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terça-feira 13 de agosto de 2024 às 13:02h

‘É preciso valorizar os funcionários do campo’, diz Sidney Fujivara

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A colonização japonesa dos anos 1920 e 1930 deu origem à herança econômica do cultivo de frutas, legumes e cereais na região do sudoeste paulista. Com uma das maiores concentrações de nisseis do país, a cena de municípios como Buri, Capão Bonito, Itapeva e São Miguel Arcanjo mudou com a celeridade de lavouras lideradas por imigrantes japoneses.

Do comércio das feiras para os contêineres de exportação, produtores como Sidney Fujivara perpetuam a ancestralidade cultural do Japão no Brasil e dão impulso à produtividade de áreas altamente rentáveis. Junto com o irmão Sérgio, Sidney comanda a SF Agronegócios. Na safra 2024/25, serão 2.350 hectares de área cultivada com soja, milho, trigo e sorgo.

Ávido por conhecimento, ele é conhecido na região por testar todo tipo de cultivar ou insumo, além de ser um “coach agro” de universitários e executivos. Seus talhões são laboratórios abertos ao público, e os resultados milimetricamente computados na palma da sua mão, como conta à Globo Rural.

Formado em engenharia agronômica pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), em poucos anos se tornou o pioneiro no plantio e desenvolvimento da batata ágata, uma cultivar da Holanda, em que ele decidiu apostar.

Agora, como empresário de grãos, defende que pensar no futuro do agro é vivenciar a mudança de reputação da atividade, que, para ele, “deixou de ser coisa de jeca-tatu”, mas ainda precisa ser melhor explorada pelos próprios integrantes da cadeia. Ele incentiva que os jovens conheçam e entendam muito bem o “básico” da agronomia.

Globo Rural: O que é o básico no agro hoje? O que falta para o profissional do agronegócio?

Fujivara: Para os profissionais que gostam do agronegócio e se interessam pelo setor, é essencial investir em conhecimento básico, conhecimento agronômico sobre agricultura e sobre a realidade do campo. Isso é uma necessidade e uma falta que noto nos profissionais que estão se formando. Muitos deles se direcionam à área comercial e eu sinto muita falta de profissionais que entendam da evolução agronômica para conseguir trabalhar com o que vem no futuro. Aqueles que entendem o que acontece no campo têm facilidade para crescer na carreira.

Como a ancestralidade japonesa influencia seu trabalho no campo?

Fujivara: Meus avós chegaram em 1929 ao Brasil e foram trabalhar nas lavouras de café da Alta Mogiana, em São Paulo. Começaram trabalhando nas colheitas de terceiros, até conseguirem plantar por conta própria. Naquela época, chegaram a entrar na comercialização do café, mas meu avô Massaki Fujivara me contou que teve um ano que deu uma chuva de pedra e dizimou todas as lavouras da nossa família. E japonês gosta muito de cultivo de hortaliças e frutas, de clima mais temperado. Foi aí que, 20 depois, chegaram a Capão Bonito. Ali, o clima era mais propício aos hortifrútis e à batata. Meu pai cresceu nesse universo e, na década de 1970, quando começou a cuidar dos negócios, implantou o milho e o feijão. Antes disso, meu avô tinha comprado um caminhão para meu pai. Era ele que fazia o transporte da batata até São Paulo. Um trajeto de três horas hoje, levavam-se dez horas na época. Essa experiência fez meu pai querer que os dois filhos estudassem. Primeiro, meu irmão saiu, mas voltou, e depois eu fui, porque queria fazer faculdade. E se eu não fosse agrônomo, não sei o que seria na vida.

Como foi a passagem de bastão de pai para filhos?

Fujivara: Meu pai sempre foi muito aberto a novidades, e nós gostávamos de pesquisar, aprender, o que facilitou a implementação de testes de tudo o que aprendia na faculdade e trazia para nossa área. Nunca tivemos nenhum tipo de embate, e nosso foco era a melhor performance. Isso me fez ser muito cético para trabalhar em um mercado de alta competitividade. Não saio comprando insumos de qualquer revenda, não. Faço diversos testes. Estou, por exemplo, com sete híbridos de milho cultivados em uma gleba, os quais acompanho de um aplicativo antes de escolher o que será, de fato, plantado.

Por que decidiu parar de cultivar batata?

Fujivara: Fizemos um planejamento de quatro anos a fim de parar o plantio de batata, em que tinha muitos problemas com mão de obra. Na região, ninguém acreditava que eu e meu irmão cumpriríamos o plano, já que a batata sempre esteve nas três gerações da família. Também não acreditavam porque eu fui pioneiro ao trazer uma variedade holandesa, a ágata, que teve muito sucesso em Capão Bonito. Mas decidi mirar nos cereais em busca de produtividade e rentabilidade. Nas últimas quatro safras, a produtividade média na soja foi de 76,5 sacas por hectare, mas já alcançamos teto de 108 sacas na safra 2022/23.

Como foi o ponto de virada?

Fujivara: No momento da tomada de decisão de parar com a batata, nós começamos a expandir a área de cereais e a investir em máquinas e no arrendamento de terras. Nossa região era uma “casadinha” de milho-feijão, feijão-milho. Essa era a característica do sudoeste paulista, que foi por muito tempo referência em feijão. Mas, com o surgimento da mosca-branca, responsável pelo vírus do mosaico dourado no feijão, o cultivo foi ficando inviável. O jeito foi buscar alternativas e, nesse tempo, entre 2000 e 2001, a soja estava em alta, adaptando-se muito bem aos nossos solos.

E como você está lidando com os extremos climáticos?

Fujivara: A agricultura é feita de ciclos. A gente tem que se preparar e investir. Por isso, gestão de pessoas e revisão de modelos de negócios são extremamente necessários para o produtor-empresário. Não dá para achar que uma saca vai custar sempre R$ 200 e chegar a momentos como a safra 2023/24, de alto volume no Brasil, mas com cotações bastante desproporcionais aos da média histórica. É uma questão de adaptação, de buscar novas tecnologias, novas variedades e de motivar o pessoal que trabalha com você.

A que você atribui essa curiosidade por novas variedades?

Fujivara: Isso vem desde a época do meu pai, que sempre gostou de inovações e mecanização das lavouras. Há 32 anos, quando comecei a tomar conta do negócio com meu irmão, ele me dava abertura para experimentar, exemplo que passo ao meu filho e meus sobrinhos, que representam a quarta geração da nossa família.

O que você considera crucial para o produtor enfrentar desafios nas próximas safras de grãos?

Fujivara: Organização e investimento em governança. Não fazemos nada sem aqueles que estão trabalhando na roça. De que adianta comprar uma máquina de milhões de reais e de última geração sem ter quem vai operá-la? É preciso valorizar quem está à frente do nosso negócio, que são os funcionários do campo. O dever de casa tem que ser feito principalmente em momentos como este, de clima adverso e commodities com preços em queda, o que inclui rever a gestão financeira, administrativa e, especialmente, de pessoas. O clima não está na nossa mão agora, mas o gerenciamento sim.

Como você observa a participação dos jovens no agronegócio?

Fujivara: Hoje, os jovens querem tudo muito rápido, sem se atentar ao básico, que é conhecimento agronômico. Quantos se formam e não sabem a diferença entre uma lavoura de trigo e uma lavoura de aveia? O que é e como se produz batata? Como se produz amendoim? Não têm a mínima noção. Com o tempo, entendi que é preciso motivar os jovens a conhecer o básico antes de conhecerem as tecnologias.

E qual é a importância de falar de sucessão no campo?

Fujivara: Eu sou um grande privilegiado, porque sempre tive muito claro que gostaria de estudar agronomia. Na nossa família, a sucessão também foi um processo muito natural e tranquilo, do meu pai para mim e meu irmão e, mais recentemente, para nossos filhos. Para meu filho e meus dois sobrinhos, que estão conosco no campo e na administração, ser um agricultor e um agrônomo sempre foi o propósito de vida. Mas isso não é comum e é o ponto em que muitas empresas não conseguem avançar. Tem um ditado que diz que ninguém gosta do que não conhece, não é? Por isso, eu defendo que é preciso levar os filhos para a roça, o meu mal andava e já estava no meio das lavouras de batata. Vivenciar essa realidade desperta nas crianças e nos jovens o amor pela agricultura. E é uma satisfação ver essa dedicação através de gerações.

Você acredita que há oportunidades diferenciais do agronegócio brasileiro em relação ao de outros países?

Fujivara: Há uma grande diferença da cadeia do agro brasileiro em relação à europeia ou à americana. No Brasil, o sistema de gestão do agricultor é mais completo, podemos dizer que fazemos muito mais do negócio do que o trabalho operacional. Se comparamos com os europeus, eles estão mais ligados ao operacional do dia a dia [trabalho braçal], que é mais sofrido e esconde o que de fato despertaria a atenção dos jovens. Os americanos, outro exemplo, são proprietários e estão tocando a colheitadeira ou os tratores, sem mão de obra. Enfim, para nós a cadeia empresarial é complexa. Os mais novos brasileiros, por sua vez, têm que se relacionar com peão da fazenda, com operador de máquina, e vivenciar essa realidade é muito legal.

A reputação do agronegócio mudou?

Fujivara: O status do agro se transformou. O agronegócio é sustentável, é tecnológico e é aula de gestão. Costumo dizer que o setor deixou de ser o do “jeca-tatu” de antigamente e, como qualquer outro setor, precisa de gestão de pessoas, de modelo de negócio, de interesse pela aprendizagem. Eu lembro quando eu saí de um colégio estadual de Capão Bonito, no interior, para fazer o colegial em São Paulo, eu era tratado como um jeca, como um “pé-vermelho”, um caipira que não sabia nada, e hoje não é mais assim. Agora, se você vai a qualquer lugar de bota e chapéu, ninguém lhe julga como malvestido. Nós estamos deixando a imagem de caipira para agregar a de empresário. Consequentemente, isso acaba despertando o interesse dos jovens. É comum encontrarmos jovens de São Paulo, capital, fazendo agronomia, e é por isso que defendo a relevância desse pessoal ter vivência no campo. É o que me faz receber universitários na fazenda, afinal, muitos nunca saíram das avenidas de São Paulo. Além, é claro, de lideranças de multinacionais que chegam ao Brasil e também precisam se aproximar da nossa realidade.

E como é o trabalho de convencer as pessoas sobre as qualidades do agro?

Fujivara: Eu faço palestras em escolas e, nas minhas conversas com “urbanos”, destaco um conceito muito simples: a agricultura brasileira é tropical e, por isso, é possível produzir alimento durante os 12 meses do ano, diferentemente da agricultura temperada da Europa, dos Estados Unidos, ou mesmo da Argentina. O Brasil é o único país capaz dessa proeza.

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