O Primeiro Comando da Capital (PCC) atua para tentar se infiltrar nas eleições municipais de 2024, lançando candidatos aos cargos em disputa. É o que apontam investigadores com base em interceptações telefônicas feitas durante os trabalhos que levaram à Operação Decurio, deflagrada nesta terça-feira (6), pela Delegacia Seccional de Mogi das Cruzes, da Polícia Civil de São Paulo. O chamado “núcleo político” seria liderado por João Gabriel de Mello Yamawaki, um dos responsáveis por um dos maiores esquema de lavagem de dinheiro da facção. Ele teve a prisão decretada. As informações são do jornal, UOL.
Dois candidatos a vereador – um pelo União Brasil, em Mogi das Cruzes, e outro pelo PSD, em Santo André – foram alvo da Operação. A Justiça decretou contra eles medidas restritivas de direito: eles foram proibidos de se ausentar das comarcas e devem se recolher em casa no período noturno, além de terem sido proibidos pela Justiça de exercer cargo, emprego ou função pública ou mandato eletivo”. Procurados, o PSD e o União Brasil não se manifestaram.
Apontado pelo delegado Fabrício Intelizano como articulador do grupo, Yamawaki seria um dos interlocutores de Fabiana Lopes Manzini, companheira de Anderson Manzini, um integrante do PCC preso na Penitenciária de Avaré. Manzini é primo de Yamawaki e integrante do grupo liderado pelo sequestrador Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho. Segundo as investigações da Delegacia Seccional de Mogi das Cruzes, Fabiana era responsável pela transmissão de ordens dos integrantes da organização presos para os que estão em liberdade.
Os policiais descobriram que ele e outros três acusados seriam responsáveis por gerenciar o esquema de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas da facção e movimentar recursos ilícitos em suas contas bancárias, de onde viriam os recursos para investir na eleição. João Gabriel é um dos 20 acusados que teve a prisão temporária decretada pela Justiça.
Além dele, os policiais identificaram outros três acusados de pertencer ao núcleo político. Um dos casos é o de Kelly Cristine Pereira de Oliveira, apontada como companheira de Márcio Barbosa da Silva, o Beiço de Mula, uma das lideranças do PCC no ABCD. O Estadão não conseguiu localizar os defensores de Fabiana, de Manzini, de Kelly Cristina e de Beiço de Mula.
“Kelly é funcionária comissionada da Prefeitura de São Bernardo do Campo, exercendo cargo de diretora na Secretaria de Obras, indicando uma possível ou provável influencia nefasta do PCC em prefeituras e câmaras de vereadores do ABC”, escreveu o magistrado ao relatar a investigar da polícia. De acordo com as investigações, Beiço de Mula teria recebido em suas contas a quantia de R$ 1.014.648,00.
Os investigadores identificaram ainda Marie Sassaki Obam, como uma possível candidata a vereadora em Mogi das Cruzes “que seria apoiada pela facção”. Marie consta na ata da convenção do União Brasil da cidade como candidata a vereadora na cidade. “Ao longo da investigação ficou confirmado que têm um relacionamento estável com João Gabriel e reside com o mesmo e com seus filhos em um condomínio de luxo em Mogi das Cruzes”, escreveram os investigadores.
A candidata é ainda mãe da empresária Matie Obam, que foi proibida pelo magistrado de exercer atividades empresariais, além de deixar a comarca sem autorização judicial. Ela deve se recolher à noite em casa. Ele é proprietária do 4Bank, uma das empresas atingidas pela operação. O banco pertence ao 4TGROUP. Policiais civis cumpriram mandado de busca e apreensão na sede do grupo, no Condomínio WTorre JK, na Vila Nova Conceição, na zona sul.
De acordo com o magistrado, “os policiais constataram que a Rede Kampai Restaurantes faria parte do esquema de lavagem de dinheiro da organização criminosa”. Segundo o juiz, ela tem como sócia Matie Obam, “residente em Mogi das Cruzes, cuja pessoa jurídica teria sede em Palmas (TO) e São Paulo, movimentando mais de R$ 100 milhões no período investigado. “Os investigadores apontaram que as empresas de Matie teriam movimentado meio bilhão de reais, muitas das vezes em espécie.”
A reportagem telefonou para Marie Obam, mas ela não atendeu. Até a publicação deste texto, não foi possível localizar a defesa de Matie Obam, bem como de seu grupo empresarial.
Outro suspeito listado no núcleo político é Thiago Rocha de Paula. “Ele é citado em diálogos como possível candidato à vereador de interesse da OrCrim e suspeito de possuir relações estreitas com Marcio Barbosa Silva, Beiço de Mula”, escreveram os investigadores. “Em outras conversas (dos investigados), há expressa menção a candidatos ao cargo de vereador, os quais, conforme o teor das conversas, seriam pessoas ligadas à OrCrim”, escreveu o magistrado.
De acordo com a decisão, Thiago Rocha de Paula é acusado de receber “valores da empresa 4TPAG, utilizada por João Gabriel de Melo Yamawaki para movimentar valores ilícitos.” Ele consta na ata do PSD como candidato a vereador em Santo André, no ABC. Em 2020, chegou à terceira suplência do partido e assumiu como vereador durante 20 dias.
A reportagem telefonou para Thiago de Paula e deixou recado em seu telefone, mas não conseguiu entrevistá-lo sobre a decisão judicial e as investigações da polícia.
Inquérito também identificou outros núcleos
Ao autorizar a Operação Decurio, o juiz Paulo Fernando Deroma de Mello, da 2.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital, decretou o bloqueio de R$ 8,1 bilhões de bens relacionados ao PCC, a maior medida de sequestro até hoje decretada pela Justiça contra suspeitos de pertencer ao grupo. Foram expedidas 22 prisões temporárias e 55 mandados de busca e apreensão. Ao todo, 13 pessoas foram presas, entre elas o advogado Ahmed Hassan Saleh, o Mude.
Com ele, policiais apreenderam um cheque de R$ 55 milhões, apreenderam sete veículos de luxo, três armas de fogo, munições, celulares e eletrônicos e, aproximadamente R$ 25 mil e US$ 4,6 mil em dinheiro. Três empresários investigados no caso foram proibidos pela Justiça de exercer a atividade empresarial.
O inquérito que descobriu o “núcleo político” do PCC também identificou outros quatro núcleos da facção. A investigação começou há um ano, depois da prisão de Fabiana Manzini, suspeita de ser a responsável pela guarda de cerca de 30 quilos de drogas (maconha e cocaína), em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo.
Além de servir de meio de comunicação entre os integrantes da organização que estão presos com aqueles que estão nas ruas, ela ajudaria na comunicação entre penitenciárias, “recebendo cartas enviadas por uns e remetendo em seguida para outros”.
Entre os núcleos identificados pelos policiais estão integrantes da chamada Sintonia dos Gravatas, os advogados que auxiliam a comunicação de presos “incomunicáveis entre si” durante atendimentos nos presídios. Gislaine Nascimento do Prado Rosa foi apontada como a chefe do setor. O magistrado proibiu seis dos advogados investigados de entrar em penitenciárias enquanto durar a apuração. O Estadão não conseguiu localizar Gislaine.
Além de Fabiana, outras mulheres foram identificadas como peças da rede de comunicação da facção com o uso de aplicativos. E assim os policiais chegaram ao núcleo ligado à lavagem de dinheiro da facção. Entre os integrantes do grupo estão nomes já investigados na Operação Fim da Linha, como o advogado Saleh, um dos acionistas da empresa de ônibus UPBus, que detém contrato com a Prefeitura de São Paulo para explorar linhas de transporte de passageiros na zona leste de São Paulo.
A UPBus é uma das duas empresas de São Paulo que sofreram intervenção judicial, com o afastamento de suas diretorias, sob a suspeita de serem usadas pela facção para a lavagem de dinheiro. Agora, segundo os investigadores, Saleh seria um dos interlocutores de Fabiana, “extrapolando o ofício de advogado, utilizando se da profissão tentar blindar as atividades ilícitas da OrCrim, bem como transmite informações relevantes e auxilia, com isso, na exploração do tráfico de drogas”. Ainda segundo listou o magistrado, ele “também auxilia na lavagem de capitais dos valores auferidos ilicitamente”.
Além de Saleh, também foi identificado entre os integrantes do setor de lavagem de dinheiro Décio Gouveia Luis, o Décio Português, um dos integrantes da Sintonia Final da facção. Ele teve a prisão decretada na Operação Fim da Linha e, agora, voltou a ter a prisão decretada pela Justiça. Décio permanece foragido.
Décio Português e Saleh são ainda investigados sob a suspeita de lavagem de dinheiro na região do Tatuapé. Outro chefe do PCC a ter a prisão decretada neste caso foi Patrick Velinton Salomão, o Forjado, apontado como responsável pelo plano para sequestrar e matar o senador Sérgio Moro. Ele está foragido.
Ainda de acordo com os investigadores, foram identificados integrantes das Sintonia Restrita, o grupo de sicários do PCC. “Foi identificado um esquema estruturado para o branqueamento de valores oriundos dos diversos crimes praticados pelos membros do Primeiro Comando da Capital, especialmente o tráfico de drogas”, escreveram os investigadores.
O Estadão não conseguiu localizar Décio Português, Forjado e Saleh. Também não conseguiu localizar seus defensores. Em outros processos, eles sempre negaram as acusações de ligação com a facção ou com a lavagem de capitais.
Entre os afetados pelo sequestro de bens estão empresas de marketing esportivo, redes de restaurantes, um banco, atacadistas, consultorias contábeis, um comércio de pescado, uma holding e um grupo empresarial, muitos dos quais tiveram R$ 500 milhões em bens bloqueados. Entre as pessoas físicas mais afetadas pelo bloqueio de bens estão Marie, Matie e João Yamazaki, cada um com meio bilhão de reais em bens bloqueados.
PT e a Cracolândia
Na terça-feira, dia 6, foi a vez da Operação Salus et Dignitas prender um personagem ligado ao meio político: trata-se de Janaína da Conceição Cerqueira Xavier, que foi candidata pelo PT a vereadora em São Paulo. Ela teve a prisão decretada pela Justiça e foi detida sob a acusação de fazer parte do grupo liderado por Leonardo Monteiro Moja, o Leo do Moinho, o patrão do PCC na região central de São Paulo, também detido.
Ao Estadão, o PT alegou que Janaína nunca teve atividade no PT. “Ela se filiou no dia 25 de abril de 2019 para concorrer no ano seguinte a vereadora como representante da população em situação de rua, recebeu 238 votos e nunca mais participou de atividades partidárias. Na época da filiação não havia qualquer processo contra ela”, informou o partido por meio de nota. “O PT defende as investigações e que os culpados sejam punidos conforme a lei”, informou a nota. A reportagem não localizou a defesa de Janaína.