Após resistir a pressões de partidos e abrir as portas do gabinete a líderes, parlamentares, prefeitos e governadores, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, reconhece que vive um novo momento na Esplanada. Ao superar a média dos antecessores da pasta, de um ano e meio no cargo, ela diz ter intensificado a agenda com políticos, dando mais atenção às demandas e reduzindo a pressão sobre seu posto: a “meta é acompanhar Lula até o fim deste mandato”. Focada na cúpula do G20, que acontece em outubro no Rio, Nísia diz que haverá um plano para o uso de Inteligência Artificial nos sistemas de saúde.
Foi anunciado o corte e o contingenciamento de R$ 4,4 bilhões da Saúde. Isso pode afetar a relação com o Congresso por travar demandas?
Não vejo nenhum tipo de conflito, uma vez que há uma demanda do próprio Congresso para que a responsabilidade fiscal se exerça. O que estamos fazendo é nos dedicar a isso para ver como minimizar o impacto. Temos imensas demandas que ainda não foram atendidas, especialmente pelo governo anterior.
Como foi a aproximação com parlamentares, após críticas por falta de liberação de verba e pressão política?
Desde o início eu recebi muitos parlamentares. A demanda para a Saúde é muito maior. Primeiro pela questão das emendas. No caso das impositivas, 50% têm que ser para a saúde. Recebo diariamente não só parlamentares, mas prefeitos e governadores, e todos têm uma demanda. Eu tenho registrado atas de todas as reuniões, tenho até a contabilidade de quantos parlamentares. Mas sempre tem os fatos, a percepção e a expectativa, que é imensa. É claro que tem um aprendizado. Passei a me reunir com mais frequência com lideranças de partidos, estreitamos muito, ao longo do ano passado, o trabalho com a Secretaria de Relações Institucionais. As críticas são do meu conhecimento, mas não creio que sejam gerais.
O cargo da senhora é cobiçado pelo Centrão desde o começo do mandato. Acredita que a pressão tenha alguma relação com o fato de ser a primeira mulher no posto?
É claro que a questão de gênero marca todos os cargos na nossa sociedade. O preconceito de gênero se manifesta de várias formas, muitas vezes não tão explícitas. (Há) Dúvidas quanto à capacidade, ainda mais num ministério com a relevância do Ministério da Saúde. Mas eu tenho um histórico de encarar desafios.
A senhora teme ser incluída em uma eventual reforma ministerial?
A minha meta é acompanhar o presidente Lula até o fim deste mandato. Não vou dizer que eu temo, é uma possibilidade da política. Mas eu faço meu trabalho, acho que tenho muito o que fazer e já tenho feito. Mudanças são possíveis e quem tem mandato é o presidente. Eu sou muito tranquila quanto a isso, desde que meu trabalho seja respeitado. A minha função é continuar a fazê-lo e melhorá-lo.
A Secretaria de Saúde Indígena parou de divulgar os dados sobre mortes de ianomâmis. Por quê?
O que a gente teve no governo anterior foi uma grande subnotificação e, por outro lado, houve divulgações sem seguir a norma do Ministério da Saúde, sobretudo para dados de mortalidade, que precisam ser revistos. Não temos uma confiança absoluta (nos dados), chegam correções por questões culturais e também da própria desassistência. Agora, com as unidades básicas de saúde nos territórios, você tem mais registro e de mais qualidade. Vamos regularizar. Estamos com um grupo fazendo conferência nos sistemas.
No mês passado, havia 427 leitos fechados nos hospitais federais do Rio. Além do Hospital do Andaraí, que ficará com o município, qual será o destino de outras unidades?
Eu tenho falado muito de parceria, mas no caso do Andaraí cabia a municipalização. Isso vai ser feito também de uma forma progressiva, até porque muitas ações não podem ser realizadas no período eleitoral. Mas vamos assinar na próxima semana o acordo de cooperação técnica com a prefeitura. E vamos poder, dentro de 15 dias, abrir a emergência, além de ampliar leitos de UTI e na unidade para tratar queimados. Vamos fazer o plano (dos hospitais) de forma progressiva. O Ministério da Saúde vai acompanhar muito de perto, mas no sistema de parceria, como falamos desde o início.
No G20, um dos debates da Saúde é a criação de uma aliança global na produção de remédios, vacinas e insumos. Como está esse pacto?
A aliança está em construção, mas a ideia é articular uma ampla rede para o G20. Queremos replicar as ideias em todos os blocos, que seja com financiamento voluntário, articular principalmente ações de vacinas e medicamentos para emergências sanitárias e populações negligenciadas, doenças que não despertam interesse de mercado. Um dos grandes temas discutidos foi a questão das arboviroses, que não são mais um problema só dos países tropicais.
Olhando para a pandemia, quais são os gargalos que podem ser superados a partir dessa aliança?
Identificamos gargalos em pesquisa clínica, na própria inovação local, nesse esforço regional, e já houve iniciativas nesse campo. Teve uma proposta de cadeia de insumo nas regiões. Ou seja, nem todo mundo vai querer produzir o produto na íntegra, mas pode participar desse esforço. A própria rede de mapeamento e articulação dessa forma estão ajudando.
Outro tema defendido no G20 é avançar na saúde digital. Como o ministério pretende expandir o uso da tecnologia do SUS e que tipo de investimento será feito?
A IA está na pauta de todos os países e há uma certa corrida, e o presidente Lula queria que o Brasil tivesse a sua solução própria. No G20, conseguimos aprovar uma recomendação para apoiar a universalização do uso da inteligência artificial em sistemas de saúde, uma maneira de garantir acesso e qualidade nesse serviço. Ela pode ser importante para diagnósticos mais precisos, para avaliar o impacto de ações de saúde, como a vacinação e tratamentos. É uma ferramenta muito útil. Vamos aprofundar esse tema em reunião ministerial. O caminho é esse.