“Brasil propõe repetir eleições até que Maduro ganhe” — estampou nesta última terça-feira (13) El Chigüire Bipolar, jornal satírico venezuelano especializado em “notícias parciais e sem veracidade” editadas por uma capivara com indigestão psicológica.
Acrescentou: “Num esforço para solucionar a crise venezuelana, Celso Amorim, assessor do presidente Lula da Silva e a única pessoa para quem, no entanto, não é suficiente uma web com todas as atas do CNE [Conselho Nacional Eleitoral], sugeriu repetir as eleições na Venezuela até que [Nicolás] Maduro ganhe.” Poderia ser uma “melhor de três”, ironizou o jornal.
A política de Lula e Amorim para a Venezuela virou meme.
Lula esboçou essa proposta de novas eleições presidenciais durante a reunião ministerial da última quinta-feira (8), contaram os repórteres Andrea Jubé e Fernando Exman, do Valor. Amorim confirmou, qualificando-a como sugestão “informal.”
Em Caracas, a oposição à ditadura chefiada por Maduro, que já havia rejeitado a ideia, preferiu nem comentar. Indicou a piada do El Chigüire Bipolar como resposta.
Lula e Amorim sequer conseguiram ser originais. Esse plano havia sido torpedeado pelo ex-presidente da Colômbia, Iván Duque. Em comentário de 543 palavras que divulgou numa rede social, no domingo anterior (4/8), Duque contou que o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela estudava “a possibilidade de declarar nulas as eleições”, com o argumento de que os dados das urnas podem ter sido corrompidos em suposta ofensiva de hackers a partir da Macedônia contra o Conselho Nacional Eleitoral.
Dominados por Maduro, o tribunal e o conselho eleitoral não divulgam informações sobre esse hipotético ataque, assim como não publicam as atas eleitorais (boletins de urna) que alegam sustentar a vitória do ditador — a oposição lançou quase 30 mil atas na internet, demonstrando a derrota do regime por mais de 30 pontos percentuais de diferença. O tribunal marcou para a próxima sexta-feira (16/8) a “sentença” sobre o resultado eleitoral. Será “inapelável”, avisou.
Dez dias atrás, a mensagem de Duque sobre manobras da cleptocracia venezuelana para anular a eleição podia ser interpretada como reação retórica de um ex-presidente colombiano adversário do chavismo. A proposta de Lula e Amorim deu-lhe um verniz de autenticidade, ao menos em parte. Ele antecipou: “O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, sugeriria repetir as eleições para ajudar Maduro, e está tentando que México e Brasil façam o mesmo.”
O plano prevê decreto judicial, “de cumprimento obrigatório”, ordenando ao conselho eleitoral que “desproclame” Maduro como eleito” e determine nova eleição presidencial “para a primeira quinzena de dezembro de 2024”.
Duque listou consequências possíveis nesse “cenário estratégico” da ditadura:
1) “Congelar” a situação política — em tese, não haveria motivos para protestos domésticos;
2) “Eliminar” a suspeita de fraude nas urnas com a teoria de que os dados eleitorais teriam sido modificados no suposto ataque hacker;
3) “Satisfazer” parte da opinião pública externa com novo processo eleitoral;
4) “Blindar” o regime ditatorial por quatro meses, para que possa se organizar e garantir sua vitória nas urnas em dezembro.
Lula e Amorim apostaram na permanência da cleptocracia chavista. Ambos têm um histórico de duas décadas nesse flerte, primeiro com o coronel Hugo Chávez e, depois, com Maduro. Desta vez, perderam (ano passado haviam apostado no candidato peronista na Argentina, e perderam com ele).
Adotaram a tática da cegueira deliberada. Na campanha, promoveram homenagens públicas a Maduro, enquanto rejeitavam, em privado, atender a um telefonema da líder da oposição, María Corina Machado, banida da eleição.
Nos últimos quinze dias, diante das evidências e protestos contra fraude, produziram distrações — entre outras, questionando a legitimidade dos boletins de urna divulgados pela oposição (82% do total).
Reivindicavam papel de liderança na resolução do impasse venezuelano. Acabaram virando meme em Caracas.