Um levantamento realizado pelo Instituto Fogo Cruzado apontou que discursos pró-armas no Congresso Nacional aumentaram nos últimos dez anos e, em 2023, foram três vezes maior do que falas contra o armamento.
A organização, dedicada a produzir indicadores sobre a violência armada no país, analisou discursos realizados nas tribunas da Câmara dos Deputados e do Senado entre 1951 e 2023 para produzir a pesquisa, que se chama: “O que o Congresso Nacional fala sobre o armamento civil?”. Ao todo, foram analisados 1.977 discursos (1.790 da Câmara e 187 do Senado).
“Não entendemos, pois, sr. Presidente, a razão do armamentismo. Consideramos essa iniciativa altamente prejudicial a qualquer população. O armamentismo é, inegavelmente, um trabalho de profissionais de guerra, de proprietários de fábricas de armas e munições”, afirmou o então deputado federal Campos Vergal (PSP-SP), no primeiro discurso sobre armamento civil mapeado, em 1951.
O estudo aponta que houve um aumento dos discursos favoráveis à liberação das armas para toda a população a partir de 2015, primeiro ano de legislatura após as manifestações populares de 2013.
“Ocorreu na eleição de 2014 um processo mais intenso de renovação das elites políticas, com a ascensão de diversos novos deputados e senadores. […] É nessa legislatura que observamos uma mudança: pela primeira vez foram contabilizados mais discursos favoráveis à ampliação do acesso às armas do que pelo seu controle”, afirma o estudo.
Os pesquisadores também apontam que o problema para a violência no Brasil não será resolvido com mais armas nas mãos de civis.
“Um retrocesso ainda maior do que o que vimos em anos recentes em relação ao armamento civil será desastroso nesse contexto. O futuro que precisamos construir é de menos mortes e ele não virá com mais civis armados”, afirmou a pesquisa.
No período de 2015 a 2023, foram realizados 272 discursos sobre o tema do armamento na Câmara e no Senado, sendo 198 pró-armamento (73%), 65 pró-controle de armas (24%) e nove neutros (3%). Foi a primeira vez que os discursos pró-armas superaram quem era contrário.
“O que nós constatamos é que este não é assunto pacificado e, desde 2015, está em ampla disputa. Olhar para a série histórica do debate parlamentar demonstra como as normas vigentes que controlam o acesso de civis às armas estão sob risco”, afirmou Terine Coelho, coordenadora de pesquisa do Instituto Fogo Cruzado.
O ex-presidente Jair Bolsonaro , entre as primeiras medidas de seu governo, modificou as regras para facilitar que a população tivesse acesso a armas.
A nova regra que simplificava o acesso a armas durou quatro anos e foi revogada nos primeiros dias do novo governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva.
Entretanto, o estudo verificou que mesmo com a mudança nas regras em 2023, a forma como o Congresso pensa o tema não mudou e proporção entre os discursos se manteve grande. Foram 75 discursos a favor da população armada contra 24 contrários.
“Apesar dessa inflexão nas ações do executivo depois da derrota de Bolsonaro, houve uma institucionalização do movimento pró-armamento no Congresso Nacional. Além de dobrar a bancada, o movimento passou a se organizar, como com a criação do grupo PROARMAS, que financiou uma série de candidaturas ao Congresso”, finalizou.
Nas últimas três legislaturas, de 2015 até ano passado, a grande maioria dos parlamentares que falam sobre armas são homens, 184 dentre 217, ou 84,8%. Além disso, 76,5% (166) são brancos.
Como são os discursos?
O estudo classificou os discursos pró e contra armas em cinco categorias diferentes:
▶️ Argumento da defesa do cidadão de bem (53% dos discursos pró-armas)
▶️ Melhoria da segurança pública (69% dos discursos pró-armas)
▶️ Impactos das armas em mortes de populações frágeis socialmente (53% dos discursos contra armas)
▶️ Medo da violência (93% discursos pró-armas)
▶️ O papel da política (discursos ideológicos) (30% discursos pró-armas)
Além disso, o levantamento aponta que os parlamentares utilizam de diversos discursos para “sensibilizar” quem ouve. Entre eles, estão: dados, estatísticas e pesquisas científicas; e eventos considerados exemplares ou dramáticos.
Entretanto, dentre os 544 discursos realizados entre 2015 e 2023, apenas 30% utilizaram dados, estatística ou pesquisa científica para justificar seus argumentos. E dentro desse grupo, 55% não mencionaram fonte de onde os dados foram retirados.
“Considerando a existência de uma variedade de dados e estatísticas sobre violência e segurança pública, bem como pesquisas que tentam entender a relação entre circulação de armas e aumento ou diminuição da violência, surpreende que a grande maioria dos atores envolvidos nesse debate tenha preferido ignorá-los”, afirma o estudo.