Ultradireitista Reunião Nacional elege maior bancada de deputados da sua história, mas não esconde decepção após ficar distante da maioria absoluta. Alianças de esquerda e centro foram decisivas para frear crescimento. O partido de ultradireita Reunião Nacional (RN) elegeu neste domingo (7) a maior bancada de deputados da sua história. Segundo projeções ao fim do segundo turno das eleições legislativas francesas, a legenda deve garantir entre 135 e 143 cadeiras na Assembleia Nacional, a câmara dos deputados do país.
Os números representam uma nova marca histórica para a RN, o partido da veterana Marine Le Pen, que contava com 89 deputados na última legislatura – que já era maior marca até então na trajetória de cinco décadas do partido.
No entanto, o resultado deste domingo foi visto com decepção entre militantes da RN, já que ficou bem abaixo da marca de 289 deputados necessária para garantir o controle da Assembleia – e consequentemente do governo francês. Ao todo, a Casa tem 577 cadeiras.
No final, a RN não apenas ficou distante da maioria, como ainda ficou atrás de dois blocos rivais: a aliança de esquerda Nova Frente Nacional (NFP), que elegeu a maior bancada; e o grupo político centrista do presidente Emmanuel Macron, agrupado na coligação Juntos.
A NFP deve eleger entre 187 e 198 deputados. Já os macronistas devem reunir entre 161 e 169. A RN, portanto, junto com alguns aliados da direita conservadora, deve contar com a terceira bancada.
Ainda assim, o resultado não deixa de ser uma marca histórica para a RN, a versão repaginada da Frente Nacional (FN), partido fundado em 1972 por neofascistas, ex-colaboradores nazistas e veteranos da Guerra da Argélia, entre eles Jean-Marie Le Pen, o pai de Marine.
Por décadas uma força marginal na política francesa do pós-guerra, a ultradireita nunca chegou tão longe em eleições legislativas desde a fundação da Quinta República francesa, em 1958.
Mesmo ficando na terceira colocação das bancadas, a RN obteve a maior fatia dos votos neste domingo: 32%, segundo os resultados oficiais, 5,4 pontos acima da NFP e quase 9 à frente do Juntos de Macron.
No entanto, o partido elegeu menos deputados por causa da particularidade do sistema eleitoral francês. A escolha da Assembleia Nacional não é feita no formato proporcional, mas é dividida em 577 disputas individuais. A maioria costuma ir para o segundo turno, no qual o mais votado leva a cadeira.
“Vitória adiada”
Após a divulgação das projeções, Le Pen tentou animar sua militância afirmando que o resultado foi de qualquer forma histórico para a RN e que a vitória da ultradireita “só foi adiada”.
Apesar de ter entrado no pleito legislativo com grandes expectativas, a RN não esconde que seu grande objetivo continua sendo vencer a próxima eleição presidencial, em 2027.
“A maré está subindo. Não subiu o bastante desta vez, mas continua subindo. Nossa vitória, na verdade, foi só adiada”, disse Le Pen sobre os resultados da RN neste domingo.
Logo após o primeiro turno das legislativas, em 30 de junho, pesquisas chegaram a apontar que a RN tinha chances reais de conquistar mais de 289 deputados. Com isso, a França arriscava ter como primeiro-ministro Jordan Bardella, de 28 anos, o presidente nominal da RN e o indicado por Le Pen para o posto de chefia de governo no caso de uma vitória.
No primeiro turno, a RN havia sido, em termos percentuais, o partido mais votado, conseguindo, com seus aliados conservadores, 33% dos votos.
Movimentação do centro e da esquerda enfraqueceu RN no segundo turno
Neste domingo, após os resultados, Le Pen também reclamou das alianças táticas formadas entre os macronistas e a NFP que foram formadas em centenas de distritos para tentar barrar candidatos de ultradireita no segundo turno.
“Se não houvesse este acordo antinatural entre Macon e a extrema esquerda, o RN teria maioria absoluta”, avaliou.
Após o primeiro turno, para impedir que a RN formasse maioria absoluta, o centro macronista e a esquerda da NFP retiraram da disputa mais de duas centenas de candidaturas que concorriam entre si com a ultradireita em disputas triangulares (que tinham mais de dois candidatos no segundo turno).
A estratégia visava concentrar em uma só candidatura do campo democrático os votos dos eleitores que não queriam ver a RN no comando da Assembleia. No total, a NFP retirou mais de 130 candidaturas. A coligação de Macron, mais de 80.
A tática parece ter sido eficaz, como mostraram as projeções deste domingo.
Além de Le Pen, Bardella também reclamou das táticas usadas pelos rivais para frear a RN.
Ele acusou Macron de jogar a França nos “braços da extrema-esquerda” e reclamou das alianças táticas entre a NFP e os macronistas para barrar a RN. “Os arranjos eleitorais entre um presidente isolado e uma extrema-esquerda incendiária não levarão o país a lugar algum”, disse.
Candidatos-problema no segundo turno
No entanto, apesar do papel das alianças rivais para frear a RN, o partido de Le Pen enfrentou outros problemas na campanha-relâmpago do segundo turno.
Quando Macron fez seu anúncio surpresa de convocação das eleições, em 9 de junho, a liderança da RN afirmou que estava preparada. Mas a campanha mostrou que o partido teve que se desdobrar para preencher muitas de suas candidaturas.
A imprensa francesa logo revelou que alguns candidatos novatos que chegaram ao segundo turno haviam feito comentários racistas e antissemitas no passado.
Uma das candidatas da RN na Normandia, por exemplo, havia aparecido numa foto usando um quepe de oficial nazista.
Outros haviam glorificado o regime de Vichy (o governo fantoche instalado pelos nazistas na França durante a Segunda Guerra) e a organização de extrema direita OAS, um grupo terrorista dos anos 1960 que se opunha à independência da Argélia e que por diversas vezes tentou assassinar o ex-presidente Charles de Gaulle
Os episódios cercaram a RN de notícias negativas e levantaram acusações de que a legenda continua o mesmo partido extremista de sempre, e que as mudanças executadas por Marine Le Pen a partir dos anos 2010 para “normalizar” a legenda foram apenas cosméticas.