Controlado por autoridades chavistas, o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela declarou o ditador Nicolás Maduro o vencedor das eleições presidenciais deste domingo (28) após uma apuração lenta e sob acusação de irregularidades por parte da oposição. Líderes da oposição, porém, rejeitaram o resultado e declararam Edmundo González Urrutia vencedor com 70% dos votos.
A votação ainda não foi certificada por observadores do Centro Carter, nem da ONU, e as horas que se seguiram ao fechamento das urnas foram acompanhadas por pressão diplomática de países sul-americanos e europeus, além dos Estados Unidos para que os resultados sejam auditados.
O pleito, contudo, foi marcado por constantes mudanças de regras e movimentações fraudulentas por parte do chavismo nas semanas que antecederam. Também houve problema durante o processo de totalização e apuração dos votos, quando a oposição acusou o CNE de paralisar a transmissão dos resultados.
A oposição denunciou não ter tido acesso a 70% das atas eleitorais que poderiam comprovar os resultados e acusou Maduro de fraudar a votação.
Com 80% das urnas apurados, o chavista recebeu 51,2% dos votos contra 44,2% de Edmundo González Urrutia que encabeçou a chapa de oposição no lugar de María Corina Machado, segundo o CNE.
Mais de 21 milhões de venezuelanos estavam habilitados para votar nestas eleições que demonstraram o maior desafio real ao chavismo nos últimos anos. Respondendo ao chamado da oposição, milhares de venezuelanos amanheceram hoje em filas para votar assim que as primeiras urnas abriram às 6h da manhã (7h de Brasília).
O CNE divulgou o primeiro boletim de urnas já com resultados considerado “irreversíveis” após mais de cinco horas do fechamento das urnas. Amoroso acusou “ações terroristas” pelo atraso enquanto a oposição vinha denunciando ao longo da noite a paralisação de divulgação dos resultados para os fiscais de urna.
Após o fim da votação e com início do processo de apuração, houve denúncia por parte da oposição de dificuldades para acessar as atas eleitorais. Sem elas, não é possível fazer a comprovação dos dados apresentados pelo CNE. A oposição, então, convocou seus apoiadores a fazer vigília nos centros de votação durante a apuração.
Maduro se pronunciou minutos depois da divulgação dos resultados do CNE. “Temos que respeitar essa Constituição, temos que respeitar o árbitro e que ninguém tente desrespeitar essa bela jornada”, disse em frente a uma multidão que ele mesmo convocou que se reunisse em frente ao Palácio Miraflores.
“Sou um homem de paz. Sou um homem de diálogo. Nunca jamais pensei, jamais, em estar em cargo público de relevância. Sempre o que me levou foi o espírito de lutar por Venezuela”, continuou.
E teceu elogios ao seu antecessor, Hugo Chávez, que morreu em 2013. “Minha única inspiração foi ser soldado de Hugo Chávez.”
Ele disse que já recebeu ligação de líderes da Nicarágua, Cuba e Bolívia para felicitar os resultados. “Sua ligação foi de admiração pela valentia desse povo”.
Oposição contesta
A líder opositora María Corina Machado afirmou que os dados divulgados pelo CNE são “impossíveis diante dos dados que estamos recebendo”.
“Hoje queremos dizer a todos os venezuelanos e ao mundo inteiro que a Venezuela tem um novo presidente eleito e é Edmundo Gonzalez Urrutia”, afirmou a opositora sob aplausos de apoiadores.
“Já ganhamos e todo mundo já sabe. Isso tem sido algo tão grande e abrumador que ganhamos em todos os cantos do país, em todas as cidades do país, em todos os Estados do país.”
“Sabemos o que aconteceu hoje”, afirmou María Corina. “Neste momento temos mais de 40% das atas. Estamos recebendo todas as atas que o CNE transmitiu e todas as informações coincidem que Edmundo recebeu 70% dos votos e Maduro 30% dos votos, esse é a verdade. E essa é a eleição com a maior margem de vitória. Parabéns Edmundo.”
“Quando digo que quando todo mundo sabe o que aconteceu aqui, me refiro ao próprio regime. Eles sabem o que pretendem fazer. Isso sabe toda a comunidade internacional, até mesmo os aliados. Todos sabem que os venezuelanos votaram por uma mudança”, continuou a líder opositora.
Terminou dizendo: “Nos próximos dias vamos seguir anunciando as ações para defender a verdade.”
González Urrutia se pronunciou logo em seguida: “Os venezuelanos e mundo todo sabemos o que aconteceu hoje. Aqui foram violadas as normas já que não foram entregues todas as atas”.
“Nossa mensagem de reconciliação segue vigente. Nossa luta continua e não descasaremos até que a vontade do povo de Venezuela seja respeitada.”
Quando questionado se estava chamando os venezuelanos a ir às ruas, o diplomata afirmou que não estava chamando para a violência. “É uma celebração cívica”, concordou María Corina.
Para o cientista político venezuelano Xavier Rodríguez-Franco, a ditadura chavista começa a repetir o modus operandi das eleições de 2013, quando Maduro venceu por uma margem estreita e contestada as eleições contra Henrique Capriles. “Traz muitas reminiscências do que foi o processo eleitoral de 2013, que basicamente era atrasar a divulgação das atas, dificultar o acesso à sala de totalização, além das dificuldades de acesso à imprensa durante todo o dia”, afirmou.
“Atualmente se vivem horas muito críticas na Venezuela. Apesar de que se funciona o voto eletrônico e o processo automatizado de transmissão e totalização dos resultados, sempre tem sido uma constante a sequência de ações que parecem formar um padrão, especialmente quando há eleições que foram competitivas”, continua.
Temos que esperar, ver que comportamento tem a população por um lado e por outro lado a liderança da oposição e também da comunidade internacional. Esta é uma conjuntura onde os olhos do mundo estão postos sobre a Venezuela e, claro, o governo não tem os mesmos aliados que tinha em 2018, tanto nacional como a nível internacional”, conclui.
Mobilização internacional
Todos os países sul-americanos com exceção do Brasil e da Bolívia manifestaram preocupação com a apuração. Os governos do Uruguai, Argentina, Equador, Paraguai, Peru, Panamá, Costa Rica e República Dominicana divulgaram nota dizendo que acompanham o desenrolar da apuração da eleição venezuelana e exigiram que os resultados sejam respeitados. Eles também pediram que seja liberado acesso dos fiscais de urna as atas de votação.
O Chile, de Gabriel Boric, e a Colômbia, de Gustavo Petro, ambos de esquerda, pediram que o governo bolivariano permitisse o acesso da oposição às atas para comprovar os números da eleição.
“O Governo da Colômbia aguarda a divulgação dos resultados eleitorais pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela. A contagem dos votos deve ser feita com todas as garantias para todos os setores. Reafirmamos o nosso apoio à paz e à democracia no nosso país irmão”, disse a chancelaria colombiana.
Logo após os resultados, o presidente do Chile, Gabriel Boric, disse que seu país não reconhecerá nenhum resultado que não seja verificável. “O regime de Maduro deve compreender que os resultados que publica são difíceis de acreditar. A comunidade internacional e especialmente o povo venezuelano, incluindo os milhões de venezuelanos no exílio, exigem total transparência das atas e do processo, e que observadores internacionais não comprometidos com o governo prestem contas pela veracidade dos resultados.”
O chefe da diplomacia norte-americana, Antony Blinken, exigiu uma recontagem “justa e transparente” dos votos nas eleições presidenciais na Venezuela. “Agora que a votação foi concluída, é de vital importância que cada voto seja contado de forma justa e transparente. Apelamos às autoridades eleitorais que publiquem a contagem detalhada dos votos (atas) para garantir a transparência e a responsabilização”, disse Blinken em comunicado divulgado após a autoridade eleitoral venezuelana, controlada pelo partido no poder, declarar Maduro vencedor.
A chanceler argentina, Diana Mondino, pediu que Nicolás Maduro reconhecesse a derrota em uma publicação na rede social X. “Maduro: RECONHEÇA A DERROTA. A diferença de votos contra a ditadura chavista é esmagadora. Perderam em todos os estados por mais de 35%. Não há fraude ou violência que esconda a realidade “, disse a chanceler sem citar a fonte.
O assessor de relações internacionais do Planalto, Celso Amorim, enviado a Caracas para ser ‘os olhos’ do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na eleição, disse por meio de nota que está em contato com diferentes forças políticas e analistas eleitorais, além de membros da equipe de observadores do Centro Carter e do Painel de Especialistas da ONU.
“O presidente Lula vem sendo informado ao longo do dia. Vamos aguardar os resultados finais e esperamos que sejam respeitados por todos os candidatos”, concluiu.
As ressalvas de Maduro
Ao votar neste domingo em Caracas, o ditador Nicolás Maduro disse que reconheceria os resultados, mas com a ressalva de que seriam apenas os apresentados pelo CNE e apelou para que os demais candidatos façam o mesmo.
Poucas horas antes da divulgação do resultado do CNE, Delsa Solórzano, uma das líderes da campanha opositora designada como fiscal de urna oficial da oposição no CNE, denunciou que foram paralisadas as transmissões de resultados de alguns centros eleitorais. Além disso, reiterou que a oposição continua sem acesso às atas eleitorais e há fiscais sendo retirados de centros de votação.
O domingo de eleições foi marcado por longas filas para votar, especialmente na capital Caracas. As urnas fecharam às 18h locais (19h de Brasília), mas centros de votação que ainda tinham filas continuaram abertos até receber o voto da última pessoa na fila, conforme obriga a lei.
No geral, a jornada eleitoral ocorreu sem grandes incidentes. Em poucos centros de votação houve embates entre apoiadores do chavismo e apoiadores da oposição. Mas a tensão subiu durante antes da apuração dos votos, conforme se demorava para fechar algumas urnas e a oposição não conseguia acesso às atas de votação.
Em alguns dos 15 mil centros de votação espalhados pelo país (que ao total têm 30 mil urnas) houve demora para abertura da votação. Mas, de acordo com o Observatório Eleitoral Venezuelano, mais de 90% das urnas abriram antes das 8h locais (9h de Brasília).
Ao longo do dia, alguns eleitores denunciaram dificuldades de chegar aos seus centros de votação. Pessoas que servem como testemunhas eleitorais (espécie de fiscais de urna) da oposição também denunciaram travas do CNE para deixá-los entrar no local de apuração dos votos.