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sexta-feira 26 de julho de 2024 às 12:25h

Creches na Dinamarca: investimento, e não custo

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País entendeu há décadas que universalizar o oferecimento de vagas em creches com qualidade contribui para o aumento da taxa de natalidade e para a manutenção do estado de bem-estar social. Qual sua visão sobre as creches? Qual o papel delas? Apenas um espaço para cuidar das crianças enquanto os pais trabalham?

Confesso que até não muito tempo atrás eu as associava com a imagem apenas de um lugar seguro para proteger e alimentar as crianças enquanto os pais estão trabalhando, mas descobri que há potencial para muito mais.

A Dinamarca, país com o 5° maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), entendeu há décadas a dimensão desse potencial. Atualmente, sem exagero algum, elas se tornaram uma estratégia para o desenvolvimento do país e um projeto de Estado, que, independentemente do governo no poder, é valorizado e preservado.

Desde 1976, os governos locais tinham a missão de oferecer creches para crianças de pais que trabalham. Em 2004, isso se estendeu para todas as crianças.

Em 2020, quase 100% de todas as crianças entre 3 a 5 anos e cerca de 70% das entre 0 a 2 anos estavam matriculadas em creches.

O país nórdico investe fortemente na educação da primeira infância. Os ingredientes são: alta qualificação dos profissionais envolvidos, taxa favorável da relação criança x professor, grande ênfase em desenvolver habilidades sociais e cognitivas das crianças.

Esse investimento integra a estratégia de um país com um dos melhores estados de bem-estar social do mundo. Os resultados são alta participação das mulheres no mercado de trabalho e o aumento da mobilidade e da inclusão social.

Taxa de natalidade e a participação da mulher no mercado de trabalho

Um grande e atual problema em comum nos países mais desenvolvidos do mundo é a queda na taxa de natalidade. De forma simplista: as mulheres estão tendo menos filhos, ou, em muitos casos, nenhum.

Por que isso é um problema? Há um aumento natural da população de idosos, gerando um alto custo para o Estado, paralelamente a uma consequente diminuição da população economicamente ativa.

E as mulheres, por que estão tendo cada vez menos filhos? São várias as razões, mas muitas delas perpassam pela relação com o mercado de trabalho. Por exemplo: com quem deixar os filhos? Será preciso parar de trabalhar? Se sim, por quanto tempo? E quando voltar, conseguirá os mesmos cargos ou, no melhor dos mundos, seguir a ascensão pré-maternidade? São todas questões importantes para serem consideradas.

A Dinamarca entendeu, há anos, o papel que o Estado poderia ter nessa questão. Se creches fossem universalmente oferecidas e com uma qualidade inquestionável, boa parte dos receios acima seriam atenuados. O governo subsidia até cerca de 75% dos gastos com a educação na primeira infância. Para o país, não é um custo, mas um investimento.

Desenvolvendo as crianças, investindo em capital humano

Me perdoem a franqueza e a generalização, mas, salvo exceções, subestimamos as crianças, sobretudo em relação à capacidade cognitiva. Por consequência, muitas vezes, não conseguimos enxergar a importância da creche para além de uma instituição que protegerá as crianças de perigos e as alimentará.

Mas ela têm um riquíssimo potencial a ser explorado e são um importante agente para o desenvolvimento cognitivo das crianças. É o que a Dinamarca faz. Há um grande enfoque na questão cognitiva e no desenvolvimento de habilidades sociais, de movimento, de linguagem e sempre pautado no relacionamento entre as próprias crianças e entre elas e o profissional da educação.

É uma ressignificação do potencial das creches e um pré-requisito para o sucesso é a qualificação dos profissionais que atuarão nelas. Além de ensino superior, os trabalhadores precisam ter, pelo menos, quatro anos de treinamento pedagógico. É claro que há uma justa remuneração, até mesmo para incentivar os altos níveis de qualificação requeridos, mas, como já dito aqui, o país interpreta como investimento e não como custo.

O que almejam com o investimento na capacidade cognitiva das crianças? Bom, estão investindo em capital humano e têm total interesse em construir futuros profissionais altamente qualificados. Por qual razão? O país tem um estado de bem-estar bastante custoso e tem total interesse em que as crianças de hoje se tornem profissionais altamente qualificados, com alta remuneração e, consequentemente, com altas contribuições via impostos.

Mas e o Brasil?

Sei que não podemos simplesmente comparar o Brasil com a Dinamarca. Temos mais de 200 milhões de habitantes, enquanto que a Dinamarca tem menos de 6 milhões. Temos uma história de construção pautada na exploração, em muita desigualdade e em uma elite que, hoje, basicamente só mudou de formato. A Dinamarca tem outra história. Enfim, são várias as razões que tornam muito infelizes e injustas algumas comparações.

Ainda que modelos não possam ser simplesmente transpostos de um país para o outro e funcionar perfeitamente sem adaptações, acredito que os sucessos possam e devam servir de exemplo.

O primeiro ponto, e ainda dedicarei uma coluna exclusiva para isso, é a importância da educação no Brasil ser plenamente um projeto de Estado, e não de governo. Como assim? Cada gestão prioriza um ponto, sendo que a próxima muda tudo. Houve governantes cujo foco principal foi no ensino superior, para outros foi o fundamental, depois o médio. É urgente que todo o ciclo educacional seja igualmente valorizado e parte de um projeto estratégico que sobreviva à polarização.

Paralelamente a isso, acho válido que as creches no Brasil sejam universalmente vistas para além de um espaço para deixar as crianças e as alimentar. Ou seja: que integrem uma estratégia para o desenvolvimento do país. No entanto, isso requer investimento na capacitação dos profissionais, na infraestrutura, nas universidades e também nas outras fases da trajetória escolar.

Em suma, é necessário que o Brasil, assim como a Dinamarca, veja gastos com a educação como investimento, e não custo.

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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