A saída da rede social X do país, anunciada neste sábado (17), pode dificultar o cumprimento de decisões da Justiça brasileira, assim como a fiscalização das práticas da empresa. Segundo a advogada Larissa Pigão, especialista em Direito Digital e na Lei Geral de Proteção de Dados, a inexistência de um escritório no Brasil torna a relação da Justiça com a empresa de Elon Musk ainda mais complexa.
— Se não há escritório no país, o acesso do Judiciário à empresa fica comprometido, o que enfraquece a fiscalização e a aplicação das normativas e da legislação brasileira — afirma a advogada.
Pigão explica que, mesmo fora do Brasil, o X continuará submetido à legislação brasileira, mas obrigá-lo a cumpri-la será mais difícil, seja por dificuldades de comunicação, seja pela morosidade característica do sistema judiciário internacional.
Em nota divulgada na própria rede social, o X afirmou que a responsabilidade pela decisão de deixar o Brasil “é exclusivamente de Alexandre de Moraes”. No comunicado, a empresa mencionou uma decisão sigilosa do ministro do Supremo Tribunal Federal que teria determinado a intimação dos advogados regularmente constituídos pelo X no Brasil para tomarem as providências necessárias para o bloqueio de contas determinado pela Justiça.
As tais contas estariam publicando mensagens antidemocráticas e de ódio dirigidas a autoridades. Caso a rede social se recuasse a bloqueá-las, a responsável pela empresa no Brasil, Raquel de Oliveira Villa Nova Conceição, poderia ser presa por desobediência. A empresa também seria multada em R$ 20 mil por dia.
O X disse que “para proteger a segurança de nossa equipe, tomamos a decisão de encerrar nossas operações no Brasil, com efeito imediato” e atacou o ministro: “suas ações são incompatíveis com um governo democrático”.
Segundo Pigão, a estratégia da rede social de fato é bem-sucedida quanto a impedir a prisão de Villa Nova Conceição, uma vez que ela deixa de representar a empresa no Brasil. No entanto, as multas relativas ao não cumprimento da decisão judicial continuarão sendo cobradas. O melhor, diz a advogada, seria que a empresa e a Justiça chegassem a um acordo, mas é difícil até mesmo especular quais seriam os termos, uma vez que tudo corre em segredo de Justiça.
A advogada acrescenta que é difícil avaliar o impacto da saída do X do Brasil no combate a desinformação, uma vez que o ecossistema das fake news engloba também a inteligência artificial e outras plataformas.
‘Não muda nada’
O especialista em tecnologia Arthur Igreja afirma que o impacto do encerramento das operações do X no Brasil deverá ser mínimo. A própria rede social afirmou que continuará disponível aos usuários do país. Igreja diz que não deve haver sequer impacto nas contas da empresa, uma vez que ela poderá continuar trabalhando com anunciantes brasileiros.
— Para o público, não muda nada. Para os anunciantes, não muda nada. Eles anunciaram que mandaram embora todos os funcionários no Brasil, mas ainda precisarão ter uma representação jurídica aqui — explica. — Dizer que que eles estão saindo do Brasil parece drástico, mas a verdade é que só não vão ter um time operacional mais amplo aqui. Vai ser curioso ver como eles vão cumprir os requisitos para continuar funcionando no Brasil.
Para Igreja, o objetivo da rede social parece ser incentivar um certo “clamor popular” e conquistar apoio político para sua causa, uma vez que qualquer empresa que não cumpra decisões judicias está sujeitas às mesmas penalidades estipuladas por Moraes.
No comunicado, o X afirmou que as ações do ministro “são incompatíveis com um governo democrático”. “O povo brasileiro tem uma escolha a fazer: democracia ou Alexandre de Moraes”, disse a nota.