a sede do governo da Venezuela], levamos provas de atos de corrupção na indústria petrolífera.
Para nossa surpresa, muitos dos trabalhadores que fizeram as denúncias começaram a ser demitidos, a ser perseguidos. Processos judiciais foram instaurados contra muitos deles, que foram presos ou precisaram sair do país.
Por isso, decidimos romper com Maduro no final de 2015. A retaliação política veio imediatamente. Fomos levados à judicialização pelo CNE, que cancelou nosso registro eleitoral em 2017, como fizeram depois com o Partido Comunista e outros.
BBC – O governo parece decidido a validar a reeleição de Maduro pelo TSJ [que confirmou a vitória do atual presidente em 22 de agosto]. Este seria um caminho para solucionar a crise atual?
Barreto – Aqui, é preciso voltar à política. Os dois lados da polarização estão entrincheirados.
O reitor da Universidade Católica Andrés Bello, que é um homem de oposição, fez um sábio pronunciamento, mas que não caiu bem entre os setores radicalizados da oposição.
Ele disse que, mais cedo ou mais tarde, é preciso ter uma negociação. Afinal, até na Guerra do Vietnã, em meio a bombardeios e mortos, houve negociações!
Na Venezuela, será preciso ter negociações porque, como disse o reitor, parece que os dois lados querem o mesmo. Um tem o poder da força factual e o outro, o poder dos votos.
Existe, então, um empate catastrófico. As duas partes dispõem de força e este conflito não será resolvido com base em quem movimenta mais gente em um fim de semana.
Os especialistas em negociações afirmam que, quando há um empate catastrófico, cada uma das partes precisa cortar um braço ou entregar um filho. Elas têm que ceder um pouco.
Por isso, Lula propõe repetir as eleições, [o presidente da Colômbia] Gustavo Petro sugere a convocação de um governo de unidade nacional e [o presidente do México] López Obrador diz que é preciso haver um acordo para que todos retornem à Constituição e repensem as regras do jogo.
Por fim, a oposição diz que ganhou as eleições e tem em mãos uma carta muito poderosa. O governo, que também diz que ganhou as eleições, tem campo de manobra porque dirige as instituições públicas do país.
Ninguém deve descartar nem subestimar a força do outro.
É preciso passar do primitivismo das cavernas para a política com “P” maiúsculo – e entender que ou se leva a cabo um processo longo, árduo, doloroso de negociações, ou tudo pode simplesmente terminar muito mal, em algo muito feio.
BBC – O sr. afirma que existem posições extremistas, mas a oposição e muitos países, como o Brasil e a Colômbia, pediram a exibição das atas e a contagem dos votos. Não se está falando de uma situação de guerra…
Barreto – Sim, mas cada um tem uma verdade oficial.
Se você disser isso a um madurista, ele vai dizer que não é verdade, que ele tem os votos e também as atas.
Perceba que o governo diz que as atas da oposição são falsas. Como um cidadão comum sabe quem diz a verdade?
Posso ter minhas suposições, mas, a esta altura, não sei quem está com a verdade. Não sei se as provas estão corrompidas e contaminadas.
Se o presidente do CNE, Elvis Amoroso, diz que houve um ataque hacker e não sabemos suas dimensões, como podemos saber se a prova não foi hackeada?
É por isso que Enrique Márquez e eu dizemos que é preciso fazer o que foi feito em 2013, que é um precedente jurídico e político: que se volte a abrir as urnas eleitorais, que os votos sejam contados e conferidos com as atas. Vamos ver quem está dizendo a verdade.
Não estou defendendo nem proclamando nenhum candidato. Estou pedindo que se respeite a Constituição, a soberania e o voto, caso contrário o voto desaparece.
BBC – A oposição pediu que o CNE mostre as atas…
Barreto – Sim, mas, com as atas, já não é suficiente, porque em todo este tempo, muitas coisas podem ter acontecido com elas. É preciso fazer uma auditoria profunda de todo o processo eleitoral e conferir com os votos.
O TSJ disse que está realizando uma peritagem. Ele não chama de auditoria.
Nós não entendemos, porque este termo não aparece na lei eleitoral. Ele fala de uma peritagem com especialistas, mas não se sabe o nome dos especialistas.
O TSJ afirma que há representantes internacionais, mas não se sabe o nome de nenhum desses representantes. Tudo é obscuro e secreto. Parece que isso agrada muito ao governo.
E não há representante de nenhum dos candidatos. Pelo menos Enrique Márquez não foi convidado e Edmundo González não tem representante.
Os candidatos não têm fiscais nessa peritagem. Aparecem alguns senhores de chapéu, óculos escuros, máscara e luvas, como se estivessem abrindo um sarcófago arqueológico ou algo contaminado.
Este processo está semeando mais dúvidas, que poderiam ser esclarecidas e resolvidas se retornássemos à Constituição, respeitando a autonomia e soberania do poder eleitoral, cumprindo com as cinco auditorias que ainda não foram feitas e, em último caso, fazendo o que ocorreu no ano de 2013, quando as caixas foram abertas e os votos foram contados.
Em 2013, Maduro permitiu que isso fosse feito. Por que não se faz agora?
O fato de que, a esta altura, o CNE ainda não tenha publicado de forma detalhada o resultado mesa por mesa nos parece um desacerto e uma violação da lei eleitoral. É obrigação do CNE. Se você tem o material eleitoral para levar para o TSJ, por que não o publica?
Dizer que houve um ataque hacker do fascismo, uma conspiração, não esclarece nada. Existe um problema básico que é a imperícia, presumimos que talvez maliciosa, dos dirigentes do CNE.
Por isso, Enrique Márquez e eu solicitamos uma investigação penal na Promotoria contra os dirigentes do CNE, que podem estar envolvidos em um ato de sabotagem do processo eleitoral.
É preciso haver um responsável. Houve um ataque hacker? Então o demonstrem, expliquem ao país por que a auditoria técnica de informática que deveria ter sido feita no dia 29 de manhã foi suspensa e os representantes dos partidos foram retirados da área de totalização, onde deveria ter sido impressa a ata número 1 com os resultados.
Por que não foi feita a auditoria?
BBC – Vocês fizeram várias denúncias, como, por exemplo, que a ata com os supostos resultados lidos por Amoroso não saiu da sala de totalização do CNE. Vocês também tiveram fiscais nas mesas e detêm uma parte das atas. Somando-se a isso que o CNE ainda não forneceu os resultados detalhados, o sr. acredita que existem elementos para imaginar que houve fraude?
Barreto – Existem elementos para imaginar que o CNE não esteja cumprindo com a sua responsabilidade. Se houve fraude, quem deve determinar é uma investigação. Não se trata do que eu acredito.
Prefiro continuar exigindo que se realizem investigações, que o CNE cumpra com a sua responsabilidade e que o TSJ – que está se sobrepondo à função do CNE – cumpra com as exigências de uma auditoria transparente, permitindo a presença dos representantes dos candidatos.
Hoje, já não basta que o setor de González Urrutia apresente suas atas. Ele deveria ter ido ao Supremo Tribunal de Justiça para entregar uma cópia autenticada eletrônica, não física, das atas que ele afirma ter em mãos.
Não sei por que não fizeram. Parece que eles voltam a cair na armadilha do próprio governo de negar as instituições.
A luta precisa ser conduzida como fez Mandela, como fez Lech Walesa, como fizeram todos os que lutaram pela via institucional, legal, pacífica, democrática, mesmo sabendo que é uma luta perdida.
O setor da oposição que se declara vencedor parece não entender que as regras do jogo incluem não sair da via institucional, do caminho democrático – deixar que os outros saiam da Constituição e você possa reclamar pela via legal, pacífica e democrática até as últimas consequências, mesmo que isso custe a sua liberdade.
BBC – Que consequências pode haver para o governo e para a Venezuela a permanência de Maduro no poder, mesmo que sua reeleição não seja confirmada por uma auditoria confiável e independente?
Barreto – O presidente Maduro deveria ser o mais interessado em que haja transparência.
Se, como ele disse, Maduro tem certeza de que venceu as eleições, ele precisa demonstrar isso, porque existem dúvidas razoáveis criadas pelo próprio CNE na mesma noite em que o senhor Elvis Amoroso declarou ter ocorrido um ataque hacker.
Depois, eles se contradisseram, falaram outras coisas. E a falta de publicação dos resultados, como ocorre tradicionalmente, aprofunda estas dúvidas.
Por isso, o fato de que o presidente Maduro precise governar por mais seis anos com uma parte considerável da população colocando em dúvida sua legitimidade compromete a sorte do seu governo.
Imagino que o presidente Maduro, que vive sempre apelando a Deus e à justiça, deve entender que não pode governar com um regime policial-militar. Esta democracia apoiada na Constituição bolivariana é um regime civil e, supondo que Maduro compreenda isso, ele deveria apostar na transparência.
Estamos oferecendo a Maduro a oportunidade de voltar à política. Tomara que o presidente e seus assessores entendam que somente voltando à política será possível resolver esta controvérsia.
E o mesmo dizemos à oposição. É preciso voltar à política e entender que, em um cenário de empate catastrófico, a única forma de romper o entrincheiramento é construindo pontes e criando condições para que haja uma negociação.
Até mesmo nos confrontos mais fratricidas existem negociações. Se nenhuma das partes ceder um pouquinho, poderemos chegar a uma situação muito mais comprometedora e lamentável para o nosso povo.
Já não se trata de quem tem razão. Trata-se de salvar a forma republicana de governo, de voltar à Constituição na medida do possível, para que haja algum nível de jogo democrático, porque, do contrário, nós nos transformaremos em uma mistura de Coreia do Norte com Arábia Saudita.
E isso não convém, nem ao governo, nem à oposição, e muito menos aos cidadãos. Porque, se não houver jogo político, restam apenas as formas de luta não democráticas.
BBC – Como o chavismo vive esta situação e o que significaria para o chavismo e para a esquerda venezuelana que um governo que se diz de esquerda perca sua legitimidade original reconhecida?
Barreto – Um dos grandes problemas do jornalismo é a sua distorção cognitiva ao supor que existe algo que chamam de chavismo.
Eu não sei se isso existe hoje em dia. De qualquer forma, se existir, é um saco de gatos. Eu sou chavista, mas há 10 anos não estou com Maduro e cheguei a confrontar Chávez.
O chavismo foi uma coalizão de forças distintas, onde havia pessoas que vinham do Partido Comunista e outras de direita.
O que nos unia? A figura de Chávez, sua liderança, seu carisma e o projeto de Constituição. Hoje, existe uma tendência burocrática autoritária que foi sendo consolidada, que é o madurismo.
Não sei como se está vivendo isso no madurismo, mas posso contar como estão vivendo os setores que acompanharam Chávez e já não acompanham Maduro, como o nosso.
Tudo o que ocorreu no dia das eleições é de conhecimento dos militares que estiveram destacados naquele dia, mais de 100 mil homens, quase todos oficiais.
É do conhecimento dos militantes do PSUV, que mobilizaram sua máquina, mantiveram fiscais em todas as mesas e convocaram seus apoiadores, como fez a oposição, para que se concentrassem em frente aos centros eleitorais no momento do escrutínio, quando foi lido o resultado.
Ou seja, uma grande parte do país sabe o que aconteceu. O que estarão pensando os setores que ainda acompanham Maduro, sabendo pelo menos uma parte da história?
Recompor e reconstruir a moral dos seguidores de cada setor será muito difícil.
Imagine como seria possível convocar novas eleições com este CNE que ficou desmoralizado quando abandonou a Constituição. Como saber se, nas próximas eleições, não irá acontecer o mesmo?
Aqui, será necessário um longo processo de recomposição política e institucional. Por isso, o que está acontecendo não convém a ninguém.
BBC – Se for mantida a repressão aos protestos, que já soma milhares de pessoas detidas, e se não houver uma revisão independente dos resultados eleitorais, que opções restam à oposição?
Barreto – Você me pede que eu faça algo que não faço na política, que é fazer suposições. Eu não suponho, vou avaliando a cada dia. Mas vou dizer algo que não é suposição.
Existe aqui um problema básico que nós denunciamos e que Gustavo Petro também denunciou: chegar a um evento eleitoral sem uma negociação prévia e sem um marco de garantias não significava nada, pois qualquer um poderia se declarar vencedor e qualquer vencedor poderia acabar perdendo.
Você poderia ganhar politicamente e perder em termos institucionais.
Petro apresentou um marco de acordos, que o governo rejeitou. Depois, ele propôs um novo marco de acordos e o governo respondeu que iria estudar. Mas [a líder da oposição venezuelana] María Corina disse que não.
Os acontecimentos foram se precipitando e chegamos ao dia das eleições sem que houvesse um marco prévio de acordo e entendimento.
No dia das eleições, chegou-se a um resultado que, hoje, ninguém conhece porque Elvis Amoroso lançou um número no ar sem demonstrar a comprovação da verdade.
Por que tudo isso acontece? Porque não houve um marco, uma negociação prévia, porque Maduro também fez a sua parte e não há confiança entre as partes do conflito.
Recordemos que, pouco tempo atrás, houve um governo interino e uma dualidade de poderes: um senhor chamado Juan Guaidó. Ele recebeu fundos internacionais e nomeou embaixadores que foram reconhecidos pelos países. E eles pediram bloqueios e sanções pessoais que hoje pairam sobre a cabeça de Maduro e do seu entorno.
Dificilmente Maduro irá transigir, negociar e entregar o poder a certos setores que defenderam o aniquilamento da sua força política, não apenas sua derrota. Para isso, contribuíram setores internacionais, como os Estados Unidos e a Europa, que confiscaram fundos.
A única imunidade de Maduro e a única força que ele tem para negociar é a ostentação do poder político. E Maduro não irá ceder o poder político de forma submissa até que não se resolva a questão da sua segurança e estabilidade, dele e do seu entorno. Por isso, chegamos a um processo eleitoral sem que isso fosse resolvido.
Vocês observaram algum membro da oposição radical dizer que foi um erro pedir sanções? Não. Vocês observaram alguém pedindo a revisão das ameaças e sanções pessoais impostas contra Maduro e seu entorno? Também não.
Como dizia Sun Tzu em A Arte da Guerra, repetido posteriormente por Maquiavel: conheça seu inimigo e você vencerá, conheça o terreno e você vencerá.
Conhecendo Maduro, você o imagina cedendo o único elemento, a única carta de negociação que ele tem e que oferece a ele alguma imunidade, que é o poder político, em troca de nada?
Enfim, não foram estabelecidos acordos e, agora, estamos chegando a uma situação que não é boa para ninguém. E quem mais irá sofrer somos nós, cidadãos comuns. Em nenhuma parte do mundo alguém viu o governo passando fome.
BBC – María Corina Machado já disse mais de uma vez que está disposta a negociar…
Barreto – Não, o que eu sei que ela disse é que Maduro precisa primeiro reconhecer que foi derrotado e que o vencedor é Edmundo González Urrutia. Só então, se houver esse reconhecimento, haverá condições para uma negociação e alguma garantia.
Esta é uma atitude intimidadora. É inaceitável para o madurismo.
Imagine que você tenha uma situação em que haja reféns em um banco e você diz ao sequestrador: “Deponha as armas, entregue-se e depois verei se concedo indulto e se dou a você alguma garantia.” E o sequestrador responde: “Ah, que bom, que grande ideia!”
Não é assim que se negocia. Você não pode negociar supondo ou exigindo a claudicação do outro.
Você não pode negociar tentando impor o reconhecimento do que você deseja, sem considerar as condições e os desejos da outra parte.
Não se negocia com base no que eu desejo ou nos meus princípios. Para negociar, parte-se do que é possível, considerando as relações de força e as circunstâncias.
O governo não acredita que, com este adversário, terá garantias e poderá negociar. Por isso, é preciso que haja outros fatores para moderar o jogo político. Precisamos começar chamando as partes à ponderação, para tentar fazer com que todos, pouco a pouco, comecem a ceder, forçando uma negociação política.
Nestas circunstâncias de tensão e extremismo, não chegaremos a lugar nenhum e quem irá sofrer é o povo. Quem paga o preço das sanções e da inflação?
Aqui, é preciso exigir que as instituições cumpram com seu papel.
Não é com pulso firme, com jogo de força, que iremos conseguir resolver isso, porque estamos diante do que [o filósofo italiano] Antonio Gramsci chamava de empate catastrófico, quando duas forças conseguem se igualar no terreno, nenhuma delas consegue impor a vitória pela força e o combate entra em uma fase de desgaste e estagnação.
Aparentemente, os dois setores estão empenhados em uma longa guerra de desgaste, para ver quem acaba desgastando o outro.
Mas quem acaba se desgastando é o povo, que vai se empobrecendo. São as crianças que estão morrendo de desnutrição, é a pobreza que aumentou em 90%, são os preços que se tornaram inatingíveis, é o salário que está em US$ 3 [cerca de R$ 16,80].
Por isso, é preciso colocar o povo em primeiro lugar.