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Trump levantou o punho enquanto foi escoltado até um veículo pelos agentes do Serviço Secreto — Foto: Reprodução/BBC
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domingo 18 de agosto de 2024 às 13:45h

Por que atentado contra Trump não se tornou a imagem definitiva da campanha nos EUA

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De forma reservada, republicanos próximos a Donald Trump revelam que, de todas as surpresas com que se deparou até agora em seu objetivo de retornar à Casa Branca, uma em particular é a que tem tirado o sono do ex-presidente de 78 anos. Ele não entende por que sua vigorosa e imediata reação — punho cerrado, bandeira americana ao fundo, a exclamação “lutem” — ao atentado que sofreu em comício na Pensilvânia no dia 13 de julho não se tornou, com quatro meses de antecedência, a imagem definitiva e definidora das eleições americanas. A oposição segue com possibilidade de retirar os democratas do poder em novembro, mas as pesquisas, desde então, mostram movimento inverso, em disputa cada vez mais apertada.

Especialista em análise de imagens e símbolos de campanhas e movimentos políticos, o diretor do Centro de Pesquisas de Ativismo e Arte da Universidade de Nova York (NYU), Stephen Duncombe, afirma ao GLOBO que, neste caso, Trump, mesmo errado, está certo. E que aquela foi sim, de fato, a imagem-síntese da disputa — só que daquela contra o presidente Joe Biden.

Caracterizado pela espetacularização, o exercício político contemporâneo nas democracias liberais, aponta Duncombe, é feito para eleitores instados a reagir não a fatos, mas a uma sucessão de emoções. Algo, aliás, explorado com sucesso, destaca, pelo próprio Trump em 2016, com a “carga dramática” de seu movimento nativista Faça os EUA Grandes Novamente. Porém, em disputa ainda mais polarizada como a deste ano, não se detectou nas pesquisas a migração de intenção de votos esperada pelo republicano após sua reação ao ato de violência. “Se moveram”, pouco depois, eleitores que identificaram a possibilidade de um “terceiro ato, com personagem inesperado” na substituição do presidente pela vice, Kamala Harris, 59 anos, na chapa democrata.

— Com Kamala, o novo é palpável inclusive nos 20 anos a menos que a separam de Trump. E a cena de filme do ex-presidente se transformou em memória estática mais rapidamente do que imaginávamos. A velocidade, que poderia prejudicar candidatura lançada tão perto das eleições, tem sido grande aliada da democrata — afirma o acadêmico.

A coreografia do adeus

Das imagens marcantes da disputa original, Duncombe destaca outras três, além do atentado. Há o discurso do presidente no Estado da União, em março, quando Biden rebateu, altivo, a percepção de que, aos 81, estava avançado demais na idade para seguir na campanha. Mas este foi apagado três meses depois, quando ele se mostrou incapaz de completar o raciocínio com clareza seguidas vezes no debate da CNN. O mais consequente, diz o professor, foi a carta de desistência assinada à mão pelo presidente e publicada na rede social X, o “atestado de óbito da reeleição”. É importante atentar, sublinha, para a data da postagem, o domingo seguinte à festa republicana que consagrara Trump:

— Ao resistir à fritura interna por quase um mês e anunciar de imediato seu apoio a Kamala, Biden evitou tanto a autofagia do Partido Democrata, pois ficou apertado para fazer novas primárias, quanto a desconstrução de sua vice na Convenção Nacional Republicana. Lá, quem apanhou foi ele. Sua coreografia do adeus é dos desenhos mais importantes dessa corrida eleitoral.

Uma das vantagens da candidatura Kamala vem, paradoxalmente, aponta o diretor da NYU, de “sua passagem sem brilho pela vice-presidência, seja por falta de talento político ou pela pouca generosidade de Biden”. Ela entrou na cabeça da chapa governista como “uma tela quase em branco, onde o eleitor pode projetar o que bem quiser”. Trump e seu vice, o senador J.D. Vance, criticaram a ex-promotora por ela ter se recusado, desde então, a ser entrevistada. E o dar de ombros da democrata à chiadeira republicana enquanto subia nas pesquisas se relaciona, crê o professor, à mudança radical do imaginário da disputa.

Para analista, Kamala e Walz trocaram mensagem sombria de Biden por visão otimista, com espaço para brincadeiras nas redes sociais — Foto: Andrew Harnik/Getty Images via AFP
Para analista, Kamala e Walz trocaram mensagem sombria de Biden por visão otimista, com espaço para brincadeiras nas redes sociais — Foto: Andrew Harnik/Getty Images via AFP
 — Os discursos de Trump e Biden bebem de imagens distópicas e apocalípticas, que faziam sentido em 2020, com a realidade pandêmica. Um dizia que a eleição do adversário solidificaria a invasão de estrangeiros, em sua fantasia pessoas violentas e doentes. O outro equiparava o Trump 2.0 ao fim da democracia americana. Já Kamala trouxe elemento ausente até então: a alegria. Fez uma aposta, que até agora deu certo, no otimismo, e remete, curiosamente, ao imaginário do Reagan de 1984 — diz o estudioso do simbolismo nas eleições americanas.

À época, em oposição ao quadro social tenebroso escancarado pelos democratas, o republicano Ronald Reagan celebrou, em peça de propaganda, um “novo amanhecer nos EUA”. Nela, pessoas rumavam felizes ao trabalho, metáfora da consolidação da revolução conservadora por ele proposta quatro anos antes. Se reelegeu com 525 votos no Colégio Eleitoral, contra 13 do ex-vice-presidente democrata Walter Mondale.

Quarenta anos depois, o tabuleiro político é outro. Mas, com a reação divertida às tentativas do adversário de ridicularizar sua risada, as lições de sua mãe sobre solidariedade (“vocês acham que caíram de um coqueiro?”,) e sua identidade birracial, Kamala, negra e indiana, crê Duncombe, conseguiu a proeza de “irritar o menino malvado Trump”. Ao mesmo tempo, à esquerda, viralizou ao mirar com “olhos de mãe brava” um manifestante que denunciava os ataques de Israel em Gaza. Ele interrompeu o protesto até que ela encerrasse seu discurso. Passou, diz o acadêmico, imagem de “firmeza institucional, diferente da bravata individual trumpista, uma xerife em oposição ao caubói”.

Governador do mesmo Minnesota de Mondale, Tim Walz, agora o vice da vice, trouxe para a chapa democrata, argumenta Duncombe, uma ideia de masculinidade diferente da de Trump e Vance. Veterano militar e atirador premiado, no magistério o futuro político se notabilizou pela defesa dos direitos de alunos LGBTQIA+ e da distribuição gratuita de merenda e de absorventes nas escolas. Com Kamala, produziu, em pouquíssimo tempo, algumas das imagens que o especialista classifica como as mais simbólicas da corrida eleitoral até o momento, com potencial de atrair eleitores independentes:

— Os emojis de cocos e coqueiros. As gargalhadas. As frases, registradas em vídeo, com construção moral próxima ao cidadão comum. Do ‘Donald, fale de mim na minha cara’, de Kamala, ao ‘eles, que não gostam de mulheres sem filhos e com gatos, são esquisitões’ de Walz, em resposta a uma declaração misógina de Vance. São, claro, provocações pensadas para empurrar os adversários para o extremo. Mas a estratégia salta aos olhos ao afirmar que os ‘normais’, no mundo de hoje, são eles. Podem até perder em novembro, mas o farão com ousadia.

Reféns do contexto

Os “novos democratas” conseguiram interagir com a militância, aponta o especialista, com mais sucesso do que os rivais. Fazer o eleitor produzir conteúdo com potencial ainda maior de viralizar, a partir da produção da campanha, como se vê em sacadas como o “TimTok” de Walz é, destaca Duncombe, ouro.

— O eleitor se sente parte de um movimento, como o de (Barack) Obama em 2008, pela via da esperança, e o de Trump em 2016, pela do ressentimento. Se essa multiplicação de imagens levará Kamala à Casa Branca, é cedo para dizer. Sua campanha parece ter entendido melhor a dinâmica da corrida, mas uma das lições do atentado a Trump é a de que hoje podemos até controlar o significado de imagens grandiosas, mas nos tornamos ainda mais reféns do contexto em que elas serão inseridas nas plataformas em velocidade cada vez maior — diz o professor.

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