No entanto, o Vale São Francisco – as cidades de Juazeiro, Casa Nova, Sobradinho e Curaçá -, não brilha sozinho. Embora tenha sido o primeiro a produzir uvas para vinhos finos, nos anos 90, outras rotas começaram a surgir, como a Chapada Diamantina, nas cidades de Mucugê e Morro do Chapéu, e também no Oeste do estado, na cidade de Barra, que segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), está em fase de implantação.
Mesmo com a chegada dos novatos, foi das terras de Chico que veio o primeiro prêmio nacional, em 2012, quando o tinto Testardi, da Miolo Wine Group – Vinícola Terranova, de Casa Nova, elaborado com uvas Syrah colhidas nos meses de junho e julho, ganhou o prêmio de melhor vinho tinto brasileiro na degustação da Vinexpo, em São Paulo. “Desde então, diversos outros vinhos, entre espumantes, brancos e tintos têm conquistado premiações nas degustações às cegas, organizadas por diversos eventos enológicos no país, bem como pela Associação Brasileira de Enologia (ABE)”, revela o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Giuliano Elias Pereira.
Com as videiras ficando mais velhas, certamente a qualidade dos vinhos irá melhorar, ganhando mais adeptos e abrindo novas fronteiras mercadológicas
As variedades são muitas e vão de espumantes entre moscateis (doces), brancos e rosados, com as uvas Moscato Itália e Grenache, aos elaborados espumantes brut (secos) e demi-sec (meio doces), brancos e rosados, com as uvas Chenin Blanc, Verdejo e Sauvignon Blanc. Ainda tem os vinhos tintos jovens, com as uvas Syrah, Tempranillo e Grenache, assim como tintos de guarda, com Syrah, Tempranillo e Mourvèdre. Por fim, os vinhos brancos tranquilos, com as uvas Chenin Blanc e Verdejo, bem como rosés, com as uvas Grenache e Tempranillo. Além desses, produz-se também brandy da uva Moscato Itália.
São 600 hectares de vinhedos para vinhos finos, com cerca de 150 hectares na Bahia e 350 hectares em Pernambuco, que têm produzido cerca de sete milhões de litros de vinhos finos por ano, com as duas colheitas de uvas possíveis. Grande parte da produção baiana – cerca de 20 rótulos de vinhos, entre espumantes, vinhos brancos, tintos, rosés, além dos brandies – é vendida no mercado interno. “Mas existe uma pequena parte exportada, ainda não contabilizada nas nossas pesquisas”, disse o pesquisador da Embrapa.
De acordo com Giuliano, as vinícolas baianas estão aprimorando o processo de produção das uvas, assim como os protocolos de elaboração dos vinhos. “Com as videiras ficando mais velhas, certamente a qualidade dos vinhos irá melhorar, ganhando mais adeptos e abrindo novas fronteiras mercadológicas. E o principal é que estimula o enoturismo que, por sua vez, promove o desenvolvimento rural e urbano sustentáveis. O exemplo desse sucesso é a Serra Gaúcha, no Rio Grande do Sul. Mas com a produção de vinhos no Vale do São Francisco, na Chapada Diamantina, e brevemente no oeste baiano, o enoturismo proporcionará mudanças positivas e atração de novos investimentos à região”, observa.
Chapada Diamantina
A produção na Chapada Diamantina é recente, mas já deu excelentes resultados. Esse é o segundo polo produtivo de uvas e vinhos na Bahia, onde os vinhos de inverno são produzidos desde 2018, nos municípios de Mucugê e Morro do Chapéu. Os testes de adaptação foram com 10 variedades de videira, a Vitis vinífera L. europeias, implantadas em 2010, em Morro do Chapéu. O projeto foi fruto de uma parceria entre o Governo do Estado, através da Secretaria da Agricultura, a Prefeitura de Morro do Chapéu, a Embrapa Uva e Vinho e a Embrapa Semiárido.
Em Morro do Chapéu são três vinícolas atuando, como a Vinícola Vaz, que tem uma área de cinco hectares, com vinhos sendo comercializados desde 2020. Tem também a vinícola Reconvexo, que em dois anos de existência investiu R$ 1 milhão na produção de vinho e já prevê aumento de 50% no faturamento, em relação ao ano de 2021.
“Nossa produção ainda é pequeníssima. Comercializamos nossos produtos na própria Vinícola Reconvexo e pretendemos continuar produzindo vinhos exclusivos e com tiragem limitada. Nosso objetivo é oferecer a experiência na própria vinícola. Mas vamos aumentar a produção nos próximos três anos. Testaremos 10 variedades de uvas vitis viníferas distintas. Após esses testes continuaremos o investimento na ampliação do plantio e a produção com as variedades que melhor se adaptarem ao nosso terroir”, revela um dos fundadores Rafael Bezerra.
Já a Vinícola Vaz, do agrônomo e produtor Jairo Vaz, também se prepara para muitas novidades nos próximos anos. Segundo seu fundador, a motivação de investir em vinhos não foi financeira, inicialmente, mas com o tempo, ele percebeu o potencial econômico do negócio.
“Aqui não tinha tradição alguma em produção de vinho. Mas fiz uma parceria com uma cooperativa francesa e percorremos a Chapada fazendo experimentos. Foi aí que nos instalamos em Morro do Chapéu, onde moro e trabalho com a minha família. O interessante da Chapada, especialmente em Morro do Chapéu, não é propriamente o solo, mas o conjunto, o que chamamos de terroir, que é a mistura de solo, clima principal, geografia e cultura. A cidade tem aptidão turística e isso fez com que escolhêssemos algumas variedades de uvas para trabalhar, como a Malbec, Syrah e Pinot Noir e as brancas”, conta Vaz.
Para ele, os impactos sociais e econômicos da produção de vinho são muito importantes para o desenvolvimento da região. “Temos uma produção de dois milhões de garrafas de vinhos. Esse número é expressivo. A produção estava localizada no Vale e agora, com a entrada da Chapada, com a nossa vinícola, a UVVA, a Reconvexo e outras, vamos somar mais 400 mil litros, por ano, em breve. Na parte social, a viticultura precisa de muita mão de obra, temos umas mil pessoas trabalhando só na nossa área. Abre também oportunidade para o enoturismo, com abertura de mais hotéis, restaurantes, transportes e outras. Economicamente somos muito importante para a Bahia”, afirma.
Na Vinícola Vaz são produzidas cerca 20 mil garrafas ao ano. Para 2022, a expectativa do agrônomo é de chegar a 30 mil. A comercialização ainda é regional, em pontos de vendas como nos restaurantes, hotéis e na própria sede, mas para o futuro, Vaz pretende alcançar além-mar. “Vendemos para Salvador, Vitória da Conquista, Feira de Santana. Dentro da Chapada, em Lençóis, Mucugê e Capão, mas temos muito a crescer e ocupar espaços que hoje são ocupados por Argentina, Chile e Portugal”, projeta.
Vamos fazer uma vinícola dentro da vinícola, com capacidade de produção de 200 mil litros ao ano
Ele ainda conta as novidades a partir deste ano. Vaz vai investir no turismo do vinho e, com algumas parcerias vai lançar a Rota Sensorial na Chapada, no próximo semestre. Vai inaugurar uma adega subterrânea e um loteamento vinícola com lotes individuais para que as pessoas possam viver dentro do universo do vinho.
“Mas considero um dos projetos mais importantes a parceria com a Vinícola Angelo Luvison, em Flores da Cunha, Serra Gaúcha. Vamos fazer uma vinícola dentro da vinícola, com capacidade de produção de 200 mil litros ao ano. Nessa vinícola iremos oferecer serviço de vinificação, quem quiser pode plantar sua uva e produzir seu próprio vinho. Isso já existe no Rio Grande do Sul, mas é novidade por aqui. Também daremos início ao nosso e-commerce, vamos vender pela internet”, revela.
Mucugê tem novo projeto
Cerca de 221 km de distância, na cidade de Mucugê, a vez é da UVVA, vinícola que faz parte da ampliação da Fazenda Progresso, empresa familiar que está presente na Chapada Diamantina desde a década de 1980 e consolidou sua atuação no agronegócio investindo no cultivo de batata inglesa e cafés especiais.
De acordo com o CEO da Fazenda, Fabiano Borré, o projeto é pioneiro em Mucugê, que tem características peculiares de clima tropical de altitude, que garante boa amplitude térmica a 1.150 metros acima do nível do mar, em um solo franco-argilo-arenoso, típico da região.
“Associado à técnica da dupla poda, que realinha o ciclo da videira para permitir a maturação plena das uvas, e uma colheita estratégica, as condições climáticas são responsáveis pela formação de um terroir único. Nesse cenário, a vinícola tem potencial para produzir a grande maioria das variedades de uva viníferas e atualmente já em destaque para Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Petit Verdot, Merlot, Chardonnay e Sauvignon Blanc”.
Ele estima que a UVVA terá uma produção de 300 mil garrafas por ano, com a geração de cerca de 200 postos de trabalho. Em breve vai lançar também um hotel, que resulta na criação de um novo produto turístico, com impacto ainda maior na indústria do turismo.
“É um dos segmentos que mais possuem performance consistente. Podemos dizer que a UVVA trará grandes contribuições econômicas à região e ao estado, no que a médio prazo, certamente, contribui para solidificar o destino como um produto único, sustentado pelo tripé Eco + Agro + Enoturismo”, observa. Inicialmente, os sete rótulos da marca, entre vinhos tintos e brancos, estarão disponíveis exclusivamente via e-commerce próprio, no site oficial: www.vinicolauvva.com.br.
Comercialização cresceu quase 40%
Com a pandemia, a comercialização de vinhos no Brasil cresceu quase 40% nos últimos dois anos, segundo dados da Embrapa. De acordo com o pesquisador, a perspectiva é de que o crescimento continue estimulando a introdução de novos vinhedos nas mais diversas regiões do Brasil, seja para a produção dos vinhos tradicionais, seja na vitivinicultura tradicional das regiões Sul e Sudeste, seja para a produção de vinhos tropicais, na região semiárida do Vale do São Francisco, seja para a produção de vinhos de inverno, nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do Brasil, em altitudes entre 600-1.200 m.
“A produção comercial de vinhos finos no Brasil é relativamente recente quando comparada às regiões tradicionais do mundo. A vitivinicultura é uma atividade socioeconômica de grande importância para o Brasil, geradora de renda e de empregos, sendo altamente agregadora de valores por área”, disse Giuliano Elias Pereira.
A produção comercial de vinhos finos no Brasil é relativamente recente quando comparada às regiões tradicionais do mundo
Além disso, tem o potencial de estimular e atrair outras atividades econômicas, como a construção civil (hotéis, restaurantes, estradas, etc), a restauração, agências de turismo, ao promover e valorizar a cultura e o artesanato das regiões que produzem vinhos.
Isso ocorre devido ao estímulo ao enoturismo e à enogastronomia que, segundo o pesquisador da Embrapa, deve ser estimulada com a implantação de novos vinhedos. Em 2019, o setor vitivinícola, no Brasil, como um todo (uvas de mesa, suco, vinhos nacionais e importados), considerando os diferentes canais de distribuição e o enoturismo, movimentou R$ 26,5 bilhões.
Este foi o PIB do setor de vinhos, em apenas 75 mil hectares de vinhedos. O PIB da soja, em 2021, foi de aproximadamente R$ 350 bilhões, em 40 milhões de hectares, já o PIB do café foi de R$ 50 bilhões, em 2,4 milhões de hectares (sem as cafeterias). Com o serviço das cafeterias, atingiu R$ 100 bilhões, e o PIB da bovinocultura de corte que atingiu R$250 bilhões, em 162 milhões de hectares.
“Por isso, pode-se observar que a atividade vitivinícola é altamente geradora de renda e de empregos, em pequena área. Além do potencial de atração do enoturismo, que não acontece com nenhuma outra atividade do agronegócio brasileiro. Somente Bento Gonçalves-RS, que possui estrutura voltada para o enoturismo e o turismo de negócios (feiras e congressos), recebeu, em 2019, cerca de 1,7 milhão de visitantes. No Brasil, são estimados mais de 200 mil empregos gerados pelo setor, no processo de produção de uvas, nas vinícolas e na distribuição, com 1,1 mil vinícolas em operação em todo o país”, afirmou Giuliano em entrevista a Joana Lopo, do badevalor,